As vozes dos derrotados

Os senhores jornalistas, que se arvoram em defensores da liberdade e da democracia, tentando reescrever a história e inventando até — como a Época dia desses — que o Estadão resistiu à ditadura de 1964, deveriam ter um mínimo de vergonha na cara e se pronunciar contra o depoimento podre do ex-ministro e ex-chefe do DOI-CODI Leônidas Pires Gonçalves no Globonews, ontem à noite.

Eu fui um militante comunista. Sou stalinista, como lembra de sacanagem o Idelber. E tenho muito orgulho do que fui e do que sou. Como tenho muito orgulho da herança que me coube: a crença na capacidade de cada indivíduo de dar o melhor de si não apenas em benefício próprio, mas para melhorar, de alguma forma, o mundo.

É por isso que não admito que um sujeito ao menos indiretamente responsável por tantas mortes venha tentar jogar lama sobre a memória de brasileiros dignos e honestos como os tantos mártires que tiveram a coragem de lutar contra criminosos que subverteram a ordem política e institucional deste país e o arrastaram a um tempo excessivamente longo de miséria e obscurantismo.

Eu aprendi a respeitar brasileiros valorosos como Manoel Fiel Filho, como Maurício Grabois, que morreu ao lado do filho tentando recuperar o país que vocês nos roubaram. A respeitar os tantos homens e mulheres que morreram nas mãos de criminosos e torturadores que se diziam militares. Do meu ponto de vista, general, vocês fizeram o mesmo que assaltantes vagabundos fizeram: mas em vez de facas e revólveres vocês usaram tanques. Não há diferença, na essência: um assaltante qualquer rouba dinheiro; vocês roubaram um país e as vidas de centenas de brasileiros.

Quando você vem a público e tem a desfaçatez de afirmar que Vladimir Herzog se suicidou, você desrespeita a memória de um homem que foi assassinado covardemente pelo regime do qual o senhor fazia parte — um assassinato tão covarde que vocês sequer tiveram a coragem de assumir a porcaria que fizeram. Quando tem a falta de vergonha de chamar os exilados de fugitivos, chamando-os indiretamente de covardes, você desrespeita qualquer noção de civismo neste país. Quando chama as indenizações aos torturados de “bolsa-ditadura”, você mostra o seu desprezo pelas próprias noções de justiça e dignidade.

Em determinado momento, com o descaramento que só velhos ultrapassados que já detiveram muito poder podem demonstrar, você perguntou aos técnicos presentes se seus pais tinham sido presos. E depois acrescentou: se foram presos é porque tinham feito alguma coisa.

Com outras palavras, o general chamou de criminosos, puros e simples, todos aqueles que tiveram a coragem de se levantar contra a opressão.

Pois o meu pai foi preso pelo seu regime, general. E você não ouse chamá-lo de criminoso, porque você não tem moral para isso. Ele tinha apenas 17 anos, e o seu crime foi escrever uma coluna sobre sindicatos no jornal. Foi preso por pessoas como você, sub-humanos que não merecem ser chamados de gente escondidos sob fardas militares, pessoas cujas mentiras só podem ser ouvidas hoje em dia porque a gente acaba tendo que compactuar com uma mídia ruim como essa; é o preço que pagamos pela democracia que vocês tentaram destruir e que, graças ao sacrifício desses que você hoje chama de criminosos, conseguimos recuperar.

O meu consolo, e o consolo de todos aqueles que vêm Leônidas Pires falar as besteiras que quer — talvez com a condescendência de que apenas velhos senis podem usufruir, mas que não é devida a nenhum integrante da ditadura militar –, é que no fim das contas nós ganhamos a guerra. Entendeu, general? Vocês perderam. Resta ao general de pijama Leônidas o peso de saber que foi a sua geração que destruiu o Exército Brasileiro, que o colocou em um patamar imoral e abaixo do papel histórico que ainda poderia cumprir. Foram vocês que transformaram soldados em torturadores e desgraçaram por muito tempo uma instituição nacional importante.

E por isso, senhor general, você é apenas um derrotado com as mãos sujas. Morra com isso na sua consciência.

32 thoughts on “As vozes dos derrotados

  1. clap, clap, clap!

    eu parei um instante ontem na Globonews enquanto zapeava e quase vomitei. pqp, obrigado.

