Diário de bordo V

Quase 24 horas socado em um hotel, esperando entregarem minha roupa e descobrindo que é possível, sim, pentear o cabelo com um garfo — o que transforma Didi Mocó em um gênio visionário –, enquanto tenta assistir a alguma coisa na TV, dá nisso.

Crítica cinematográfica a 2 Fast 2 Furious:

Tem uns carros na parada. Os sujeitos fazem pega. Aí eles apertam um botão e sai um fogo do escapamento e o carro dispara e eles ganham a corrida. Vrum vrum. Irado, velho.

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Assisti a um compacto de “Anos Rebeldes”, também. Vi na época, 1992, e não me impressionou nem um pouco. Achei fraco, na verdade, com uma ou outra exceção. Agora, revendo, alémde tudo isso ainda aparecem as falhas técnicas: bebê com fralda descartável, uma bolsa que aparece na mão da morta, e por aí vai.

Em compensação, Armação Ilimitada era realmente brilhante.

E vi Purple Rain, do artista que voltou a ser chamado de Prince. Que coisa bisonha é aquela eu não sei. E não falo só do filme, chato. São aquelas roupas. Aqueles penteados que faz todo mundo parecer o Duran Duran. Aquelas roupas que os hippies mais alucinados dos anos 60 teriam vergonha de usar. Aquela bateria. Principalmente aquela bateria.

***

Na van que me leva para o aeroporto vai um piloto da Varig. É provavelmente o carioca mais chato que eu já vi. Vai reclamando de um atraso do motorista até chegarmos. Fico calado que o problema não é meu; mas no final eu estou torcendo para que ele ganhe um esporro da direção da Varig, porque ele está isposto a criar um problema para o motorista, que não teve culpa. Tem gente que nasceu para encher o saco dos outros, e o tal piloto é uma delas.

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Quando passo a mochila pelo raio X, o sujeito me pergunta, provavelmente incomodado por só ver livros dentro dela:

“É papel que o senhor está levando aí?”

“Livros.”

“Abra, por favor”.

Eu abro. Ele olha, meio ressabiado, e diz que tudo bem. Fecho a mochila e não resisto:

“O senhor esqueceu a bomba no fundo da mochila”.

“Como é?”

“Nada, brincadeira.”

“Essa brincadeira pode fazer a Polícia Federal lhe revistar.”

“É, eu sei que nos Estados Unidos essa brincadeira dá problema.”

Ele, ofendido em sua honra de funcionário público:

“Não só lá. A fiscalização que tem lá, tem aqui também, tão rigorosa quanto eles.”

Eu, quase dobrando em direção à sala de embarque, preciso dar a última frase:

“É, mas lá eles são malucos, aqui não”.

E, cá comigo: “Só idiotas.”

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Na sala de embarque, portão I — separado dos outros por ser no térreo — a funcionária da OceanAir representa seu papel numa comédia com quatro espectadores. Recita o texto comum a todas as funcionárias que guardam o portão, com a gravidade que lhe é necessária. Nao interessa que os quatro passageiros olhem para ela com uma expressão de “por que o sistema e som? Só tem a gente aqui”. Não interessa que ela pudesse simplesmente dispensar tudo e comunicar o essencial aos passageiros. Ela tem o seu roteiro a seguir, e o faz com a dignidade de uma funcionária responsável, com a dignidade dos músicos do Titanic tocando enquanto o barco afunda.

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Enquanto outra van — não ando tanto de van desde que morava no Rio — me leva até o avião, eu tenho uma surpresa. O avião não é o tal Fokker 50, é um Brasília. Tudo bem. Aviões da Embraer me trazem lembranças curiosas, especificamente o Bandeirante; mas eu nunca andei em um Brasília, vai ser interessante.

As pessoas que gostam de aviões grandes, como o 737-300, não sabem o que é avião. Para que você possa falar com orgulho, é preciso ver a hélice rodando, ouvir o ronco alto dos motores.

Aviões pequenos têm ainda outra vantagem. É tudo tão perto, a hélice a menos de um metro de você, e então você faz parte do avião. É diferente varar uma nuvem em um jato e em um avião pequeno. Você realmente está lá, você sente o corpo do aviãobrigando com a resistência das gotículas de água. E as manobras feitas por um avião pequeno são outra coisa.

Eu tinha me arrependido de ter comprado essa passagem. Paguei mais caro em troca de uma hora a mais em Fortaleza, que acabou se tornando 24. Mas na primeira nuvem o arrependimento passou.

