Pequena eulogia a um gênio da raça que desgraçou a si e ao seu mister

Era Jorge Amado quem dizia que a profissão de gigolô era a mais doce que um homem pode ter. Ele tinha razão, como tinha em tantas outras coisas, porque baianos entendem desses negócios da vida.

Repito aqui o que eu já disse sobre esses artistas: um gigolô é um sujeito que ganha para fazer o que qualquer idiota faz de graça. Dizer que a melhor coisa que você faz é sexo não é como dizer que escreve ou elabora e destrincha fórmulas matemáticas complexas. Porque tudo isso é algo limitado, faz parte das habilidades de alguns indivíduos e não de outros, é a própria razão da diversidade humana.

Se alguém diz que pinta melhor do que você, sua resposta pode ser um simples dar de ombros, porque isso lhe importa pouco ou nada. Você nunca pegou em um pincel na vida e isso não significa que ele é melhor que você — você duvida, por exemplo, que ele seja melhor jogador de basquete, e se o Michael Jordan disser que é melhor você pode dizer que entende mais de marcenaria. A vida é um infinito sistema de compensações, e então ficam elas por elas, e os egos de cada um se satisfazem plenamente em seus pequenos universos próprios.

Mas um gigolô, não. Ele faz o que todo mundo faz. E faz melhor. Este é um conceito absoluto, completo. Se tal sujeito é melhor nas lides do amor do que você, ele está se referindo àquilo que você faz com dedicação e abandono, está entrando no seu campo, está lhe vencendo no seu próprio jogo. E você não pode recorrer ao consolo do despeito e da negação, porque as provas estalam em sua cara. É assim que ele ganha a vida. Ele é bom o suficiente para que lhe paguem para fazer, com mais talento, mais sensibilidade, aquilo que você também faz e que constitui uma das partes fundamentais da sua vida. Ele está dizendo que, enquanto você se limita a nascer, crescer, reproduzir e morrer, ele dominou a técnica do supérfluo e elevou o ato da reprodução ao nível de arte, e superou a mera humanidade.

Você é apenas espasmos, gemidos e suor, ele é transcendência. Onde você é tosco, irremediavelmente tosco, ele é um artista. E, sim, se alguém pode dizer que é melhor que você, esse alguém é um gigolô.

Helg Scarbi é um gigolô, e gigolô de alta classe, daqueles que evocam a classe de um Porfirio Rubirosa sem ter o dinheiro que ele tinha. Um gigolô bom o suficiente para conquistar 9 milhões de euros da herdeira da BMW apenas com a sua conversa.

É preciso ser especial para conseguir isso: ganhar 9 milhões de euros de uma mulher. Não é o dinheiro para o carnê das Casas Bahia. Não são os trocados para pagar a conta do bar, ou mesmo a prestação do carro. São 9 milhões de euros, dinheiro suficiente para que algumas famílias vivam bem pelo resto da vida.

Um michê qualquer arranca mirréis a uma velha feia e desesperançada; um gênio e um artista ganha 9 milhões de uma mulher razoavelmente bonita e extremamente rica, como é essa senhora Susanne Klatten.

Se gigolôs já são pessoas acima de você, Herb Scarbi estava acima dos gigolôs. Pertencia a um Olimpo imaginário, um mundo onde gigolôs bebem néctar e comem ambrosia servidos por pequenos Cupidos com bochechas grandes e asas delicadas. E é por ele ter sido tão especial que eu escrevo, em luto, esta pequena eulogia.

Scarbi está preso e foi condenado a seis anos de cadeia, porque depois de ganhar os 9 milhões resolveu chantagear a pobre senhora Klatten. Cometeu um crime perante os homens; mas o que realmente importa é que se desgraçou diante do deus dos gigolôs, seja ele quem for.

O verdadeiro crime de Helg Scarbi foi transformar uma atividade excelsa em algo menor e desprezível. Foi macular a sua arte com a mesquinhez e a ganância e a chantagem. Chantagem e gigolôs não combinam, são como água e óleo. Scarbi não gosta de mulheres, e aí que está o seu problema. Se gostasse veria a beleza suprema em sua profissão; entenderia que a sua labuta tem um lirismo que nenhuma outra pode aspirar a ter. Ele gosta de dinheiro, e é isso que denuncia a sua completa ignorância acerca da arte que, por um acaso da Natureza, ele dominou como poucos.

