Por que Batman Begins é ruim e "Ano I" não é lá essas coisas

Todos os elogios do mundo jamais vão me convencer de que Batman Begins é um bom filme. Do mesmo jeito que toda a babação (alô, Gabi) não conseguirá mudar a minha idéia de que “Ano I” é apenas mais uma história do Batman, daquelas que poderiam aparecer em qualquer revista regular.

“Ano I”, para começar. Escrito por Frank Miller, uma das lendas do mundo dos quadrinhos. A obra fundamental de Miller com o Batman é “O Cavaleiro das Trevas”, que ele emporcalharia uns 15 anos depois ao escrever uma continuação abaixo de qualquer nível de ridículo. Aquela minissérie ajudou a reconstruir o Batman, e representou um passo à frente na indústria dos quadrinhos. A partir dali, seria impossível deixar de ver o Batman como um maluco sob controle.

A reconstrução do personagem, no entanto, não é obra exclusiva de Miller, como às vezes parece ao pessoal mais novo. Começou mais de 15 anos antes, com Denny O’Neill e Neal Adams. Foram eles quem retomaram o espírito sombrio do “cruzado de capa” no início dos anos 70, ressaltando o aspecto detetivesco do personagem. Se a alguém cabem os méritos de uma reconstrução do Batman, é a esses dois sujeitos.

Mas a versão de vez em quando se sobrepõe aos fatos. Dizem que foi o seriado dos ano 60, com Adam West e Burt Ward, que destruiu o Batman. Bobagem. O Batman já vinha sendo triturado desde os anos 50. Pode-se, na verdade, datar o início de sua decadência no momento em que decidiram lhe dar um sidekick vestido como uma drag queen pré-adolescente enlouquecida; mas foi nos anos 50 que ele chegou ao seu ponto mais baixo, representado como uma celebridade em Gotham City com direito a fã clube no centro da cidade, aonde ia em plena luz do dia, como estrela de cinema. O seriado dos anos 60, na verdade, salvou um personagem que estava praticamente morto.

Por tudo isso, o verdadeiro mérito de “O Cavaleiro das Trevas” não foi o resgate, e sim levar o Batman além, pintando-o como um psicopata obsessivo sempre caminhando em uma corda bamba entre a normalidade e a loucura pura.

“O Cavaleiro das Trevas” estabeleceu a história do Batman a partir dali. Forneceu aos leitores a justificativa para matar o segundo Robin, Jason Todd, e consolidou o Batman borderline que ninguém tinha tido coragem mostrar até então. Virtualmente todas as histórias do Batman, a partir dali, devem a alma a essa minissérie. Foi ela que disse o indizível, que demonostrou, de maneira clara, a loucura esquizóide de Bruce Wayne.

O mérito de “Ano I” é, unicamente, estar inserido nesse contexto admirável. Aquela foi uma época fenomenal para super-heróis de quadrinhos, mas principalmente para o Batman. “O Cavaleiro das Trevas” gerou filhos interessantes: “A Piada Mortal” é muito boa ao contar a origem do Coringa e o fim da Batgirl, mas é genial quando, em sua última página, define para sempre a natureza do relacionamento entre o Batman e o Coringa. “Asilo Arkham” é um delírio artístico deslumbrante, provavelmente o mais próximo que as histórias do Batman já estiveram perto da arte; e histórias que se seguiram, como “Messias” e várias outras, mantiveram alta a qualidade das histórias.

Entre elas, “Ano I” é apenas a sedimentação de um processo antigo. Fora recontar a história do Batman com aquela atmosfera mais densa, e que é pouco mais que a atualização de uma história velha ao pathos de um novo tempo, algo que aliás já vinha do início dos anos 70, “Ano I” não traz nenhuma novidade real. Com exceção de alguns elementos que seriam desconsiderados logo depois, como a Mulher Gato posando de dominatrix lésbica e um filho do comissário Gordon que, por piedade, os roteiristas seguintes preferiram ignorar. É o tipo de história que cabe perfeitamente nas revistas regulares. A única razão para que “Ano I” seja idolatrada da forma que é só pode ser a assinatura de Frank Miller — assim como apenas a mística de Steve Jobs justifica o fato de as pessoas acharem bonita aquela aberração laranja que foi o primeiro iBook.

