O inimigo do meu inimigo

A idéia foi do Idelber. E é um meme curioso, que deu vontade de escrever. Então lá vamos nós.

1 – Proselitismo ateu me incomoda, porque me parece uma contradição em termos. Talvez porque no meu meio específico seja mais fácil ser ateu do que crente. E embora eu não seja ateu, para mim seria mais fácil explicar o mundo como a conseqüência de necessidade atômica de estabilidade do que como a obra consciente de um velho de barbas brancas ou uma tal “força cósmica superior”.

Mas quando vejo religiosos repetindo como verdade e novidade as mesmas bobagens que falam há milênios, quando me pedem para crer no Santo Cabaço de Maria, falseando a história e pregando a ignorância e o obscurantismo, uns pervertidos fanáticos movidos pela força interior que apenas a desistência de pensar pode dar, tenho vontade de colocar no meu carro um adesivo bem grande: “Deus inventou o Universo. Mas quem inventou Deus?”.

2 – Tenho todas as críticas do mundo a Windows. O bichinho tem problemas estruturais. Tem um sistema de ativação que enche o saco de qualquer pessoa. É chamariz para virii e dá paus indesejáveis com certa regularidade. E é caro.

Mas quando vejo os fanáticos do Mac e do Linux pregando contra a Microsoft, o Grande Satã, eu me incomodo. Porque se em vez de empreender uma jihad anti-Microsoft o pessoal do Linux se empenhasse em construir um sistema operacional realmente útil e amigável, teríamos uma boa alternativa para o usuário comum às janelas de tio Bill, em vez de um sistema operacional que aparentemente só presta para servidores. E porque, no caso da Apple, um bando de bocós se apaixona por seus computadores (que só são realmente melhores que um PC para editar imagens e vídeo) como se fossem mulheres, e defendem um sistema caro e elitista só porque os computadores são incomparavelmente lindos (mesmo quando não passam muito de calculadoras avantajadas, como o MacBook Air). Nessas horas eu tenho vontade de perguntar por que, afinal, tanto o Linux como a Apple ocupam fatias insignificantes no mercado de computadores domésticos, e de entoar canções de amor ao Office e seus arquivos .docx.

3 – Tenho várias críticas ao kinemanacional. Não concordo com as louvações excessivas que fazem, por exemplo, a filmes como “Cidade de Deus”, que tem defeitos sérios como a locução em off, absolutamente amadora, e algumas situações e soluções fáceis de roteiro. Não entendo quando falam da denúncia da criminalidade quando essa quase sempre foi a base do cinema carioca e com filmes excelentes como “Mineirinho Vivo ou Morto” e “Assalto ao Trem Pagador”. Também acho que há uma certa leniência e oportunismo em produtores de cinema, uma grande tendência a mamar nos peitos flácidos da puta velha chamada República. Gente que, como o Cacá Diegues, gosta do dinheiro do povo mas não gosta da idéia de devolver, como no caso daquelas contrapartidas sociais.

Mas quando vejo as críticas feitas ao financiamento público do cinema, geralmente profissões de fé no Libérrimo Mercado — profissões de má fé, talvez seja melhor dizer — eu fico com vontade de assistir a “O Magnata”, o filme do Chorão.

14 thoughts on “O inimigo do meu inimigo

  1. Galvão:

    Em minha opinião, tudo que você fala neste post é absolutamente correto; seja no que tange a religião, seja sobre os fundamentalistas da informática. Não há como discordar do seu texto. Faço uma pequena ressalva ao filme CIDADE DE DEUS, que apesar de eu ter achado a locução em off a coisa mais desconfortável do filme, não pelos motivos que você cita, mas por achar a voz falsa, nos lembrando que estamos vendo um filme nacional. No restante, o filme Cidade de Deus não tem comparação com nada feito até hoje em termos de cinema no Brasil. O Assalto ao Trem Pagador é realmente muito bom, porém, tem muito mais defeitos que Cidade de Deus, a começar pelo jeito maniqueísta de encarar a pobreza como justificava para marginalidade. Neste quesito, em especial, o Cidade de Deus é muito mais honesto. O Assalto ao Trem Pagador, se assisti-lo com cuidado, verá o inicio do fim do cinema brasileiro Daí pra frente vamos ter o cinema novo, genial mas indigesto, a pornochanchada que dispensa comentário, apesar de as vezes ser engraçada, e … vinte e poucos anos depois, o redentor, CIDADE DE DEUS.

  2. Boa, Biajoni. Eu também “aprendi” que locução em off era um “defeito” e discriminei vários filmes por isso até “desenvolver” minha própria opinião…

    Sem discordar do fato que pode ser um recurso simplificador, a locução também pode elevar um filme.

    Exemplo: “Little Children” tem uma narração feita pelo Will Lyman (o locutor do “Frontline”, da PBS americana) que “editorializa” o filme — consegue ser hilária e reveladora ao mesmo tempo.

  3. O dia que algo não te incomodar você não será mais o Rafa. É isso que eu adoro em você…seu senso crítico e chato de encontrar defeitos nas coisas que não fazem diferença.

  4. …eu clico nessa porra de “Lembrar seus dados?” e sempre tenho que digitar tudo de novo…vai tomar no cú hospedeiro do Rafael…!
    Agora falando sério (como disse o Chico, num momento de profunda inspiração!):
    …perfeito, é o adjetivo!
    Abraços.

  5. Caro Rafael Galvão,

    Fui ao Biscoito Fino fazer uma listinha dessas, e cheguei lá havia um link para seu post. Os assuntos são os mesmos que eu ia falar! Como curiosidade, colo aqui minha lista.
    “- Sou ateu desde criancinha. Porém, quando vejo esse pessoal dos “movimentos ateus”, que lêem Richard Dawkins e saem descatequisando o mundo, tentando vencer a fé dos outros pela lógica, dá vontade de rezar um terço.

    – A qualidade média do cinema nacional é bem medíocre. Acho que não podemos nem falar em “cinema nacional”, apenas em alguns poucos bons cineastas perdidos num mar de filmes fraquíssimos que não chegam a formar uma identidade, como o cinema argentino recente tem. Mas quando alguém vem me dizer que não assiste filmes nacionais só porque eles são nacionais, que brasileiro faz filme ruim porque não tem dinheiro, que filme bom é filme americano porque filme americano é caro, sem jamais ter VISTO sequer UM mísero filme da retomada, dá vontade de defender até filme da Xuxa.

    -Uso Mac pelo trabalho – filme e imagens -, gosto do sistema operacional, mas não sou assim casado com a Apple. As máquinas são caras demais, eles colocam os chinesinhos para trabalhar de graça e poluem o meio-ambiente. Porém, quando falam mal da Apple por que as máquinas são bonitinhas, que computador de macho tem que ser uma caixa bege em cima da mesa e um monte de fio atrás, dá vontade de defender até o iMac Cubo, aquele mico.

    -Odeio a VEJA, mas quando… bem… Putz, esse aqui não tem jeito. Deixa assim mesmo.”

    Um abraço

  6. Comentando (1-)
    Não considero ateísmo como prosélito. Mas me incomoda a forma diligente ofensiva de certas pessoas. Não me considero uma boa cristã, mas não sendo das piores, tento defender a religiosidade, onde acredito ser a mulher criada da costela do homem.
    Concordo que seria mais fácil explicar “…o mundo como a conseqüência de necessidade atômica de estabilidade …”, pois são tantos fragmentos na história que é complicado entender. E até hoje me perguntou aonde eu enfio os dinossauros?!

  7. tbm vejo pobrema algum em locução off
    trainspotting q eu acho ótema, é assim … sem falar em outros vários
    nao vejo mesmo como vício
    sem falar que literatura em geral é seeempre assim
    oras

  8. O problema do velho ateismo é que ele procurava ser a antítese da crença, ou seja, outra crença. Mas o ateismo moderno não padece mais desses males.

    E o Linux também não, pelo menos algumas distribuições, eu uso o Kurumin 7 e o Ubuntu, mais fáceis que o Windows.

  9. Ótimas colocações, com as quais concordo. E embora não seja um especialista no cinema nacional, acho que, em muitos casos, ele é supervalorizado, com os filmes não sendo, realmente, o que dizem deles.

  10. “Porque se em vez de empreender uma jihad anti-Microsoft o pessoal do Linux se empenhasse em construir um sistema operacional realmente útil e amigável, teríamos uma boa alternativa para o usuário comum às janelas de tio Bill, em vez de um sistema operacional que aparentemente só presta para servidores.”

    Aparentemente mesmo, faça uma tentativa com o Ubuntu, uma distribuição criada para “o usuário comum”.

    Baixa o seu cd o peça o seu (é entregue gratuitamente em sua casa via correio) em:

    https://shipit.ubuntu.com/

    Quem sabe você mude sua opinião.

    : )

  11. Rafael, sou grande fã seu mas dizer que o linux é um sistema exclusivo pra servidores é prova inconteste de total desconhecimento nesse terreno. E isso é verdade já faz alguns anos.

    O que, afinal de contas, você quer que a parte do mercado abocanhada pela Microsoft explique? Você está confundindo a origem dos sistemas — a Microsoft destinada aos Desktops e o linux para networks — com a configuração atual das distribuições linux que têm variedade para oferecer sistemas fortes e seguros para os mais afeitos a um ambiente limpo, rodando em mínimas condições gráficas, e ao mesmo tempo sistemas voltados para Desktop, incrivelmente mais acessíveis que um sistema Microsoft (já que esse é o critério que você oferece para reconhecer o Windows, mas eu lembro, há mais). Não deixe que o tom infantil das brincadeiras envolvidas na disputa mascare a questão técnica e política envolvida no debate. Há tempos eu planejo escrever algo sobre o assunto, talvez nos próximos dias eu o faça.

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