  2. Podemos ter transcendido para a democracia, mas infelizmente ainda temos que escutar essas abobrinhas sustentadas por uma mídia excêntrica.

    Gostei bastante do tom sincero do artigo – realmente, falta isso: um verdadeiro BASTA a um período sombrio que assolou nosso território e deteriorou o sistema político.

    Abs,
    Tiago

  3. Uma nojeira os estertores insultuosos daquele cadáver insepulto aos quais você respondeu com o brilhantismo e contundência de sempre.

    Parabéns!

  4. Não vi a entrevista, Rafael. Mas a sua postagem dá bem a medida de tudo que possa ter sido dito por esse velho crápula. E, lamentavelmente, como sabemos, ele é apenas um entre milhares de abutres que revoam por esse país, sempre prontos a distorcer os fatos e atentar contra a dignidade humana. Eles estão mortos, já nasceram mortos, mas continuam e continuarão a infestar a vida até que sejam enterrados onde merecem – o lixo da história.

  5. Rafael:

    Apoio 100% sua argumentação contra os militares. Foram, e serão, sempre uns energúmenos. Tanto que dizem que “setor de inteligência co exercito” é lenda urbana.

    O que me chateia é o o Lula, aquele Lula do ABC de ’79, que apoia, abertamente: o militar da Venezuela; o militar de Cuba e o militar do Irã. Você não acha isso terrivel? Justo quem!

  6. Bem, então vejamos, vc acha mesmo que conseguiu contra-argumentar ao que disse o corajoso e lúcido General Leônidas com essa conversa? Eu gostaria de saber o que têm a dizer contra os argumentos centrais que o General apresentou.
    A final de contas os comunistas tinham ou não intenção de tomar o poder? Se tinham, que tipo de governo pretendiam instalar em nossa pátria? O regime iniciado em 64 foi mesmo tão violento quanto você quer nos fazer acreditar? Quantas pessoas morreram de cada um dos lados envolvidos e em quanto tempo? A população civil tendia apoiar que lado da luta? Quem não foi expulso de sua pátria, ao sair por sua conta e risco, deve ser chamado de exilado?
    Responda se quiser e como quiser, não espero nada de bom de alguém que diz se orgulhar de ser admirador de um tirano que matou mais de 30 milhões de pessoas em nome de um mundo melhor.
    O fato é que vocês iriam destruir nosso país antes de se auto-destruir e hoje, se tivéssemos sorte de já termos nos livrados das guarras de seus correligionários estaríamos falidos e moralmente aviltados. Quer saber como eu sei disso? Pessoas inteligentes aprendem mais com o erro dos outros do que com os próprios. Fui muito sutil?
    Porque você não experimenta ir morar em qualquer país onde o sistema em que você tanto sonhou pra nossa pátria “funcionou”; experimente Cuba, Camboja, Vietnã, Rússia, China; Vá pra lá, fique por lá, regozija-te com seus pares.
    Consolo, pra você não pra mim, é que a gangue enfim conseguiu o poder e se você tiver muita sorte ainda poderá ver seu sonho realizado em nossa terra dentro de poucas décadas.
    Sim, os comunistas queriam o poder; sim, eles tinham condição de tomá-lo; sim, eles eram assassinos em sua grande maioria e quem não era foi cúmplice; sim, quem fugiu do país é covarde (e não exilado); não, o regime militar não foi truculento ou assassino (compare com qualquer ditadura, de esquerda ou direita, da América Latina); não vocês não tinham o apoio da maioria de nossa sociedade que por sinal é predominantemente conservadora, ainda.

  7. Vc acha mesmo que eles estão derrotados, Rafael? É cada vez mais perceptivel que imprensa está tentando reabilitar a ditadura (ditabranda?), fazendo um revisionismo que pode ser nefasto para as próximas gerações que não viveram sob este regime. Acredito que ao buscar essas vozes a imprensa está iniciando um novo ciclo reacionário em razão de quase oito anos de um governo de esquerda e, pior, em um momento em que tentam de todas as maneiras colar o adjetivo de “terrorista” na candidata de Lula, e para que isso cole no imaginário dos eleitores o regime militar precisa ser reinterpretado positivamente.

