Novos factóides sobre Lennon

Livro novo sobre Lennon na praça: John Lennon — The Life, de Philip Norman.

Ao que tudo indica, parece ser um bom livro, razoavelmente honesto. Vem sendo elogiado, até porque Norman é autor de um bom livro sobre os Beatles, Shout!. A capa lembra a de The Beatles – A Biography, de Bob Spitz (livro traduzido no Brasil, a propósito), parecendo quase um desdobramento lógico dele.

A essa altura, há pouco o que se dizer de Lennon ou dos Beatles. É um assunto praticamente esgotado. Não resta muito o que dizer. A solução é apostar em pequenos factóides. A crítica fala de informações novas no livro: ensina que Eight Days a Week nasceu de uma frase dita a Paul McCartney por um taxista, e que Lennon teve um “lance” com Alma Cogan. Nada disso é novidade. As duas informações estão em Many Years Ago, a autobiografia de McCartney escrita por Barry Miles. Norman também fala da mitificação negativa sofrida por Freddie Lennon, pai de John — mas isso foi investigado a fundo em The Lives of John Lennon, de Albert Goldman, o primeiro a questionar a imagem santificada de Lennon. Norman diz que o livro de Goldman é “malevolente, risivelmente ignorante”, e certamente tem alguma razão em suas alegações — principalmente sobre a maldade de Goldman; o que, no entanto, não parece ter impedido que bebesse de sua fonte de dados.

Essas são informações pequenas e pouco interessantes, no entanto. Para chamar a atenção do mercado, o livro fala sobre duas pretensas fantasias sexuais de Lennon: com a mãe, Julia, e com Paul McCartney. Incesto e homossexualismo: nada melhor para atrair atenção para um livro que, no final das contas, não traz muita coisa nova.

Só que nada disso é realmente novidade, tampouco. E não significa nada. Para uma pessoa conturbada (ou complexa, se preferir) como Lennon — e com uma sexualidade maleável, como o pretenso caso com Brian Epstein demonstra — os dois aspectos são até de se esperar. Vulnerável, sensível, carente e agressivo, Lennon tinha dificuldade em lidar com suas emoções, ou em entender a sua natureza.

No caso da sua mãe, a relação absolutamente edipiana já tinha sido explorada pelo próprio Lennon em suas próprias canções, como My Mummy’s Dead, Mother (“I wanted you, you didn’t want me“) e, de maneira mais reveladora, em Julia — em que as figuras de Julia Lennon e Yoko Ono são confundidas e assemelhadas. Além disso, declarações a esse respeito do próprio Lennon são facilmente encontradas por aí, como o trecho em seu áudio-diário explorado por Norman, de 5 de setembro de 1979:

Lembrei da vez em que estava com a mão no peito de minha mãe, em 1 Blomfield Road. Eu tinha cerca de 14 anos. Faltei à escola, eu sempre fazia isso e ia para a casa dela. Nós estávamos deitados na cama e eu pensava, “Será que eu deveria fazer algo mais?” Foi um momento estranho, porque na verdade eu estava a fim de uma moça de classe baixa que morava do outro lado da rua. Eu sempre penso que deveria ter ido em frente — presumindo que ela tivesse deixado.

Fãs hardcore de Lennon já conheciam essas gravações, disponíveis em uma série de discos piratas chamada The Lost Lennon Tapes e já comentadas aqui e ali em listas de fãs, como o rec.music.beatles da Usenet. E dão a elas a importância adequada: uma mostra de confusão existencial de Lennon e incapacidade de entender seus próprios sentimentos ou resolver o seu complexo de Édipo.

No que se refere a Paul McCartney (segundo Norman, Lennon só foi barrado pela “heterossexualidade inamovível” de Mccartney), é muito mais simples. Não é nada realmente novo, pelo menos não do ponto de vista de Lennon; já se especulou muito sobre a natureza da afeição de Lennon por Stuart Sutcliffe, por exemplo — especulação que chegou a filmes como “Os Cinco Rapazes de Liverpool”. Não quer dizer nada. De qualquer forma, algo que nunca passou de uma fantasia na cabeça do sujeito, provavelmente pouco elaborada, não é exatamente algo importante.

De modo geral, essas revelações não acrescentam muita coisa à história de Lennon. E em termos de impacto, não chegam perto do estrago feito pelo livro de Goldman, o primeiro grande exercício de iconoclastia sobre Lennon.

Agora, resta apenas esperar dois eventos. O primeiro é a biografia monumental que Mark Lewinsohn está escrevendo — Lewinsohn é provavelmente o maior historiador dos Beatles, autor de um dos livros fundamentais sobre a banda, The Complete Beatles Recording. Talvez não traga grandes revelações, mas é provável que venha a ser a biografia definitiva sobre os Beatles, o único livro que alguém precisará ter para conhecer sua história. Pelo histórico de Lewinsohn, pode-se esperar acurácia histórica e abrangência factual, os mais importantes elementos desse tipo de biografia.

O segundo será a morte de Paul McCartney. Até agora, quem escreve uma biografia sobre McCartney tem que escolher entre o máximo de cuidado possível ou o acesso a fontes razoáveis. Além disso, ele é um homem poderoso, o que certamente intimida aqueles que querem explorar eventuais escândalos em sua vida, e dono de uma forte camada de teflon, que impede que a má fama grude a ele. No entanto, é possível imaginar a avalanche de livros escandalosos que surgirão a partir de sua morte, explorando fatos como ele ser extremamente mulherrengo, de não ter reconhecido alguns filhos, de ter sacaneado amigos e colaboradores.

Escritores sensacionalistas devem estar torcendo para que o velho e bom Macca morra logo.

2 thoughts on “Novos factóides sobre Lennon

  1. Rafael, tenho acompanhado teu blog há um tempo por indicação do Biajoni. Lendo teus posts sobre os Beatles, vejo que estou longe de ser um beatlemaníaco de carteirinha ou um fã hardcore do Lennon. Mas tava ouvindo este áudio citado aqui ainda hoje. Você conhece este blog, né? http://beatle.wordpress.com/

    Abraço.

  2. Eu tenho o The Complete Beatles Chronicle do Lewinsohn, adoro, sempre que estou escutando beatles vou lá e vejo alguma curiosidade sobre as gravações. Vou esperar essa biografia que ele está escrevendo.
    Eu prefiro saber mais das músicas e das gravações, mas confesso que adoro uma fofoca e acho divertido ficar sabendo dessas coisas que aconteceram (ou não).

    Adorei o “camada forte de teflon” hahahaha!

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