É um assombro, e um mistério, ver como alguém tão torpe, alguém que não consegue ver a majestade de sua missão neste mundo de amargura e pequenez, conseguiu alcançar os páramos da excelência na arte de fazer uma mulher dar mais que a sua justa cota neste mundo. Scarbi não conseguia sentir que a verdade estava na dobra dos seios da mulher que lhe dava 9 milhões de euros, e que ela tinha que ser amada e respeitada, guardada como uma pequena jóia de valor inestimável. Um homem com o coração negro não consegue ver a beleza sublime que há no ventre de uma mulher.

Tivesse ficado nos seus 9 milhões conseguidos não pela chantagem mais baixa, mas pelo seu talento e gênio, e nós o veneraríamos como alguém que elevou uma doce arte à perfeição. Mas não; Scarbi misturou ao mais nobre ofício de um homem a chantagem e a baixeza, e isso faz o seu crime, e o torna hediondo, e para isso não há, jamais haverá perdão.

Qualquer castigo para Scarbi será pequeno diante do seu ato. É o que diria o sindicato dos gigolôs, se sindicato de uma atividade tão individual e tão meritória houvesse.

É uma triste sina, a dele, triste e irônica. Um homem que elevou o seu mister ao mais alto da glória — apenas para desgraçá-lo e jogá-lo aos porcos depois, em vergonha e nojo. Helg Scarbi é um gênio que se deixou decair ao mais fundo dos precipícios ao macular a beleza da sua arte, e merece o nosso repúdio e o esquecimento da história.

10 thoughts on “Pequena eulogia a um gênio da raça que desgraçou a si e ao seu mister

  1. É sempre difícil saber quando se chega o limite, quando é a hora de satisfazer-se com o que já conseguiu. Afinal, o que são 9 milhões?

    Até mesmo um mestre dos gigolôs pode pecar por exceder os limites do razoável.

  2. Meu caro, lamento também nesse assunto discordar de sua opinião, ainda que encantado com a verve e paixão com que a defende.

    um gigolô, não. Ele faz o que todo mundo faz. E faz melhor. Este é um conceito absoluto, completo. Se tal sujeito é melhor nas lides do amor do que você, ele está se referindo àquilo que você faz com dedicação e abandono, está entrando no seu campo, está lhe vencendo no seu próprio jogo

    Faz o que faço e faz melhor uma pinóia. (O que um baiano é capaz de fazer para defender o pranteado Jorge Amado _ que Deus o tenha em bom lugar). Você poderia dizer isso se nos colocasse, eu e o gigolô com a véia e depois ela nos julgasse, desse nota, a maior indo para ele. O que ele faz melhro que qualquer um é ter mais cara de pau para explorar a carência de mulher rica e mal comida (no caso desse indigitado aí; gigolô em geral é bandido que ameaça e explora as pobres raparigas, a minoria sendo bom comedor como você descreve, mas esses não valem na estatística).

    Nove milhões pra dona saliente aí citada não é nada, querido Rafael. Isso é que é difícil de entrar em nossa cabeça. Ela paga uma fortuna para não repetir vestido, gasta uma grana para brilhar em jóias nas recepções, sacar nove milhas para acalmar um ex-amante pentelho é cosia pouca.

    Mas o cara merece a condenação que você faz aqui, sujeito baixo, sem noção. Um dia chega a sua hora. Aí mesmo em Aracaju está cheio de milionário que tata mal a mulher, que se perde em rodadas de buraco com as amigas também mal-amadas. Engate um carteado com as grã-finas, bote aquele perfume perfeito atrás da orelha, que você saberá ser daquela minoria que falamos aí, a que arrancava suspiros de inveja do velho Amado, putanheiro de fama larga e boa escrita.

  3. O seu lirismo trágico ao retratar um tema tão complexo (a arte de ser gigolô) me fez lembrar dos bons tempos de Nelson Rodrigues.

  4. O cara é o equivalente ao Lucifér. Um anjo que cai. Mas no fundo ele não deixa de ser um artista, E com sua arte conseguiu levar uma vida invejável. A natureza humana prega peças e no caso dele, ela não perdôou, se fez viva num momento de fraqueza e de franqueza e o deixou exposto aos reveses que a vida dá.

Leave a Reply to André Egg Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *