Não mexam no meu lixo

O André Marmota republicou um post do André Kenji descendo a lenha nos desenhos animados dos anos 70 e 80. Quanto aos 80 eu poderia até concordar, mas seria uma visão subjetiva porque foi quando deixei de assistir a desenhos animados e porque eu, como faço questão de lembrar, detesto os anos 80.

O ponto de vista do Kenji vale como um ponto de vista de insider, o ponto de vista de quem olha para desenhos animados como mais que entretenimento. Um artista pode reclamar das limitações que uma época lhe traz. Quanto ao telespectador, eu não tenho tanta certeza.

Por exemplo, os anos 70 foram o inferno astral dos Estúdios Disney, e o auge da linha de montagem da Hanna-Barbera. Mas há uma coisa curiosa em tudo isso. O Kenji esqueceu que a maior parte dos desenhos a que assistíamos nos anos 70 tinham sido produzidos nos anos 60, alguns até mesmo nos anos 50 (Jambo e Ruivão, por exemplo, é de 1957; Dom Pixote do ano seguinte, e por aí vai. O Wingnut tem uma lista desses desenhos com os respectivos anos de produção); para falar a verdade, assistimos a muitos produzidos nos anos 40, como Tom e Jerry e Popeye. Assistíamos à Pantera Cor de Rosa, entre muitos outros. E eu, pessoalmente, conheço poucos desenhos tão brilhantes quanto Gerald McBoing Boing.

Por isso, quando resolvemos criticar os anos 70, é bom lembrar que uma coisa é a crítica americana e outra, totalmente diferente, a brasileira, que assistia a produtos mais antigos (por exemplo, a batmania é de 1966, mas eu assistia ao seriado do Batman 10, 11 anos depois). Ainda não era época de TV a cabo nem de internet, as coisas demoravam até chegar aqui. Claro que, em meio à parte boa, havia a banda podre, e a ela a crítica do André é pertinente. Havia muito lixo, sim. Mas quando vejo os desenhos da Cartoon Network não encontro muita diferença entre eles e o que eu via de relance nos anos 80. Talvez a arte esteja mais estilizada do que naquela época — e ainda assim não chega aos pés dos desvarios do fim dos anos 60, muitas vezes sendo pouco mais que um reparoveitamento daquela estética –, e certamente há tanta agressividade quando nos desenhos mais sádicos do Pica-Pau, mas no fundo é quase a mesma coisa. Sem falar nos desenhos simplesmente ruins.

Outra coisa: a nossa apreciação, por exemplo, das novas versões do Batman são condicionadas, em grande parte, pelo que assistimos quando crianças. E desenhos como Os Simpsons e O Crítico só foram possíveis porque essa geração que agora circunda os 30 anos cresceu vendo todo aquele “lixo” nos anos 70 e 80.

6 thoughts on “Não mexam no meu lixo

  1. A safra nova de desenhos eu considero boa. Se tiveram ou nao influencia do “lixo” da decada de 70/80 (eu falei lixo??), nao sei. Bob Esponja veio de um maluco ex-hippie biologo marinho, e Powerpuff Girls + Dexter’s Lab vieram de um foragido da ex-URSS. O ambiente definitivamente modifica as pessoas.

  2. Tenho um certo receio em criticar. As pessoas, assim como o modo de ver as coisas, mudam. Procuro sempre entender (com alguns insucessos) porque uma coisa me desagrada. Na Itália, a lógica funciona assim: no início da carreira: “O idiota que não sabe o que faz.” No meio da carreira: “o escroto de sempre.” No fim da carreira: “o grande mestre.”
    Ciao.

  3. os anos 90 representam para os desenhos o que os anos 70 representaram para o cinema: a inclusão do cinismo. nos desenhos fica beeeem melhor.

  4. Hoje em dia há redatores dos Simpsons que seriam mais novos que o Bart (se ele envelhecesse, teria 26 anos). Mas a inspiração dos criadores é dos anos 60 mesmo.

  5. Realmente, nos anos 90 trouxeram o cinismo para os desenhos animados, mas são mais volatados para o público adolescênte e adulto.
    Aqueles que assistimos nos anos 70, que bem lembrados eram dos anos 60, apresentavam uma mensagem mais “American Weif of life”, mas sem dúvida os Simpsons só existem porque antes deles vieram os Flinstones.
    Cada um é um espelho de sua época, para os “nostálgicos” como eu, ainda prefiro os mais antigos.

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