***

Eu nunca tinha visto uma aeromoça só em um avião. Elas sempre vêm em duplas, como notícias ruins. Mas o avião é pequeno, e ela está ali, sozinha. Meu bisavô dizia que aeromoça é uma copeira de luxo; e nunca, nunca essa sensação foi tão forte quanto ao ver a moça ali, preparando o gelo para as bebidas que iria servir dali a pouquinho. Solitária, sem companhia. É o grupo que as torna mais fortes; é a interação entre elas que lhes dá aquela aura de desbravadoras do ar da Pan Air. Sozinhas, são como andorinhas que não fazem verão. Sao só moças que servem as bebidas e reclamam se você está lendo com a bandeja abaixada enquanto o avião se prepara para pousar.

12 thoughts on “Diário de bordo V

  1. Eu tambem levei esporro quando inventei de tirar fotos na fila pra entrar de volta no Brasil da ultima vez. O mané da policia federal veio com uma de “imagina se eles te pegam fazendo isso aí lá fora?” Ah, mas lá fora tem uns avisozões grandões dizendo que nao pode usar camera. Aqui não diz nada. “Nao, é tratado internacional, em todos os aeroportos do mundo.”

    E eu, me sentindo o desatualizado em termos de tratados internacionais, calei a boca porque eu nao via a hora de sair daquele aeroporto.

  2. o menor aviao que peguei foi um monomotor da jersey air, que faria o vôo semanal entra a ilha de jersey e paris. ganha um brinde quem adivinhar o que minha familia foi fazer em jersey, mas não confirmo. tb só tinha uma aeromoça e pensei mais ou menos a mesma coisa: era uma coisinha triste e sozinha. aliás, foi esse avião da jersey air que, no meu eu já, eu disse que parei na pista. era inverno, eu queria ir a um museu na ilha que só abria um dia por semana e era no dia do avião – do único voo da semana! eu sai do hotel cedo, fui pro museu e ia encontrar a familia no aeroporto. quando chego lá, percebo que a minha maravilhosa familia tinha esquecido minha mala no hotel. como eu tinha a melhor lábia e o melhor ingles, fiquei tentando segurar o aviao de tudo quanto era jeito enquanto meu pai ia no hotel buscar a mala. imagina ficar mais uma semana naquela ilha! a outra meia duzia de passageiros me odiou, mas pegamos o aviao. e o atraso quase nos custou a conexao em paris.

    ufa, nunca fiz um comentario tao grande, tenho que contar essa historia num post, né? mas vc sabe, rafael, tudo pra nao trabalhar!

  3. tsk, tsk…
    o COROA vai se meter a comentar 2 fast…
    é “iradu, véi!” e não “irado, velho!” (sic)!
    e não sabe que “purple rain” é o ÚNICO filme que a gente deve assistir DE OLHOS FECHADOS!
    tsk, tsk 2…

  4. Tem um aviãozinho chamado Aeroboero que é uma gracinha. Ele é feito de lona e é usado para cursos de pilotagem. Quando o manicaca (aprendiz de piloto) consegue mantê-lo por trinta segundos em linha reta, é porque já aprendeu tudo o que tinha que aprender.
    Ciao.

  5. Uma vez, eu e o Guto estávamos no shopping e resolvemos fazer uma aventura: escolhemos o primeiro nome de filme que apareceu na nossa frente e compramos os bilhetes. O filme era “Velozes e Furiosos”. O primeiro, não a continuação. Sentados na fileira de trás havia um grupo de rapazes. Esses garotos garantiram nossa diversão, de tão empolgados que estavam com o filme. Foi muito engraçado.

    E aí vai minha complementação a sua crítica: a cada cena mais “emocionante” eles não diziam “irado, véi” (o Bia tem razão na correção). A expressão que eles usaram umas 200 vezes ao logo do filme foi “um abraço”. O herói fazia malabarismos com o carro? “Um abraço”. A mocinha gostosa aparecia em close? “Um abraço. Ah, e sua crítica deixou de lado um elemento imprescindível para a compreensão da obra cinematográfica: o neon embaixo dos carros. Bom, é isso. Um abraço. 😉

  6. São Paulo/Marília
    Como era o nome da empresa? Transpantanense? Alguma coisa assi. Bimotor, coisa fina. Parece um ônibus de asas.

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