Walter Mosley

Há três grandes escritores noir: Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Ross Macdonald.

Hammett é o inventor do gênero, do detetive hard boiled. A linguagem seca, direta, o cinismo, a disposição do investigador para se meter em sujeira, o arquétipo da femme fatale — tudo isso é obra de Hammett, que deixou as elocubrações anódinas dos Poirot da vida parecendo leite pasteurizado diante do bourbon do Continental Op e Sam Spade. Miss Marple ficaria vermelha ao ouvir alguns dos motivos dos crimes que estes detetives têm que resolver. E pediria a excomunhão do Op e de Spade ao saber dos métodos que eles utilizam para achar os culpados. So improper, dear.

Chandler foi mais além, e deu densidade literária ao gênero sem perder a essência suja do noir. Para muita gente é o maior escritor do gênero. Seu Philip Marlowe tem um olhar contemplativo e filosófico que não existia em Hammett. Eu não diria que um é melhor que outro: são apenas diferentes.

Depois veio Ross Macdonald, que seguiu um caminho diferente com seu Lew Archer, dando ao gênero uma profundidade e uma atualidade psicológicas inéditas até então. O detetive de repente se via envolvido em um contexto social mais complexo, e isso manteve o gênero vivo nas décadas de 60 e 70. E foi o primeiro grande autor noir que li, meu preferido até me apaixonar por Hammett.

Depois deles não apareceu mais ninguém. Cópias sempre abundaram, algumas excelentes como Cornell Woolrich, outras baratas como Mickey Spillane e Frank Gruber (se alguém acompanhou a antiga “Colecção Vampiro”, uma série de livros de bolso portugueses vendidos aqui nos anos 60 e ainda hoje encontráveis nos sebos, leu muitos livros destes últimos — e aprendeu que “tira” em lusitano é “chui”). Mas era apenas mais do mesmo, fotocópias cada vez mais esmaecidas e esquematizadas. Rex Stout fez uma mistura até interessante dos dois principais gêneros policiais — o inglês cerebral e o americano durão –, mas faltava algo: era como alguém misturando um Romanée-Conti e Evian. Mais recentemente, gente como John D. MacDonald, Lawrence Block e outros até que se esforçou, mas o espírito do detetive noir acabou desvirtuado. Esqueça o que falam dos novos lançamentos: são todos inferiores, sem exceção.

Foi só com Walter Mosley que o noir voltou a ter algum significado. Desta vez, quase literal.

Mosley é negro (algo que tem mais importância nos EUA do que aqui), e seu personagem, Easy Rawlins, é um negão esperto que enquanto se mete na mais profunda sujeira humana acompanha a evolução das relações raciais nos Estados Unidos entre os anos 40 e 60.

Não que Mosley esteja no mesmo nível da santíssima trindade do noir. Longe disso. Nem que seja exatamente original — ele deve muito a Chester Himes para ser considerado novo. Mas originalidade não é exatamente o principal requisito neste gênero. O assunto é sempre o mesmo: morte, dinheiro, sexo. O que conta aqui é principalmente o estilo e a capacidade de observação da natureza humana no que ela tem de, se não pior, de mais falho, mais rasteiro. O nome vem daí: da atmosfera escura e opressiva.

E nisso Mosley foi o primeiro grande sopro de vida num gênero que parecia morto. O primeiro livro da série de Rawlins, “O Diabo Vestia Azul”, é brilhante. Para mim, um fã eterno do gênero, foi quase uma bênção ver que um dos meus gêneros preferidos tinha sido presenteado com uma nova força. Isso me fez comprar os outros livros de Rawlins, que não foram lançados no Brasil (a Amazon é uma das melhores invenções da humanidade). E todos eles valeram a pena.

Isso foi em 2001. Parece que Mosley soltou mais um livro da série. É uma boa pedida.

3 thoughts on “Walter Mosley

  1. Hmmm… Essa coisa de literatura “noir” me fez pensar em outro estilo literário, o dos livros românticos de edição pobre destinados ao público feminino. Vejo que há duas correntes de autoras desses livrinhos com histórias de amor para donas de casa desiludidas: a corrente de Barbara Clartland e a corrente das “outras”, representadas pelas coleções “Júlia”, “Sabrina”, “Bianca” e afins. Lady Cartland capricha nos detalhes pomposos e aristocráticos e prima pela inocência dos relacionamentos amorosos. As outras nem chegam perto dessas filigranas, mas capricham no sexo, na sacanagem, de modo brega mas picante. Prefiro essas últimas. Afinal, pelo menos um certo tesão nos garantem.

  2. Rarafel,
    Preciso saber o nome do tradutor do livro de Walter Mosley, Devil in a Blue Dress (O diabo Vestia Azul). Voce pode me ajudar?
    Obrigada,
    Cris Ramos

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