É curioso que mesmo que o teor do post sobre o diploma de jornalismo fosse o de que a eventual revogação da obrigatoriedade não mudaria nada, gente boa como o Sergio Leo tenha partido para a defesa do diploma.
É uma discussão bizantina, essa. Inútil, na minha opinião, porque com diploma ou sem diploma novos jornalistas — pelo menos enquanto durarem os jornais — continuarão sendo recrutados nas faculdades e na prática nada deve mudar. Foi o que eu disse no primeiro post; continuo dizendo aqui.
Mas eu gosto de discussões inúteis.
O Sergio cometeu o mesmo erro da maioria dos defensores, na minha opinião. Condicionou a exigência do diploma à sobrevivência dos cursos superiores de jornalismo. E apareceu com um argumento curioso:
Só na escola de jornalismo você terá oportunidade de discutir criticamente o que se faz nos jornais, e preparar os garotos para enfrentar cacoetes e visões preconcebidas de jornal que só atendem ao interesse de quem manda na empresa
Talvez fosse o caso de perguntar: e o que se faz na blogoseira, por exemplo? Até mesmo aqui — em um blog que, a propósito, não tem nenhuma pretensão jornalística? Em toda a internet, há uma série de discussões sobre a mídia, com um nível crítico que aliás, não é comum na universidade em função dos seus compromissos. Ao contrário do que parece acreditar o Sergio, a universidade não é o único lugar onde se pode discutir algo. Se deu essa impressão até há algum tempo, foi porque não havia canais suficientes para essa discussão.
(Um pequeno parêntesis: é curioso como, na defesa de um princípio sagrado, a linguagem de pessoas normalmente ponderadas como o Sergio se torna parecida com a dos maluquinhos do PSTU ou do PSOL. “Algumas empresas adorariam ter um exército maior de mão de obra de reserva para expurgar mais facilmente das redações os jornalistas que aproveitaram direito seus cursos de jornalismo”, disse o Sergio. O problema é que as empresas já têm essa reserva. Chamam a ela “recém-formados”. Ou seja, o argumento “cripto-sindicalista” não vale mais.)
Talvez o problema desses argumentos esteja na sobrevalorização do curso de jornalismo. O Cássio pode ter dado a pista para entender por que o diploma, afinal, não é tão necessário assim: “Tentei buscar alguns exemplos de gente que fez bem seu trabalho sem diploma. Só achei em ciência sociais.”
Acho que dá para explicar por quê. Ciências humanas e sociais não exigem o nível de sistematização do aprendizado específico que, por exemplo, cursos como engenharia civil ou medicina exigem. É para isso que a universidade serve: para sistematizar e garantir o ensino e o aprendizado. E é por essa razão que para algumas profissões o diploma é necessário, como uma medida de proteção da sociedade. É uma proteção que não se exige do jornalista, em primeiro lugar, e que não esconde o fato de que qualquer pessoa pode aprender a ser jornalista sem passar por uma faculdade, como poderia, por exemplo, aprender economia, sociologia, história, letras, antropologia ou direito — até há relativamente pouco tempo não era necessário diploma para exercer a advocacia. E eu teria vergonha de me intitular “cientista político”. Um amigo político, e uma das pessoas cuja inteligência nessa área sempre respeitei em excesso, me dizia: “me mostre um cientista político e eu te mostro um picareta”.
De qualquer forma, toda e qualquer formação específica é recomendável (respondendo ao Cássio: eu não me desviei da pergunta. Mas já tinha dito no post que jornalistas formados são, em geral, mais bem qualificados que os antigos focas, por questões óbvias) — e é por isso que mesmo que a exigência do diploma caia, os novos jornalistas continuarão saindo dos bancos das universidades. O Sergio erra quando parece acreditar que, sem a obrigatoriedade do diploma, as escolas vão fechar. Para ser administrador, por exemplo, não é necessário diploma, e no entanto as escolas estão cheias (por sinal, se eu quisesse ser administrador faria um curso de engenharia, mas isso é outra discussão). Mas já que enveredamos no caminho das discussões sem sentido, vale a pena examinar a sobrevalorização do ensino superior de jornalismo mostrada aqui pelo Sergio.