  8. Rafael.
    Belo desabafo. Sincero, verdadeiro, correto.
    A história do Brasil, quer recente ou não, é sempre contada de forma que encobre a verdade, como uma neblina densa.
    Abração

  9. Certas figuras utilizam o anacronismo como um alento, e não percebem que defecam sobre a própria face. Creio que a maior dor destas figuras é a sua própria mediocridade, é sentir e atuar como quem “o seu tempo passou”. Probres espíritos suínos…

  10. Ôoo Tiago Ribeiro, o que o Rafael diz é definitivo. A geração do General Leônidas destruiu a credibilidade do exército ao patrocinar um golpe de Estado e instalar uma ditadura militar no País. No vídeo o general diz se orgulhar do “faro” dos militares e justifica suas ações com o argumento de que elas impediram uma provável ditadura comunista no Brasil. O General não sabe, e obviamente nem você, a diferença entre lógica e uma ficção qualquer criada para apaziguar a consciência. É simplesmente impossível fundamentar o que é naquilo que poderia ter sido. Essa história vale apenas como apresentação de motivos (assim como o comunista russo pode argumentar que estava tentando criar um mundo melhor). Ela não torna mais razoável o que os militares fizeram, sua truculência, estupidez e incompetência. Ao final. entregaram um país pior do que aquele que encontraram. Isso é fato. Neste particular a esquerda, agora no poder, está dando um banho de competência e dentro de um regime democrático no qual até pessoas como o General podem falar o que quizerem, expondo-se ao ridículo sem qualquer censura. E disso os militares daquela geração foram incapazes. Triste.

  11. Como um democrata, achei o seu texto muito bonito. Irretocável. Só fiquei me perguntando se, como stalinista, você é contra todas as ditaduras ou só aquelas que não são stalinistas? Poderia esclarecer? Obrigado.

  12. O Geneton amarelou diante do facinora. Quase que se ajoelha pra dizer perante o bandidão verde-oliva que não era de esquerda. Essa gente da Globo fede

  13. Puta post, Rafael. Mas como disse o ademir, há uma onda nociva de revisionismo direitista. Hoje mesmo eu vi um flash no GNT (ou GloboNews, confundo pra cacete os dois) com uma o Geneton Moraes Neto entrevistando o Newton Cruz. Programa que eu não posso deixar de perder.

  14. Acho que esse ‘revival” da gorilada hidrófoba vai acabar sendo a pá de cal que faltava; e quem sabe até com o bônus da revisão d anistia, punindo os torturadores.

    as vêzes, por mais dolorosas que tenham sido as feridas, depois de cicatrizadas, a gente esquece do sangue que correu.

    Pra eles seria mais seguror o silêncio de suas tumbas…

  15. Sinistro.
    Existe quem acredita na história da ameaça comunista que justifica a branda intervenção de 64.
    Daqueles que dizem, sobre as chuvas no rio: quem manda pobre morar em morro?

  16. Será que algum desses neo representantes dos criminosos , terroristas e homicidas que difamam o regime militar , realmente conheceram ou conhecem os ideais dos esquerdistas do passado .

    Graças aos militares o país hoje , não está pior ! E será que a tão libertina democracia atual está melhor do que a do regime militar .

    Grandes generais e a raia miuda que lutaram por esse país .

    General Newton cruz parabéns !!!! A moral , o respeito e a liberdade disciplinada deve prevalecer no país .

    E não esse exemplo que está aí ! Liberdade não é libertinagem .

    Leiam A verdade sufocada , depois tirem as suas conclusões .

  17. tenho vergonha alheia de quem defende a ditadura. seu texto é um primor. meu avô foi torturado com mais de 70 anos, já doente. seu crime era desejar um país melhor. segundo os milicos, mereceu.

    cheguei aqui pela “terceira margem do sena” e vou ancorar

    beijos

  18. Como já disseram: “Ditadura é quando você está no poder. Democracia é quando eu estou no poder”, típico pensamento stalinista e maoista. Naqueles tempos, nós lutamos pela democracia usando palavras, argumentos, campanhas pacíficas, organização político-partidária, aulas, teatro, música, textos proibidos, jornais alternativos, etc, enquanto os stalinistas e maoistas matavam inocentes em ações de “libertação”. Se houve vitória, foi nossa, dos primeiros, pois os exilados e fugitivos eram uma minoria ridícula, enquanto a maioria lutava pacificamente nas ruas pela democracia, que veio dar em uma eleição que elegeu esse “Nosso Grande Guia Que-Nunca-Antes-Neste-País Existiu”…
    Em todo o post o Rafael deixa transparecer sua tristeza com o fato de alguém “do outro lado” ter direito a falar publicamente. É típico, vale repetir. É muito triste ver que nossa luta vai ainda ter como resultado colocar bandoleiros no poder (já estão nos postos chaves – sem querer fazer trocadilho com o caudilho). Não respeitam a democracia, mas a usam para benefício da sua turminha de “vanguarda revolucionária”. É de chorar.

  19. Maria Uno e Tiago, caso os comunistas de Cuba, Coréia do Norte, URSS e etc. quisessem teriam conquistado o Brasil do mesmo jeito para o seu lado – bastava ter colocado no Exército gente bem pensante, na base de células e etc.

    Quisessem realmente ter o Brasil comunista, e esses países teriam trabalhado as FFAA para se tornar comunista – não era necessário enfiar o país nessa catástrofe que só serviu aos ladrões e corruptos de sempre, e da qual devemos SEMPRE nos arrepender e lamentar.

  20. Parabéns, cara. Num tempo em que tantos babacas arregimentam legiões de fãs igualmente mongolóides com tentativas de revisionismo histórico, ousando falar em defesa dos torturadores, é bom demais ler um desabafo assim.

  21. Bem, conheço alguma coisa de doutrina e história militar. Posso garantir que o tal “general” Leônidas era heróico comandante de uma mesa, da qual porcerto não saía para ver o que faziam seus operativos. Esses homens (não foi um só – o “general” é apenas estúpido o suficiente para achar que vale à pena aparecer para jogar gasolina na fogueira) acham realmente que lutaram e venceram uma guerra. Guerras de verdade, justas, nossos militares lutaram em outros tempos. Esse “general” não é digno do mais humilde dos “pés-de-poeira” que enfrentaram homens armados; não é digno nem mesmo daqueles que lutaram guerras injustas e desiguais, como os de Canudos, mas que, por pouco que se possa dizer, enfrentavam gente armada que respondia tiro com tiro.
    Mas… Vamos por as coisas em seus lugares: o “general” era (e é) apenas um gorila intoxicado de ideologia. Prefiro jogar na cara dele a história do sargento Max Wolff – e basta. Em minha opinião, desprezível mesmo é o sujeito que o pauta para uma entrevista. O “general”, em seus delírios, venceu uma “guerra contra o MCI”; o sujeito que o pautou sabe muito bem a que causa serve e onde quer chegar tirando da covil essa triste figura.

    Agora, guerras, reais ou imaginárias, sempre geram figuras patéticas. Patética é uma figura que comete uma coisa assim: “Se houve vitória, foi nossa, dos primeiros, pois os exilados e fugitivos eram uma minoria ridícula, enquanto a maioria lutava pacificamente nas ruas pela democracia, que veio dar em uma eleição que elegeu esse “Nosso Grande Guia Que-Nunca-Antes-Neste-País Existiu”… Coisas assim me fazem dar graças aos céus que esse país apesar de tudo, ainda tenha tido a capacidade de, pelo menos, gerar um Rafael Galvão.

  22. Putz, eu assisti a entrevista do Leônidas e também a do Newton Cruz sobre o Golpe de 64 e o regime militar. É perturbador a falta de censo de auto crítica que esta gente tem, eles foram os marionetes de um sistema que lhes exigia o extermínio de lutadores. O carrasco carrega a culpa de seus atos, mas sinto que seguirão impunes estes e seus mentores. Leônidas e Newton claramente não têm capacidade mental para estarem no topo do comando, são idiotas úteis, criminosos comuns, chinelagem.
    Tem muito covarde por aí escondido, que foram aos quartéis pedir providências e que hoje estão esquecidos. Estes também, merecem ser denunciados e punidos com rigor. às vezes penso que tentam nos dizer que estes são os únicos responsáveis. E a imprensa? E os que deram sustentação à mentira? Os que votaram pelo AI 5, pela 477? Quem participou do planejamento do Rio-Centro? Quem mandou? Eu queria saber o nome deles todos.
    Estes dois pústulas, sequer nominam seus sócios majoritários. Sentem orgulho de serem leais à canalhada.

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