Lolita

O que mais me fascina em “Lolita” é, acima de tudo, a linguagem.

É tão clara a delícia que Nabokov sente em escrever, é quase uma ode ao idioma inglês. Qualquer leitor sente que aquele russo simplesmente adora estar escrevendo no idioma de Shakespeare, e brinca com as palavras, e se prontifica a realizar brincadeiras bobas nas quais um americano ou inglês se recusaria a entrar, por infantis demais. Humble Humbert, Hummering Humbert… Talvez seja preciso um estrangeiro para se apaixonar tão perdidamente por um idioma.

Ao contrário de Conrad, para quem o inglês era apenas o meio escolhido para contar suas histórias, para Nabokov o principal assunto de seu livro é a língua.

Além disso, há o brilhantismo como Nabokov apresenta H. Ele é sórdido, é doente, é repulsivo; mas descreve seu crime e sua maldade com tamanha elegância, com um falso pedido de desculpas repleto de orgulho arrogante, que muitas vezes é fácil esquecer quão hediondo ele é, como pôde aproveitar a paixão adolescente de Lolita para praticamente destroçá-la. A sensualidade de Lolita só existe na mente perturbada de Humbert — e no entanto é ela a ninfeta demoníaca. Porque H. não se considera doente; ele é, antes de tudo, um artista, um esteta.

Em todo o livro (fora algo que ainda não entendi: a “ninfeta primordial” no início do livro se chama Annabel Leigh, uma referência nada sutil à personagem de “O Corvo” de Poe; mas aí pelo meio do livro ele se refere a ela sem o disfarce, como Annabel Lee. É proposital?), eu só faria uma ressalva. Boba, mas ainda assim uma ressalva.

As pequenas expressões em francês, ditas de vez em quando por Humbert, soam falsas. É improvável que alguém como ele usasse o francês para dizer coisas que podem ser perfeitamente ditas em inglês. Se fosse para expressões que não tivessem tradução em inglês, tudo bem. Mas é sempre para coisas banais, expressões que também em inglês têm seu equivalente deliciosamente sonoro. É como se Nabokov dissesse “bom dia” em russo todo o tempo. E isso destoa, de uma forma intrigante, do amor sentido por H. pelo idioma que adotou.

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