Os frutos do outono

Saímos do supermercado, eu e minha mãe, ao mesmo tempo que um velho e sua namorada.

Velho mesmo: seu andar era vacilante e encurvado, em contraste com a energia proletária da mulher que o acompanhava. Minha mãe fez um comentário horrorizado, algo sobre o velho ser explorado.

E eu não entendi, não entendi nada. Respondi que aquele era o meu sonho, chegar à velhice daquela forma. Não interessa o óbvio, que ela esteja com o velho por causa do dinheiro dele; por causa de sua beleza, de sua virilidade, da firmeza de suas carnes é que não poderia ser. O que interessa é que passando dos 70 anos ele tem alguém que lhe faz companhia, lhe dá um pouco de alegria. Ela serve aos seus interesses, e por sua vez recebe a sua parte. É quase um acordo comercial — desigual, talvez, mas justo –, e um dá ao outro o que pode dar. Ele não era explorado.

Foi o que eu disse à minha mãe. Tudo o que quero é chegar a essa idade, e chegar com capacidade para fazer um acordo desses. Eu só queria ter mais dinheiro e conseguir algo melhor, porque aquela era uma mulher feia e eu, bandeiriano, amo como as criancinhas.

***

Vi meu outro personagem pela primeira vez numa doceria aqui perto, sentado com a mulher cerca de 40 anos mais nova e o filho de seus 3, 4 anos.

Eu o conhecia, embora ele não se lembrasse de mim. Foi meu professor de história na quinta série, e era um bom professor: suas aulas falavam pouco de história, e acabavam sendo grandes conversas sobre conhecimentos gerais. Nunca tive muita intimidade, porque nunca fui de dar ousadia a professores, mas gostava de suas aulas, em meio àquela modorra de matemática, português e a parte mais chata da geografia.

Uns seis anos depois nossos caminhos se cruzaram mais uma vez, ele agora diretor de uma escola pública — uma daquelas escolas que o movimento estudantil considera fundamentais. Era o tempo das passeatas e das manifestações públicas, e puxei uma ou duas de lá; minha lembrança é de um diretor bastante cooperante e simpático, mas todo mundo colabora com a democracia quando há centenas de alunos meio selvagens gritando palavras de ordem à sua porta.

Olhando para ele deu para imaginar a sua história de vida. Se aproximando dos 60 anos, se separou de sua primeira mulher — ou talvez tenha apenas engravidado a namorada, e se divorciado e se casado com ela e tentado um recomeço tardio em sua vida.

Agora eu sempre o vejo nos finais de tarde, às vezes com a mulher, sempre com o filho, fazendo-lhe mimos, olhando para ele sempre com um sorriso meio bobo nos lábios. É um pai como poucos: carinhoso, atencioso. Deve ser melhor pai para esse menino temporão que para os outros que tenha tido.

A vida tem umas coisas engraçadas, e ela nunca pára de me espantar.

9 thoughts on “Os frutos do outono

  1. Nunca me espantei com isso. Meu pai tem idade pra ser meu avo. Eu que sou burro e casei cedo. Tenho um exemplo em casa e fui me amarrar assim de bobeira. hehehe

  2. Tô com a Cipy, não tenho vocação para enfermeira. Mas eu me sentiria muito insegura sendo velha com um marido muito mais novo. Acho que o Delta-T ideal é de 10 anos no máximo, para menos ou para mais.

    Ah, e minha avó paterna era 7 anos mais velha que meu avó. Morreu muitos anos depois dele.

  3. Um acordo… Talvez, seguinda a filosofia do Alex, acreditar que a moça esteja com você porque gosta de você seja uma boa alternativa, mas por não ser óbvia, pode ser um pouco difícil de tomar por verdade. Acho que isso me incomodaria um pouco, se fosse comigo. Um acordo um tanto estranho. Mas como homem gosta é de mulher, e de carne fresca, não sei se recusaria. De qualquer modo, ainda está longe disso. :p

    Abraço,
    Dael

  4. Minha bisavó tinha 31 anos quando se casou com meu bisavô que, na época, tinha 18. Ele morreu cedo e ela aos 96 anos de idade. Naquela época isso era visto como algo fora dos padrões. Anos e anos se passaram e acho que ainda é assim. Por mais que o mundo esteja se alterando rapidamente no sentido tecnológico, os tais valores ainda andam num ritmo de tartaruga ou, para ser mais exata, de lesma.

  5. Pô, Rafa… quer dizer que no futuro você vai me trocar por duas de 25?
    Se você for tão rico que um centavo a mais desequilibre a economia mundial, de repente eu saio com “algum” dessa… Algo a se pensar. 😛

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