Homenagem póstuma ao Dia Internacional da Mulher

E por causa dessa correria toda, desses dias que invadem as noites sem oferecer uma mínima compensação em troca, acabei deixando passar em branco o Dia Internacional da Mulher.

Já tinha pensado em assumir algum compromisso sério com a classe, algo como prometer publicamente neste blog não bater em mulher nenhuma no seu dia; mas isso não era direito, porque sou um cavalheiro que nunca rejeita o pedido de uma dama, e vai que por uma dessas quebradas da vida me deparo com uma moça que peça isso com jeitinho doce e irresistível, então me diz, o que é que eu faço?

Eu, que não tenho boa reputação entre as mulheres porque as que gostam de mim me chamam de cafajeste e as que não gostam de mim me chamam de cafajeste, resolvi então que não iria dizer nada.

Mas isso seria uma falta de cortesia absurda e impensável, e eu sou um homem antigo em gostos e deveres. Lembrei então do velho Kid Morengueira, ídolo e modelo de sempre. Porque o Moreira sabia das coisas, sabia desses negócios de ética e cavalheirismo em seu terno branco. Portanto aqui vai minha homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Faço minhas as suas palavras. Nesta vida tem mesmo coisas que não se faz.

Na subida do morro me contaram
Que você bateu na minha nêga
Isso não é direito
Bater numa mulher
Que não é sua
Deixou a nêga quase nua
No meio da rua
A nêga quase que virou presunto
Eu não gostei daquele assunto
Hoje venho resolvido
Vou lhe mandar para a cidade
De pé junto
Vou lhe tornar em um defunto

Você mesmo sabe
Que eu já fui um malandro malvado
Somente estou regenerado
Cheio de malícia
Dei trabalho à polícia
Pra cachorro
Dei até no dono do morro
Mas nunca abusei
De uma mulher
Que fosse de um amigo
Agora me zanguei consigo
Hoje venho animado
A lhe deixar todo cortado
Vou dar-lhe um castigo
Meto-lhe o aço no abdômen
E tiro fora o seu umbigo

Vocês não se afobem
Que o homem dessa vez
Não vai morrer
Se ele voltar dou pra valer
Vocês botem terra nesse sangue
Não é guerra, é brincadeira
Vou desguiando na carreira
A justa já vem
E vocês digam
Que estou me aprontando
Enquanto eu vou me desguiando
Vocês vão ao distrito
Ao delerusca se desculpando
Foi um malandro apaixonado
Que acabou se suicidando.

10 thoughts on “Homenagem póstuma ao Dia Internacional da Mulher

  1. Bem, eu gosto de você e nunca te chamei de cafajeste (acha que eu deveria começar agora?) rsrs

    Pô Rafinha, que homenagem é essa?
    Nem vou comentar!

  2. A inglesinha sapeca

    Ando relendo Virgínia Woolf, “O Quarto de Jacob”, e cada vez mais me encabula a pretensão de escritor.
    Faço assim: leio, depois lambo, depois viro pro outro lado e leio de novo.

    A inglesinha gosta de pregar peças ao leitor e tão esperta brinca de esconde-esconde e moleca articula sua armadilha de sombras onde um folgazão com eu acaba estatelado em meio às madressilvas, no quintal da senhora Worley.

    São da mesma geração, ela e Joyce. Mas enquanto Joyce detona Mister Bloon nas ruas de Dublin e azucrina a literatura com o seu romance total, ela, senhora da poesia, liberta a trama aos pingos, vai ali volta já, suicida-se um pouquinho, reinventa artifícios de linguagem e, tão inglesinha, abre alamedas possíveis e ainda belas onde um leitor inculto como eu possa andar.

    Na outra encarnação quero saber mais. Estudar métodos e várias filosofias, servir-me da língua com maestria e certeza, ostentar sapiências tais que me credenciem à crítica, sem as superficialidades que agora me acometem. Mas nesta vida não há mais tempo. Contento-me com a crônica literária e continuo até o fim a malhar o ferro em brasa da poesia.

    Recomendo, para quem não leu Proust, “Orlando” de Virgínia Woolf antes de Borges.

    Amaral Cavalcante

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