Pelo fim da sociedade da informação

Em quase dois meses sem computador, eu perdi minha principal fonte de informações, a internet. Mais de 200 feeds RSS, vários jornais, várias revistas. De repente, tudo isso desapareceu.

Pode parecer uma tragédia. Mas eu só consegui aprender uma coisa: que tudo isso é absolutamente desnecessário.

Essa “sociedade da informação” é uma convenção. Alguém lhe oferece o máximo de informação disponível e você, em troca, passa a acreditar que realmente precisa dela.

Há pouco mais de dez anos, eu fiquei maravilhado com o mundo de informação a que a internet passava a dar acesso. Jornais que só eram encontrados em aeroportos ou pontos turísticos, com alguns dias de atraso, se tornavam imediatamente disponíveis. Revistas como a Atlantic Monthly disponibilizavam mais de 100 anos de arquivos, o que incluía inéditos de Mark Twain e contos de alguns dos maiores escritores americanos. Parecia um sonho.

Mas depois de dois meses sem ler nada disso, cheguei à conclusão de que ninguém precisa de tanta informação (Caetano Veloso, quando ainda pensava, percebeu isso há quarenta anos: “quem lê tanta notícia?”). Deixei de acompanhar o que acontecia no mundo, a não ser quando, zapeando pela TV, via uma manchete ou outra nos canais de notícias. Tecnicamente, e com exceção da entrevista de Lula a Pedro Bial, eu não sabia o que acontecia no mundo.

E mesmo as notícias que eu vi ou li não fizeram a mínima diferença.

As pessoas podem até gostar de saber o que acontece. Mas gostar é uma coisa, precisar é outra. Algumas pessoas, claro, realmente precisam de informação — mas ela é sempre restrita e, de preferência, não se encontra nas páginas dos jornais. Nesse último mês a minha ignorância a respeito do que jornais veiculavam não mudou nada no mundo, como era de se esperar, mas principalmente não mudou nada em minha vida.

A informação realmente relevante chega até as pessoas de uma forma ou outra. As pessoas que encontrei trocam informações, sim, mas nenhuma delas é dependente dessa nova tecnologia de informação. O que lhes interessa, mesmo, são notícias locais. A expectativa de A em relação à queda ou não da verticalização. Os últimos movimentos de B para conseguir uma coligação com C. Estão pouco se lixando para quando mineiros ficaram presos em algum cu de mundo. Não querem saber da última capa da Der Spiegel. Essas coisas não lhe interessam porque não mudam em nada as suas vidas.

Claro, há a ilusão de “conhecimento”. Efêmero, e geralmente um pobre substituto a informação mais permanente e, de certo modo, mais relevante. Uma revista a mais significa algumas páginas de Proust a menos, por exemplo; é uma troca que se faz em função de um benefício que, acredita-se, virá depois. O problema é que esse benefício não existe. A informação de que a maior parte das pessoas necessitam normalmente está ao seu lado, e geralmente chega a elas sem que seja necessário o recurso a esse bocado de ferramentas que lhe soterram de informação.

A arte abstrata moderna é uma convenção de faz-de-conta: eu digo que algo é arte e você acredita, apenas porque eu digo e porque combinamos isso previamente. O excesso de informação dos tempos atuais é uma variedade desse 171, e é por isso que a internet é uma obra de arte.

Fiz uma limpeza das boas nos meus feeds no Bloglines. Não preciso de quase nada daquilo. A informação realmente relevante para mim, hoje, está ali na janela, e amanhã vai fazer sol e eu vou para a praia.

17 thoughts on “Pelo fim da sociedade da informação

  1. Puxa, 200 feeds? Eu tento não passar muito de 50 ou 60, quando aumenta demais (tenho mania de ficar adicionando coisas novas) eu vou lá e faço algum corte radical.

    Bem, é claro que eu concordo inteiramente com o que você disse, e por isso deixei completamente de ver TV e de acessar sites de jornais. Se é pra acompanhar as atualidades, prefiro que elas sejam filtradas por alguns blogs estratégicos. Eles fazem um clipping informal do que é relevante.

  2. Como você é cabeça dura!
    Há anos atrás eu havia lhe dito isso e você me chamou de interiorana, faltando pouco me chamar de roceira…e agora tempos depois, por força das circunstâncias e absoluta falta de opção percebe que eu estava certa.
    Afinal, de que vale tanta informação global se nossa vidinha é tão concentrada?

