Arrufos

O casal de namorados chega à piscina, ela na frente, ele atrás. Calados, cabeças baixas, olhos duros. Ela se senta na borda, ele mergulha e vai para o outro lado, para a parte funda, e fica de costas para ela, queixo e braços apoiados na borda, dez metros de água azul entre eles.

Sentada, balançando os pés na água, ela olha para o namorado que lhe dá as costas ostensivamente. Ela funga algumas vezes, controlando o choro.

Imóvel, ele continua do outro lado da piscina, de costas para ela.

Fecho o livro e tiro o olho da minha filha e da minha sobrinha que brincam perto dela. Olho para os dois, ele imóvel, ela de cabeça baixa olhando para ele.

O que está em jogo agora é quem vai ceder primeiro, quem dará o passo para a reconciliação. Ele está apenas negociando sua rendição, vendendo mais caro a reconciliação em troca da mágoa que ela talvez lhe tenha causado. Mas continua imóvel, fingindo uma dor maior que a que sente.

Ela não agüenta muito tempo. Entra na piscina e vai até ele. Fica do seu lado, faz um carinho em sua cabeça, fala alguma coisa, beija seu ombro. Passa a mão em suas costas, sorri entre triste e acanhada, beija novamente seu ombro.

E então ele se rende, sabendo-se vencedor da pequena guerra sem importância, agora homem e feliz por seu blefe ter funcionado. Beija a namorada com carinho, com um olhar apaixonado e grato. Talvez, durante aqueles poucos minutos em que uma piscina representou a maior distância que pode separar um casal de namorados adolescentes, eles tenham julgado que tudo tinha acabado, e cada um desempenhou o seu papel com a maestria instintiva dos apaixonados.

Minha câmera está na minha mão, mas não tenho coragem de fotografar o casal. A beleza em tudo isso é justamente o fato de que, sem uma foto, essa pequena briga nunca existiu, e por isso se repete, dia após dia, casal após casal, e sempre tão igual.

Originalmente publicado em 10 de dezembro de 2004

10 thoughts on “Arrufos

  1. E no final das contas, não são só os adolescentes a brigar assim. Como a gente complica as coisas… (e o “gente” é genérico!).

  2. Lindo gesto, não fotografar. Por quê perpetuar um momento que com certeza as partes envolvidas terão o máximo interesse em esquecer? à menos que o seu papel fosse de detetive particular o que me parece não foi o caso.
    Grande abraço

  3. Pois é…o fato é que a comunicação é impossível, sempre atada a jogos muito complexos envolvendo espera e dúvidas.De qq forma, essa comunicação truncada é sempre chata.

  4. Li em algum canto “O amor acaba em manhãs silenciosas”. Bora aproveitar os momentos!!
    Bom fim de semana! Beijus

  5. Nossa, como gostei disso!
    Nenhuma fotografia, mesmo fruto de fotógrafo mais sensível, ilustraria este instante que você nos revela com a maestria da sua percepção e das suas palavras.
    Coisa boa de ler numa segunda tão comprida. Valeu mesmo!

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