Fui procurar a grade curricular da Cásper Líbero, que tem o mais antigo curso de jornalismo do país. Tirando as matérias encontráveis em qualquer curso universitário, eis a grade curricular específica:
- SOCIOLOGIA GERAL E DA COMUNICAÇÃO
- TEORIA DA COMUNICAÇÃO
- FOTOJORNALISMO
- TÉCNICAS E GÊNEROS JORNALÍSTICOS – JORNALISMO BÁSICO I, II e III
- HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO
- COMUNICAÇÃO COMPARADA
- RADIOJORNALISMO I e II
- COMPUTAÇÃO E PLANEJAMENTO GRÁFICO EM JORNALISMO
- ADMINISTRAÇÃO DE PRODUTOS EDITORIAIS
- JORNALISMO ESPECIALIZADO I e II
- NOVAS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO
- TELEJORNALISMO I e II
- TÉCNICA DE REDAÇÃO I e II
- DESIGN GRÁFICO – JORNALISMO EM REVISTAS
- ÉTICA JORNALÍSTICA
- JORNALISMO OPINATIVO
- PROJETOS EXPERIMENTAIS
Não é nada do outro mundo, e seguramente nada que justifique tanto ardor em sua defesa, ou os quatro anos gastos. No sistema de créditos, muitas dessas matérias poderiam entrar como matérias optativas — até porque um sujeito que ser diagramador, porque é essa a sua vocação e talvez o seu talento, não vai perder tempo com “jornalismo opinativo” (matéria estranha, essa) ou “radiojornalismo”. O Sergio que me desculpe, mas essa grade curricular não justifica uma defesa tão acalorada da obrigatoriedade do diploma.
Assim como o Cassio, eu não acho que jornalismo é apenas “escrever bem”. Isso somente é redação, e não consta que ainda haja muitos copidesques nos jornais brasileiros; quanto a opinião, o Sergio lembrou que jornais sempre tiveram esses espaços abertos. Por jornalismo eu entendo a reportagem, a fotografia e a produção do material jornalístico final, seja ele jornal, rádio, internet ou TV. E continuo assinando embaixo da definição de jornalismo pelo Claudio Abramo: é ver e explicar o que viu. Sobrevalorizar a formação acadêmica de jornalistas, como faz o Sergio Leo, é um erro. É isso que entra em discussão e é isso que eventualmente pode dispensar um diploma.
Voltando ao caso do Idelber, acho que o Sergio está errado. Eu acho que o Idelber daria um bom jornalista. O Sergio acha que não, citando a sua parcialidade.
O problema é que eu acho que o Idelber fez, na denúncia dos horrores cometidos por Israel em seu ataque à Palestina, bom jornalismo. Parcial? Sim. Como foi parcial a cobertura da imprensa brasileira, ignorando boa parte do que o Idelber mostrou e discutiu. Mesmo admitindo-se a agenda do Idelber, é necessário perguntar: ele mentiu? Ele trouxe informações novas? Acho que o Idelber foi o primeiro a falar, pelo menos em português, sobre as bombas de fósforo utilizadas por Israel, e mais que isso, contextualizou os ataques. Além disso, ele fez algo que o resto da imprensa brasileira não parece ter feito: mostrou o outro lado utilizando técnicas simples e que estavam ao alcance de qualquer um.
O Idelber fez isso no seu blog, sem nenhum compromisso com a idéia de “ouvir o outro lado”. Cá entre nós, seria muito fácil mostrar o lado israelense, usando as mesmas ferramentas. Mas o Idelber não tinha assumido esse compromisso. Seria diferente em um jornal, provavelmente.
(E o Hermenauta, hein? O sujeito é engenheiro. Mas quando se trata do Reinaldo Azevedo ou da Nariz Gelado, ele faz uma checagem de fatos de dar inveja a qualquer analista de jornal. Resumindo: muitas das coisas que se associa a jornalistas podem ser feitas por qualquer pessoa.)
O Sergio faz ainda uma pergunta:
Acabar com a obrigatoriedade do diploma não resolve nenhum dos problemas hoje apontados nos jornais. Cabe perguntar: a quem interessa, e por que o fim da exigência de formação específica universitária obrigatória para o jornalista?
Bem, foi o que eu disse desde o início: não muda nada, e a pergunta com jeito de teoria conspiratória soa meio fora de contexto. Mas eu acho que a lei tem um problema, o de excluir as eventuais exceções. Gente talentosa que cursou, sei lá, história e tarde nada descobre que tem vocação e talento para a reportagem. Assim como o Niemeyer citado pelo Sergio. Nesse caso, interessaria à sociedade.
E no fim das contas, a pergunta que nenhum dos defensores do diploma costuma responder é: se sem a exigência do diploma o mundo acaba, por que só acaba aqui no Brasil? Quer dizer que em outros países — e não vamos usar exemplos de sociedades mais avançadas, como os Estados Unidos, França ou Inglaterra; vamos pegar os da América do Sul, mesmo, bastante parecidos conosco — não existe jornalismo? Se o diploma é condição essencial para a sobrevivência do jornalismo, porque nesses outros países isso não acontece? Deixo aqui a deixa para os defensores finalmente responderem essa pergunta.