  3. Exatamente. Talvez a gente faça uma barganha de vez em quando, trocando algumas páginas de Proust pra olhar mais uma vez as novidades na Wired. A esquizofrenia da “sociedade da informação” cresce junto com o vazio, o consumo, as pseudo-necessidades. Já tive momentos espaçados que fiquei sem internet na minha vida e esses foram momentos interessantes, de pausa das torrentes palávricas virtuais pra olhar a janela e ver o céu nublado e achar tudo com um gosto bom, e ler mais Proust. Risos.

    Abraço, ótima reflexão!

  4. Lembra daquela conversa sobre o personagem do “Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas” que você não leu (e que eu aconselhei não ler)?
    Essa é a filosofia dele e o que temos em comum.

  5. Marx falou da “idiotia rural”. Alguém ainda terá que falar da “idiotia internética”.

    A internet é, para começar um “time sink”. Mas dizem por aí que ela realmente causa problemas de atenção (isso na verdade começou no Windows multitasking e só foi piorando).

    Meu palpite é que as pessoas que conseguem organizar melhor seus focos de atenção múltipla começarão a ganhar vantagem e, se a internet durar mais alguns séculos, no futuro seremos todos levemente esquizóides, e as múltiplas personalidades serão a regra.

    (Pensando melhor, acho que múltiplas personalidades já são a regra na Internet)

  6. Tche, eu li no feed do Psychology Today que isso que você está passando pode ser contagioso. Há alguns meses, vi um blogueiro com os mesmos sintomas e agora suas cinzas estão espalhadas em vários pontos do Atlântico Sul. Mas, desculpe a baboseira, tenho que parar este comentário prematuramente porque minha paciente que estava atrasada chegou. Abraços de quem há muito dista da sociedade da informação.
    Sopa de Gaivota para nós!

  7. Eu também li recentemente um estudo que discorre sobre os desvios de atenção e concentração causados pelo excesso de informação que temos hoje em dia. Interessantíssimo.

    Nunca priorizar foi tão crucial. O problema é o conceito individual de “prioridade” …

  8. Meu caro, por causa desse excesso de informação e de Tecnologia da Informação é que eu fugi pra fotografia.
    Palavra de Analista de Sistemas. É muita virgula pra pouca palavra, É muito ponto-e-vírgula pra pouco parágrafo.
    Boa higiene mental pra vc. A praia é bem melhor.
    Abração.

  9. Eu já tive 800 feeds no Bloglines. Abandonei tudo. Hoje uso TailRank (que é excelente, depois que você entende como usar) com uns 50, no máximo 60 feeds. Passo no Reddit uma vez por dia e vejo o que há de mais interessante, e só. É tudo que preciso.

    E como foi bom ter parado de blogar. Eu parei de blogar, mas não parei de escrever. Quando quero escrever algo, dá pra fazê-lo com mais calma, perfeccionismo, ponderação, sem aquele desespero de terminar logo para postar no blog (você sente que precisa manter a audiência). Além disso, um blog te incentiva a escrever por escrever (“hoje eu vou postar alguma coisa”), e não quando realmente tem algo a dizer.

    Ao me eximir da responsabilidade de produzir conteúdo, passei a usar mais tempo consumindo conteúdo, e refinando e limitando o meu gosto pelo tipo de conteúdo que absorvo. Se eu fosse voltar a blogar agora, acho que faria no máximo 5, 6 posts por mês.

    Não estou dizendo que blogs são ruins por isso. Acho que meu blog era bom, tinha um número significante de leitores (350 assinantes só no Bloglines e mais de 1000 no total), e estou certo de que eu sempre fazia valer o tempo gasto deles, mesmo que não tão regularmente.

    Mas blogs poderiam ser melhores se todos tivessem essa sudden realization que você teve sobre o que é informação relevante ou não. Seu blog já é ótimo, mas claro, sem querer puxar o saco, tá fora dos padrões (você, Inagaki, Biajoni, Castro, Soares Silva e tal). Mas agora acho que vai ficar ainda melhor. O que você consome altera o que você produz. É como comer aquela pizza baiana com pimenta e cebola e depois ficar com o cu ardendo.

  10. Pode deixar!! Quando algum vulcão entrar em erupção, eu venho lhe contar! (rs*)

    Algumas coisas não acrescentam em nada em nossa vida! Já vi uma pessoa falando que para render seu tempo não vê tv e nem lê jornais. Afinal, a notícia impressa já está velha a um bocado de horas.
    Beijus

  11. Para desistir de blogar basta ler esta página.
    Eu creio que em breve eu passarei por isso, embora ainda tenha um pouco de fé (que idiota eu!?!!) que a mídia está mudando. E que a internet tem a ver com isso.
    Acho também que quem gosta de política não pode ficar sem internet.
    resumindo: ainda estou em fases que você já deve ter passado…

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