Os heróis que não foram

Almoçando com um amigo, a conversa foi parar em Canudos e Lampião, dois dos símbolos máximos da identidade nordestina.

Ele foi taxativo: considera Lampião um bandido e o episódio de Canudos um retrato do atraso. Quanto a Lampião, tudo bem; só quem não conhece a história dele o considera um herói. Mas sua opinião sobre Canudos me surpreendeu, porque não é comum entre a esquerda nordestina.

Ao longo do século XX Virgulino Ferreira e Antônio Conselheiro foram alçados à categoria de heróis regionais. Uma parte da sociologia nacional os considera referenciais e produtos de um sistema social injusto.

O que facilita a criação de uma imagem heróica para Conselheiro e para Canudos é o fato de eles terem sido trucidados pelo Estado. Nada, de fato, justifica aquilo; mas a guerra ajuda a esconder o fato de que Canudos se organizou em função de uma ideologia atrasada e reacionária, de monarquistas fundamentalistas que não compreendiam a mudança e evolução da sociedade do seu país. Pode-se chamar Conselheiro de mártir, sim; mas seu martírio foi pelos motivos errados.

Quanto a Lampião, sua história é só a de um marginal que tomou ares de herói.

Lampião nunca passou de um bandido. Se se pode tentar explicá-lo como um produto da injustiça social, é bem mais óbvio que em pouco tempo ele se tornou um elemento importante na perpetuação da injustiça. Lampião roubava cidades, tomava dos pobres. Sua relação com as elites era simples: aqueles que o aceitavam, por medo ou oportunismo, eram poupados e se tornavam coiteiros; os outros se tornavam vítimas.

Não há nada de Robin Hood em Lampião, ou de Cristo em Antônio Conselheiro. Mas a lenda se perpetua, cresce, e talvez um dia, como sabia Goebbels, se torne verdade.

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