Carlos Zéfiro e eu

Em 1981 um sujeito foi até a agência onde meu pai trabalhava.

Era ilustrador e tinha uns 50 anos, talvez mais. Sobraçava algumas peças e tinha carinho especial por um jornal ilustrado, ou algo parecido, que estava tentando lançar e cuja boneca trazia consigo. Talvez trouxesse outras coisas de que não me lembro. Eu dormia às 8 da noite, e já tinha dormido em algum canto quando ele chegou. Acordei umas duas horas depois.

Eu tinha 10 anos, e naquela noite aprendi muitas coisas. Uma de suas histórias era sobre um pracinha brasileiro que, na Itália da II Guerra, tinha um ataque de “paúra” — foi quando li a palavra pela primeira vez. A capa do seu jornal, no traço inconfundível que só o nanquim em bom papel dá, trazia um alferes Joaquim José da Silva Xavier jovem, bonito, barbeado. Ele explicou que a iconografia tradicional de Tiradentes era uma mistificação, que por ser alferes Tiradentes seria necessariamente enforcado com a barba feita, em respeito à honra e hierarquia militares. Sua barba, seus cabelos longos eram apenas a tentativa da história oficial de aproximá-lo de Cristo e criar um herói nacional de caráter semi-divino e inspirador.

Pelo que consigo lembrar dele, o sujeito era um grande desenhista, de traço acadêmico, mas extremamente sólido. Pertencia a uma geração em que o respeito à anatomia e ao desenho, ao detalhe, eram fundamentais; uma época em que artistas primeiro aprendiam a técnica para só então transcendê-la. Os que conseguiam se tornavam estrelas; os que não conseguiam se restringiam à batalha cotidiana.

Mais tarde foram comer algo num restaurante que ficava no térreo do edifício Sulacap, na praça Castro Alves. Àquela hora, madrugada avançada, eu estava em um novo mundo. E sempre aprendendo: ele falaria que tatu transmite lepra, coisa de que jamais esqueci.

Depois daquela noite eu nunca mais veria o aquele homem. Ele não conseguiu os freelances que queria, e eu só não esqueceria dele porque, afinal, tinha aprendido muito naquelas poucas horas.

10 anos depois, a Playboy trazia Ísis de Oliveira na capa e, no miolo, uma matéria revelando a identidade de Carlos Zéfiro. Era um funcionário público e co-autor de alguns sambas, como “A Flor e o Espinho”, chamado Alcides Caminha.

Ao furo de reportagem a Playboy juntava uma retranca, esta não tão interessante: um baiano tinha tentado aplicar um golpe na revista se dizendo passar por Carlos Zéfiro. Mas a revista foi avisada a tempo e revelou a fraude que tinham tentado lhe empurrar. O engraçado é que o sujeito tinha um traço infinitamente melhor que Carlos Zéfiro. Mas, infelizmente — embora tenha provavelmente desenhado algumas histórias pornográficas –, ele não era Zéfiro. Só queria algum dinheiro.

E minha mãe, ao ver o nome do sujeito, comentou comigo: “Você lembra dele, Rafael? Ele foi uma vez na agência, atrás do seu pai.”

Originalmente publicado em 19 de agosto de 2004

4 thoughts on “Carlos Zéfiro e eu

  1. Olá Rafael,

    Particularmente adoro Carlos Séfiro. Muito bom terminar uma noite lendo um texto desse. Cheguei aqui por indicação de um professora amiga minha. Voltarei com certeza. Abs

  2. Oi, Paulo!
    O amigo em questão sou eu!
    Mamãe veio de GOL. E não é que é a SEGUNDA vez que ela pega GOL e ao invés de barrinhas de cereais servem sanduiche???
    Ela veio dizendo: “não foi aquele pão velho ruim da TAM não… foi sanduiche bom!”.
    Putz… nunca me serviram sanduiche na GOL.

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