Nana neném

O mundo das historinhas infantis e cantigas de ninar são de uma beleza impressionante.

A maioria são lições valiosíssimas de senso comum que crianças devem conhecer em sua preparação para enfrentar o mundo. E por serem tão básicas, as décadas passam e elas não precisam mudar. No máximo, podem mudar algumas interpretações delas. A “História da Baratinha”, por exemplo, originalmente era uma crítica a essas moças que escolhem muito (mais tarde, na versão de João de Barro, acabou virando uma crítica à gula do doutor João Ratão).

As cantigas de ninar e de roda, por outro lado, mostram um país antigo que persiste no subconsciente coletivo.

“Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão. Acudiram três cavalheiros, todos três chapéu na mão. O primeiro foi seu pai; o segundo, seu irmão; o terceiro foi aquele a quem Tereza deu a mão”. Quer definição mais singela do patriarcalismo brasileiro do século XIX? A música prepara a moça para o seu destino não apenas inexorável, mas desejável: o casamento, estabelecendo uma hierarquia de obediência de acordo com a época e circunstâncias de sua vida.

“Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão. Vem de lá seu delegado e pai Francisco foi pra prisão”. Alguma dúvida de que pai Francisco é negro, velho e uma figura proeminente em seu nicho social — provavelmente um pai de santo –, em um tempo (que durou até o início do século XX) em que a polícia reprimia duramente aglomerações de negros?

“Eu sou pobre, pobre de marré de si…” Eu adoro essa música. Cheguei à conclusão de que “marré” se refere ao Marais, bairro parisiense paupérrimo nos séculos XVIII e XIX, embora nunca tenha visto ninguém aventar essa hipótese. Provavelmente estou errado. Mas o que interessa, mesmo, é o processo que ela conta, o costume de “dar” filhas para serem criadas (nos dois sentidos da palavra) por famílias mais abastadas, base do sistema de compadrio que suavizou, em grande parte, o sistema escravagista brasileiro — pelo menos o urbano. De acordo com mais essa teoria rafaeliana a música reflete a galicização cultural do país e um costume que perdura até hoje. A brincadeira mostra a negociação entre duas melhores, e uma situação triste que milhares de famílias pobres viveram ao longo da história. É fascinante.

“Fui no Tororó beber água, não achei…” Ah, essa é baiana, do tempo em que a cidade se abastecia com a água do dique do Tororó. E o verso “quem não dormir agora dormirá de madrugada” só podia ter sido cunhado lá.

São muitos exemplos. E em cada um deles há um aspecto histórico curioso, verdadeiro e popular.

Se alguém conhecer algum estudo sobre a origem e evolução dessas obras, por favor, não deixe de me avisar.

7 thoughts on “Nana neném

  1. Eu já disse que esses seus posts estão acabando com minhas (poucas) ilusões. Primeiro vc joga Stephen King no lixo quando eu estava pronto pra ler o coitado, agora vc me vem com essa de cantigas infantis que na verdade estão preparando as filhas pro casamento, ou que são racistas ou ainda que apontam problemas sociais muito sérios. Se vc continuar assim, paro de visitar seu blog, hein? – risos P.S: sobre a pergunta “pra lá” de off topic que vc deixou no meu blog: SIM, ela é bonita.

  2. DNAS, se você ficou desiludido lendo o post, procure ler “Psicanálise dos contos de fada”, de Bruno Bettelheim. Vai se enfiar debaixo da cama e chorar! hehehe… Ah, uma musiquinha que sempre ficou na minha cabeça, e que até hoje me traz a imagem de pirulitos coloridos e saborosos é: “pirulito que bate bate, pirulito que já bateu, quem gosta de mim é ela, quem gosta dela sou eu.” Acho que essa renova as esperanças, né? Amor correspondido, sexo correspondido, doces fornecendo endorfinas… hehehe… Ah, mas misturar sexo com criança é tabu, né?

  3. A música da Teresinha de Jesus, não tem relação nenhuma com o paternalismo, mas sim refere-se a Santa Teresa de Lisieux, também conhecida como Teresinha de Jesus, que deu sua vida à Trindade, O Pai, Jesus (o irmão) e o Espírito Santo, com quem desposa, ou seja, torna-se freira carmelita.

  4. Ah, pois pra mim, Samurai, refere-se ao fato de que a Teresinha sabe das coisas, já é moça crescida, e sabe que vai obter muito mais prazer “adulto” se der a mão ao tal “Terceiro”, que pode muito bem ser seu primeiro.

  5. Essa vai para DNAS, sobre a música pirulito que bate bate. Provavelmente vc nao conhece o segundo refrão, que diz: pirulito que bate bate, pirulito que já bateu, a menininha que eu gostava, coitadinha já morreu! Todas as cantigas infantis são perverssas.

  6. Olá, estou fazendo uma pesquisa sobre a origem das cantigas infantis, gostaria de saber se você tem mais informações sobre Éu fui no tororó…desde já agradeço pela atenção….beijos…mi

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