Do pó ao pó

Meio por acaso, descobri um cemitério antigo em Aracaju que eu não sabia que existia. Me disseram que lá há alguns túmulos com a estrela de Davi, raridades em uma cidade que não é notável por sua colônia judaica — judeus são inteligentes, você sabe.

Lembrei dos cemitérios americanos. De vez em quando ouço alguém falando como eles são tão bonitos, ainda mais em comparação com os brasileiros. E louvam a cultura protestante de simplicidade e ascetismo em suas lápides, ainda mais se comparadas às orgias de mau gosto do catolicismo brasileiro.

Embora estejam longe de ser meu passeio preferido, os cemitérios brasileiros não me parecem tão feios. Alguns túmulos são bonitos, sim. São também uma prova cabal de como pode ser idiota a vaidade humana.

O fato é que a insanidade dos outros pode ser um bom divertimento, se você tem o grau mínimo de sadomasoquismo para viver em sociedade. A dos fãs de Jim Morrison, por exemplo, lhe dá o que fazer no Pére Lachaise. Os milionários que não cometeram o crime desejável de sobreviver ao seu dinheiro ergueram obras interessantes nos grandes cemitérios, menos por sua beleza arquitetônica do que pela idéia mórbida de que sua vaidade pode sobreviver a eles mesmos.

Para mim, a grande diferença entre cemitérios protestantes como os americanos e católicos como os brasileiros está no fato de que nem na morte a diferenciação entre as classes finalmente cessa.

Os ricos têm direito a túmulos imponentes, os muito ricos e tradicionais a grandes mausoléus de família, luxuosos, enormes desperdícios de mármore.

Já os pobres, coitados, são submetidos a uma última humilhação, empilhados em “gavetas” quase anônimas e indistintas, umas sobre as outras. A patuléia que não foi nada em vida continua a ser nada na morte, indistinta em meio a tantos outros nadas. Há poucas coisas mais soturnas que as gavetas de cemitérios. Poucas coisas mais humilhantes, também.

E no fim das contas, lá no fundo, os cemitérios americanos, brasileiros e conchinchineses são a mesma coisa: lá dentro, está todo mundo morto. E morto é morto em qualquer lugar, sob qualquer lápide. Os vermes não fazem distinção, e não lhe ridicularizam a vaidade ou se condoem de sua pobreza. Eles simplesmente lhe comem.

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