O triste fim do amigão da vizinhança

Há algumas semanas dei uma olhada na última Amazing Tales e nas 43 primeiras Amazing Spider Man, reunidas nos dois primeiros volumes do The Essential Spider Man. São as primeiras histórias do Homem-Aranha. Eu as tinha lido há alguns anos, e agora, arrumando papéis antigos, parei para dar uma olhada.

Primeiro: é impressionante ver como a arte de Steve Ditko evoluiu, da Amazing Tales 15 à ASM 38, a última que desenhou. As primeiras histórias do Aranha tinham uma arte tosca; mas aos poucos, e de maneira consistente, Ditko adquiriu uma sofisticação no traço de fazer inveja a qualquer um.

A releitura serviu também para derrubar um mito. Durante anos tive a impressão falsa de que tinha sido o John Romita a modificar o Aranha, tornando-o mais musculoso, mais adequado ao arquétipo tradicional do super-herói em quadrinhos. Mas a mudança foi feita durante a era Ditko; na verdade já nos primeiros números da Amazing Spider Man. Foi uma mudança quase imediata. No fim das contas, foi Ditko quem definiu a aparência e o gestual do Aranha. Romita não acrescentou nada. Tinha um traço mais agradável, talvez, e certamente mais adequado ao que devia ser um super-herói; mas não inventou muita coisa, além de desenhar a Mary Jane e suavizar, brilhantemente, a imagem de Gwen Stacy, que adquiriu uma imagem de pureza angelical inexistente na mão de Ditko. Fora isso, basicamente Romita apenas adequou os personagens à segunda metade dos anos 60; a concepção visual de Ditko era, definitivamente, típica dos anos 50. Além disso, em sua melhor fase Romita dividiu a arte das histórias do Aranha com o melhor de todos os desenhistas de super-herói: John Buscema. De certa forma, Romita foi caudatário do talento absurdo de Buscema e caminhou por uma avenida bem pavimentada por Ditko.

Enquanto isso, salta aos olhos a modernidade dos desenhos de Ditko. Quer saber de onde Todd McFarlane tirou seu estilo? Basta dar uma olhada nas últimas histórias de Ditko. Independente de se gostar ou não da arte de McFarlane, o que importa é que Ditko fez tudo aquilo 30 anos antes.

Durante muito tempo, não entendi por que algumas poucas pessoas falavam tão bem de Steve Ditko. Eu não gostava do seu traço. E achava essas poucas loas injustas, ainda mais em uma década que viu desenhistas fundamentais como Jack Kirby, John Buscema e um de que pouca gente lembra, Jim Steranko. Eu, para variar, estava enganado.

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Um comentário antigo do Brigatti em um post antigo sobre o amigão da vizinhança:

Acho ingenuidade esse lance de achar que por ser um banana igual a todo adolescente, o Homem Aranha criou empatia. Ele podia APARENTEMENTE ser um adolescente comum, mas NÃO era. Ele nunca mais tomou porrada ou foi vítima de chacota dos valentões da escola depois de ter adquirido os superpoderes, por exemplo. Coisa que nenhum adolescente jamais terá o gostinho. O fato de ser um loser não cria essa tão propalada identificação. Acho forçação de barra, na boa.

O Briga tem razão, em parte. E além disso é engraçado perceber como Peter Parker mudou depois de saber que tinha os poderes de uma aranha. Em sua primeira história, é o CDF sem noção que vivia implorando para alguém sair com ele, sugerindo programas de, bem, CDF. Depois, consciente dos poderes que tem, ele passa a simplesmente esnobar os colegas. Afeta uma superioridade moral clara, já que não pode ostentar a física.

Mas há o outro lado, e é justamente o que fascina os adolescentes. É essa superioridade que sabemos existir, mas que não pode ser mostrada, que atrai os adolescentes. Porque Peter Parker é o tipo de sujeito que todos querem ser; adolescentes têm algo de romântico, de sonhar com poderes escondidos, de querer ser mais do que o mundo consegue perceber pela sua cara espinhenta e sua mão cabeluda. Uma certa vontade de poder ingênua. E é daí que vem a tal identificação. Não do mané, que mané ninguém quer ser — e mesmo os que são relutam em admitir. (Eu, por exemplo, não sou. Juro.) Os adolescentes se identificam é com o sujeito que sabe que é o bonzão mas que faz parecer, nobremente, que é um mané. É, no fundo, como todo adolescente gostaria de ser.