Batman Begins está mais ou menos na mesma situação. Sejamos francos: se fosse o primeiro filme do Batman a recepção dificilmente seria tão calorosa. É possível adivinhar as reclamações dos fãs: as alterações de personagens como Henri Ducard, a inclusão de nulidades como o personagem de Katie Holmes (heresia: todos sabemos que o Batman está se guardando para quando o Robin completar 18 anos). Se os filmes dirigidos por Tim Burton e Joel Schumacher não fossem tão ruins, Batman Begins seria tomado exatamente pelo que é: um filme medíocre, um blockbuster qualquer, que perde feio em qualquer comparação com os Homens-Aranha da vida e que não poderia sequer ser citado na mesma frase que Sin City.

Batman Begins teve uma falta de sorte absurda. Foi lançado no mesmo ano que o filme que demonstrou, para sempre, que cinema pode ser uma cópia fiel e ao mesmo tempo muito melhor que originais em quadrinhos. Depois de Sin City — provavelmente o melhor filme do ano passado, a atualização mais perfeita que o film noir podia ter e também a mais perfeita adaptação de quadrinhos –, não há mais desculpas para quaisquer filmes baseados em histórias em quadrinhos.

Não vi muitos comentários sobre esse aspecto, mas é curioso que Batman Begins tenha por base uma grande história do Batman, Blind Justice, publicada aqui na “Batman Anual I”, no início dos anos 90. Essa história, escrita por Sam Hamm, roteirista do primeiro “Batman” de Tim Burton, explorava a formação de Bruce Wayne e introduzia novos personagens, como Henri Ducard. É uma excelente história, daquelas fundamentais para a construção da mitologia de um personagem. Mas Batman Begins não aproveita isso. Ao contrário, pega uma base muito boa e a dilui nos clichês típicos dos filmes de ação.

O filme toma quase tantas liberdades em relação ao Batman quanto o primeiro filme. Repete a aura sombria que caracteriza o personagem, mas esse é um mérito que pertence antes a Tim Burton; cabia a Christopher Nolan apenas não ser burro o bastante para esculhambar isso. Além disso, o Batman dos quadrinhos é um detetive e um atleta. Dick Giordano cantou a pedra: o que o fascinava no Batman era o fato de que teoricamente ele, com esforço e dinheiro, poderia se tornar um Batman, ao passo que para ser o Super-Homem ele precisaria nascer em Krypton. Mas o Batman dos filmes renega essa dimensão humana e continua sendo um Robocop metido a mau, em um batmóvel que seria adequado apenas a “O Cavaleiro das Trevas”. “Homem-Aranha” mostrou que um uniforme de super-herói não precisa ser uma aberração de espuma; mas Nolan preferiu repetir o mesmo erro de Tim Burton.

Sem falar nos aspecto puramente cinematográficos. Toda a construção do filme é um amontoado de clichês. A seqüência de “aprendizado” do Batman levando porrada no gelo não deixa nada a dever a Karate Kid; a cena do trem é demente, clichê bobo usado, provavelmente, para não fazer tão feio diante de “Homem Aranha 2”.

A diferença entre os dois filmes está toda nessa cena. A do Aranha funciona. A do Batman, não.

18 thoughts on “Por que Batman Begins é ruim e "Ano I" não é lá essas coisas

  1. Menos Rafael, menos…
    É uma excelente adaptação, lógico que perde se comparada ao segundo filme do aranha. Mas o Batman é aquele. E o Bruce Wayne é aquele.

