Start me up

Lendo a carta que os fundadores do Google enviaram aos seus prováveis investidores, precedendo seu IPO, vi alguns elementos que dão a impressão de que eles chegaram a um equilíbrio entre a maluquice das primeiras startups e um modelo racional de negócios. Como se fosse a mesma ideologia mas com táticas diferentes.

Como mais alguns pobres de Cristo espalhados pelo mundo, eu participei de uma “startup pontocom”: um cliente abriu uma e me ofereceu uma parcela pequena de ações (porque eles já começaram como sociedade anônima, tendo em vista um IPO que, naturalmente, iria render milhões).

Pelo que me diziam, aquela era uma oportunidade única. O CEO (é, eles usavam esses nomes e suas siglas; eu me tornei, sabe Deus como, o Chief Marketing Officer; ria disso na época como rio hoje) era um garoto novo, cuja noção de elegância era usar gravata com calças muito baratas de tergal e já puídas pelo uso, encimando sapatos Vulcabrás comprados na feira. Pelo que ele falava, iríamos todos ficar milionários.

Confesso, para minha vergonha, que eu também acreditei nesse delírio. E como as ações não me custaram absolutamente nada, embarquei no Andrea Doria.

Mas pelo menos não acreditei por muito tempo. Quando a AOL comprou a Time Warner, enquanto todo mundo via o estabelecimento da hegemonia do mundo pontocom, eu apontava aquilo como o início do fim. Para mim era claro que aquilo representava o esgotamento do modelo que chamavam de “pure play“. Para crescer, o mundo da Internet precisava de substância. Ninguém que eu conhecesse ou lesse, no entanto, achava isso. Paciência.

Achei que havia alguma coisa errada quando, numa visita aos escritórios da empresa, vi uma pilha de revistas Você S.A. e quase nenhuma publicação técnica. Foi quando decifrei a charada que a gravata propunha: o menino estava brincando de ser executivo, e aquilo não podia acabar bem. Estava mais preocupado em ser e parecer um yuppie bem sucedido, como aqueles que via nas revistas e nos filmes, do que em fazer o negócio andar. Tinha subido na vida e, com o dinheiro que recebia, comprado um Chevette 1837 — ou algum ano parecido.

A partir dali dei àquilo a importância devida: pouca. Dei algumas sugestões, participei de algumas reuniões. Diziam que iam abrir uma filial no México e eu perguntava que bobagem era aquela; eu dizia que não existia negócio baseado puramente na Internet e ninguém me ouvia. Falavam em oferecer conteúdo e eu achava que o negócio da empresa era desenvolver processos.

Enquanto isso ninguém fazia o básico, o mínimo esperado, que era prestar um serviço pelo menos medíocre ao seu principal cliente. Aquilo, decididamente, não valia a pena o esforço; me afastei, porque tinha mais o que fazer.

Por acaso, um ano depois acabei voltando a me aproximar. E então vi que o rapaz fazia política de escritório melhor do que cuidava da sua empresa, e percebi um certo nível de boicote. Se eu acreditasse naquilo teria encarado a brincadeira; seria educativo ver como eu me saía. Mas não valia a pena. Eles continuavam falando muito e fazendo pouco, porque na verdade não sabiam nada.

Em pouco mais de um ano, a única receita real daquela empresa foi a venda do domínio e-pronto.com.br para o Banco do Brasil — por um preço muito alto, mas que poderia ser ainda maior se soubéssemos que estávamos vendendo para o BB. Um dos sócios (ou acionistas), depois de ver a campanha do BB estourar na TV alguns dias depois da venda, ficava repetindo que “é, a gente se fodeu e-pronto”.

Logo depois deixei a cidade e aquelas empresas. A última notícia que tive de tudo aquilo é que a sociedade anônima virou limitada e não pretende mais ser a alternativa high-tech à mega-sena. Se limita a prestar serviços para a empresa-mãe e finalmente dar lucro ao seu novo dono (aquele que fez o trocadilho com o e-pronto).

O ex-CEO, posto com delicadeza para fora, anda procurando o que fazer. Ano passado achei o currículo do moço na internet. Dois currículos, na verdade, com um ano de intervalo entre os dois. Entre as pretensões salariais estava uma exigência, mais curiosa que a insistência em stock options: ele concedia à empresa que o contratasse a possibilidade de escolha entre lhe oferecer estacionamento gratuito ou vale-transporte. E os dois currículos prometiam para o ano seguinte o ingresso numa universidade.

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