Os anos 90 vêm aí

Terça-feira e eu vou para o cinema com uma missão apenas aparentemente simples: escolher o filme mais bobo em cartaz, apenas para clarear a cabeça — acompanhado de uma senhora que tinha acabado de me mostrar que, com dois pauzinhos na mão e algum sushi diante dos olhos, se transforma na Madame Mãos-de-Tesoura e deixa o Johnny Depp se achando um mero alicate de unhas.

O filme escolhido, de acordo com esses critérios claros mas de difícil realização, foi “Apenas Amigos”, comédia romântica com uma moça que lembra muito a Michelle Pfeiffer quando ela ainda era novinha.

O filme é uma porcaria e, apesar das risadas eventuais, não merece um comentário. Portanto, foi ideal para aquilo a que eu me propunha: sair do cinema dizendo “oba, não pensei por hora e meia”.

Mas uma coisa me impressionou nele, e enquanto escrevo isto um calafrio percorre minha espinha, porque adivinho uma tragédia que já vi antes se desenrolar novamente diante dos meus olhos.

O filme tem início em 1995.

E então está começando, gabriel tocou sua trombeta. Eu, que ainda não consegui superar o revival dos anos 80 que me fazia ter pesadelos ao som do Menudo em que era perseguido por pares de calças jeans verdes e espancado por tênis quadriculados com cadarços rosa-choque enquanto o Ritchie gargalhava de maneira inequivocamente maníaca, agora me vejo às voltas com os princípios de um nova ressurreição. A dos anos 90, década que não parecia sequer ter acabado. Os anos 90 foram ontem. Mas eles morreram, foram enterrados por Osama bin Laden, e aqueles que cresceram nele se preparam para, como todas as outras gerações antes dela, contar as mentiras de sempre sobre aqueles anos tão dourados.

Foi um começo tímido e incompetente, como costumam ser os começos daquelas grandes ondas — quem levou a sério Ike Turner quando ele gravou Rocket 88? –, mas para alguém que ainda hoje pula assustado e tem convulsões aos primeiros acordes de Jump, do Van Halen, enquanto imagina Dave Lee Roth babando no microfone, os sinais são inequívocos. E aterrorizantes.

Os anos 90 vêm aí.

Vêm com festas ao som do Greenday, com “Almanaques dos Anos 90” contando que Kurt Cobain esbagaçou a própria cabeça e que no dia, sei lá, 12 de março de 1997 o mundo dançava ao som do Hanson e o Brasil batizava suas filhas com o nome da minhoca contorcionista, a Thalia. As pessoas vão lembrar como eram boas aquelas novelas mexicanas, Maria Mercedez, Maria do Bairro, Maria da Casa do Caralho. Os anos 90 vêm com adolescentes vestindo preto e tentando ser tristes no verão brasileiro. Como todas as retomadas, essa virá com o reaproveitamento do que a década teve de pior.

Eu gostei tanto dos anos 90. Foram tão bons. A música melhorou, um mundo novo apareceu com o computador e as redes. O futuro era brilhante, e alguém mais otimista poderia dizer que depois do que havia começado ali nunca mais teríamos que voltar os olhos para trás, em busca de uma visão rósea do que teria sido o nosso passado. Recém-adultos mentirão para si próprios e tentarão se convencer de que a sua adolescência não foi tão ruim; pior, tentarão se convencer de que têm uma longa história para contar.

Os anos 80 voltaram ao cinema com Grosse Pointe Black. Era um filme melhor que “Apenas Amigos”. E se a qualidade de suas inaugurações significa alguma coisa, os próximos dez anos de revival dos fabulosos anos 90 serão absolutamente, completamente, desgraçadamente deprimentes.

Originalmente publicado em 21 de junho de 2006

4 thoughts on “Os anos 90 vêm aí

  1. Não achava que teu tipo de gente ainda existia.
    Que pena que a evolução às vezes anda pra trás.

  2. Inveja, muita inveja. Você come sushi sem culpa, eu mato por um e não como para não engordar…INVEJA RAFA!

  3. Nossa! Acho q vc esta tendo uma visão do mundo mais negro, do que os adolescentes que saem de preto no verão… E vc esqueceu de Marimar, era mais legal q as outras Marias, ela ficou rica e humilhou o homem q amava… é uma perspectica diferente.

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