  2. Hunf

    Tô numa lan house, sem tempo, vou arrancar os “dentes do cisne” daqui a pouco e leio uma coisa dessas…

    Meu contra-argumento será “malígrino”…espere e lerás…

    Te amo… Sorry por estar borocoxô ontem ehhe

  3. O jornalista mineiro Silvio Ribas lançou o livro “Dicionário do morcego” em Setembro do ano passado. Pra quem gosta do moceguinho é uma boa pedida.
    Hollywood está tirando a essência dos heróis. O próximo Batman está tão violento, que as crianças terão que ir acompanhadas de um responsável ao cinema.
    Beijus

  4. Quem tem mais de 30 anos sabe que o Batman não é aquele e o Bruce Wayne perdeu o brilho (como muitas outras coisas refilmadas, remontadas, relançadas ou detonadas{como no caso} dos anos 60/70.)
    Batman Begins não é ruim. É uma perda de tempo.

  5. me faz lembrar que tenho as duas obras em casa, “cavaleiro das trevas” e “ano um” e a primeira eu releio ao menos três vezes por ano, ao passo em a segunda possui uma camada enorme de poeira.

  6. Rapaz, o grande problema do cinema é esse negócio atual de “humanizar” tudo. O Batman não é humano! Ok, o cara tem 23 pares de cromossomos, essa coisa toda de pessoas normais, mas é um mestre em todas as artes marciais conhecidas, manja de ciências como pouca gente no planeta, entende de economia, geografia, ecologia, geologia, química, bioquímica, biologia, anatomia, medicina… o cara é uma porra de um gênio com a força de um touro, a rapidez de um velocista olímpico e a agilidade de um punguista de rodoviária.

    Se for pra colocar no papel, tem mais poderes que o azulão.

    E não entendo por que o cinema não pode respeitar isso! Por que o Batman não pode ser absurdamente apelão nas telonas? Por que ele não pode ser um maníaco, obcecado com a morte dos pais, agressivo e avesso a qualquer tipo de envolvimento social, INCLUSIVE relacionamentos amorosos? Por que sempre precisa ter uma mulherzinha pra servir de grilo (grelo?) falante na cabeça dele?

    É triste. Os anos passam e passam, os quadrinhos evoluem mais e mais, e os cineastas ainda vêem películas baseadas em HQs como sendo filmes infantis, daqueles pra assistir com a família toda, domingo, no sofá da sala.

    Sifudê, esse povo!

    (pronto, passou)

  7. Batman ano 1 é ótimo…Quem diz o contrário, desculpe a sinceridade, não entende nada de quadrinhos…Frank Muller retrata a Gotham verdadeiramente podre, não com super-vilões, mas com traficantes, prostitutas, policiais corruptos e até pedofilia.

    __A narrativa sequencial é fantástica, com a chegada do comissário Gordon a cidade, um íntegro policial em meio ao valhacouto podre de corrupção política e policial…A dualidade de Bruce Wayne, sangrando até a morte, por não ter mais motivos para viver, simplesmente por ter-se achado fraco em sua primeira incursão como vigilante e ter sido gravemente ferido, econtrando no morcego, o pavor que aspirava impor nos inimigos e a redenção que lhe trouxe a sobrevivência.

    Batman Ano 1 tem tantos elementos fantásticos, com personagens tão densos e tão complexos, que não pode ser relegado a “mais uma história do Batman”…Acho que é um ponto de vista muito simplista…Batman ano 1 tem tanto de Will Eisner, que pulula de cinematografia…Sem dúvidas que é um petardo!

  8. Concordo em parte – com aquela que o Miller não foi o único responsável pela restruturação do Batman e outras coisas.

    Mas ANO I acho ser sim uma HQ acima da média. Não só pelo Batman, mas como pela Mulher-Gato PUTA – vai, o visú dominatrix era só pra brincar – e pelo Gordon – que tinha os melhores recordatórios do gibi.