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Ver as histórias antigas do Aranha acabam reforçando a certeza de que a idéia de recontar a sua história como estão fazendo na Marvel Millenium é uma imbecilidade.

Eles reinventaram a história de Peter Parker. Alteraram fatos, mudaram até mesmo a personalidade de vários personagens. É pretensão demais achar que hoje podem oferecer uma solução melhor que a construída lentamente ao longo de quase 50 anos. E ainda que pudessem, é estupidez querer mudar uma história que vem sendo contada com sucesso há tantas décadas.

Continuo achando que tudo isso é perda de tempo. Em vez disso, poderiam aproveitar as lacunas existentes nas histórias originais e elaborar melhor a história do Aranha, respeitando a sua estrutura histórica.

Betty Brant é a maior dessas lacunas. Não foi apenas a primeira namorada de Peter Parker. É preciso lembrar que, enquanto Parker era um secundarista bobo, ela era uma mulher mais velha que morava sozinha e era financeiramente independente.

Por causa do código de ética dos quadrinhos, questões sexuais jamais eram abordadas nas revistinhas nos anos 60. Não havia sexo para Peter Parker, tadinho dele. A única aranha que o desgraçado via era aquela que o mordeu. Era uma vida de cachorro, a desse pobre Peter Parker: levar porrada do Duende Verde durante o dia e não poder sequer bolinar a namorada na varanda da casa dela à noite. Mas agora, quando tudo ficou mais permissivo, essa história poderia ser contada de maneiras absolutamente brilhantes. “A primeira noite de Peter Parker” é só a mais óbvia delas. Porque um relacionamento desses oferece tantas possibilidades dramáticas, principalmente para um personagem como Peter Parker, que beiram o infinito. Só Betty Brant daria material para centenas de histórias.

Eu certamente não sou o único a perceber as possibilidades absurdas que isso traz. Mas os roteiristas da Marvel não estão entre nós.

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Reler as revistas antigas ajuda também a perceber que, no que diz respeito às histórias atuais do Aranha, eles estão fazendo besteira atrás de besteira. Eu, pelo menos, trataria o Aranha de maneira bem diferente.

Primeiro mandaria a Mary Jane para o espaço. Nada contra a ruiva, que aliás tem uns peitos bem respeitáveis, mas casamento é um beco sem saída para super-heróis. Como disse alguém, o casamento envelheceu, automaticamente, Peter Parker. E isso é ruim. Revistas em quadrinhos são feitas para jovens. E jovens estão mais preocupados com namoros que com casamentos.

Portanto, eu destruiria uma família e arranjaria um divórcio para Parker. Seria a primeira coisa a fazer. Existem mil maneiras de se fazer um divórcio; eu inventaria uma. Complicada, dolorosa, que eu desconfio que Parker é um masoquista azarado. Deixaria a coitada da Mary Jane por perto, no entanto, porque ela poderia ser reaproveitada em vários outros momentos. Seria a versão rafaeliana daqueles finais de histórias em quadrinhos antigas, em que o vilão aparentemente morria mas não havia provas, e todos tinham a certeza de que ele voltaria. Por exemplo, um namoro já deu o que tinha que dar? Então faz-se Peter Parker sentir saudades de sua ex-esposa, e abre-se mais um período de confusão emocional.

Eu também aproveitaria melhor Liz Allen. Colega de escola de Peter Parker, foi apaixonada por ele — por Peter Parker, o nerd do secundário, não o sujeito razoavelmente enturmado da universidade — mas o mané não ligou. Depois desapareceu e reapareceu para ser mulher de Harry Osborn. Aí Osborn morreu e deixou viúva e um filho.