    DK2 é bacana, é uma crítica a indústria de comics da década de 90. Mas eu entendo porque muita gente detesta, e nem vou ficar dizendo que sou o certo.

    Quanto ao Begins… é bom, mas podia ser melhor. Medíocre? Você não viu Elektra, né?

  9. Gostei da discussão. Enriquece qualquer análise. Obrigado, Luma, por ter citado o meu livro. Recomendo. S.

  10. Ano I foi uma forma de Sin City adaptada ao Batman e sua categoria infantilizada, pois afinal, fazer um Batman puro Sin City naquela época não liberaria a censura que a DC sempre conserva.

    Comparar com Cavaleiro das Trevas é algo complicado, porque Cavaleiro foi uma revolução para a época, há que contar que poucos eram os argumentistas capazes de desenhar e artefinalizar ao mesmo tempo.

    A decadência do Batman se deve grande parte ao fato da cronologia estar adaptada ao Universo DC, que é uma linha bagunçada de fazer um universo. A Marvel tem seus problemas, mas é muito mais hábil em resolver cronologias, enquanto a DC inventa megaeventos totalmente perdidos. Outro ponto na decadência está no fato de que é um personagem há muito tempo facilmente explorado pela mídia, pois é fácil de fazê-lo para o cinema.

    Sempre nos perguntavamos (eu e colegas fãs de quadrinhos) quando seria possível um filme do Aranha digno de tudo que este personagem poderia ter, na parte de lutas e efeitos. Somente há pouco foi possível, isto resguardou e muito o Aranha, apesar de que sairam também suas porcarias (desenhos e seriados antigos).

    Superman vai pelo mesmo caminho. Mas já vimos que tudo é possível quando um Estúdio quer fazer porcarias, como no caso de Electra e Mulher-Gato. Apesar da densidade, Demolidor ficou apenas mediano. Hulk é exageradamente digital, mas conservou o roteiro do seriado, a velha temática do pobre coitado Bruce.

    Tanto é que atualmente parece impossível fazer um filme sério do Batman com o Robin, com aquela roupa psicodélica e aquele jeito sessentão de ser. Veja o fracasso que ninguém cita, do Batman e Robin recente no cinema.

    Ano I pode não ser revolucionária, mas é uma saga de revista mensal de renome. Está inserida no contexto denso do Batman, mas não foi suficiente para tirá-lo da decadência.

    Smallville que diga o que pode ser feito de ruim para manter um público tosco que gosta do romance mexicano entre Clark e Lana.

  11. Esse (Jucca) é meu irmão.

    Não entendo nada de quadrinhos então mandei o link com seu post pra ele ver o que achava disso, ao invés dele me expicar vem aqui e comenta, ô xente.

    hehehe

  12. o problema é que as pessoas querem ver um filme do batman com efeitos visuais de um filme do homem aranha, batman é batman e pronto e com certeza batman begins é um otimo filme e mostrou até agora (comparado a outros filmes do morcego) o seu lado mais real. nao esperem um batman com super efeitos e cenas de combate cheia de piruetas e saltos pra chamarem de bom. gostem do batman como ele é e nao como gostariam que fossem, pra mim ainda é o melhor heroi ja criado com certeza.

  13. Quem assistiu o filme não percebeu quando Batman com seu batmovel sai batendo em tudo, e depois vira.
    Diz ai que foi que desvirou o pessado bat movel. o erro é grostesco. Muito ruim,muito longo confuso nota 10 para coringa,
    para o filme nota 3

  14. Acho meio irônico criticares tanto Batman quando na verdade ele é o super-herói que representa características humanas de rancor tão presentes nos teus comentários infelizes :B

  15. Isadora, como você é burra. Os comentários infelizes são ao filme, não ao personagem. O fato de ser rancoroso não importa nada, nesse caso. Leia o texto com atenção antes de tentar fazer uma graça na qual você não é muito boa.

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