Liz Allen seria a namorada ideal para o Homem Aranha. Não só pela história dos dois, mas também por um detalhe que é a cereja em cima do sorvete: seu filho odeia o Homem-Aranha. Ou seja: é perfeito. Agora que praticamente até o sem-teto da rua 42 sabe que Peter Parker é o Homem-Aranha, seria bom ter alguém próximo de quem ele tivesse que esconder sua identidade.

Ou seja: há tantas coisas boas para se fazer com o o Homem-Aranha, que respeitariam a integridade do personagem e não eliminariam nenhuma possibilidade narrativa a longo prazo. Enquanto isso os bobos perdem tempo com Mary Jane. Deus do céu.

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Outro que poderia ser bem reaproveitado era o Flash Thompson. Aparentemente ele foi deixado de lado porque os autores não sabiam o que fazer nos anos 90 com um sujeito que lutou no Vietnã.

Mas ele poderia ter lutado no Iraque, ué. Ou simplesmente não se faria nenhuma alusão a especificamente uma guerra. Os EUA estão sempre metidos em uma, é fácil dizer apenas que Thompson é um veterano da última. Bush e seus diabinhos não se incomodariam em dar uma mãozinha sempre que necessário.

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Resumindo, reler as primeiras histórias do Homem-Aranha dão uma certeza: a de que ele pode ser muito bem aproveitado, mesmo às vésperas de completar 50 anos. Mas por alguma razão seus editores atuais não conseguem ver o óbvio, não conseguem voltar às raízes do personagem para descobrir novos caminhos. Por isso enveredam por atalhos que, no fim, se revelam becos sem saída.

Stan Lee faz uma falta danada.

7 thoughts on “O triste fim do amigão da vizinhança

  1. se faz ..
    desses desenhistas todos q vc cita .. não conheço, mas stan lee so não conhece quem mora em marte ..
    deixei de ler os herois ..
    desde q o tal apocalipse “matou” o super homem, e parker tem um irmao gemeo (ou clone), realmente ficou dificil seguir hqs de herois ..
    assim, turma da monica, tex (otimo, e daria um bom filme (longe de hollywood, claro), e as tirinhas do trio glauco-larte-angeli ainda são oq me motiva a ler quadrinhos
    ah .. asterix é sensacional, mas alem de ter so aqueles “gibis”, ainda é caaaaro …
    abrassss

  2. O Peter Parker é mesmo a vingança dos adolescentes ferrados na escola….rs
    Não é um dos personagens que mais gosto, mas um bom texto sobre hq é sempre gostoso de ler.

  3. Os quadrinhos entraram num problema que poucos selos conseguiram resolver: o tempo. Algumas cagaram bem como a DC com aquela porcaria de Zero Hora… A Marvel conseguiu algumas soluções para a passagem do tempo para os heróis que surguram nos anos 50, 60, 70… Mas eu acho que é complicado. Inteligente foi o Angeli.
    Matou a Rebordosa. Lamentei… mas foi bom.

  4. não sei se vc tb tem, mas tenho muitas revistas antigas do homem aranha(década de 80) e, diante do fato de não valerem nada em trocas nos sebos de Curitiba e ocuparem um espaço saturado, quero me livrar delas. te interessa?
    lendo os coments acima, qual hq ainda faz falta nos cinemas? homem de ferro (trilha de abertura óbvia do Black Sabbath), Thor (idem Manowar…:P), Namor, Surfista Prateado???
    abçs,
    Manoel

  5. Os editores da Marvel fizeram tanta besteira nos últimos anos, que já perdi a conta.

    O Homem-Aranha sempre foi meu personagem preferido, mas a saga do clone realmente foi de matar, e a “ressurreição” de Norman Osborne, a gota d’água.

  6. Caro Rafael!
    Pô, fiquei feliz com esse post, pois achei que só euzinha tinha idéias diferentes para os super-heróis.Com o Homem-Aranha não tô nem aí… meu sonho era matar a Lois Lane (uma autêntica songamonga) e arrumar uma namorada bem doida p/ ele.

    Vc é muito bom!

    Beijos!

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