O sub-tenente Towersey, novamente

Há muitos anos, nos primórdios deste blog, escrevi sobre um livro que achei num sebo em Niterói. Era uma edição comum de How Green Was My Valley, mas que trazia o nome do seu primeiro dono: Y. R. Towersey, sub-tenente da Marinha Britânica que adquiriu o livro em maio de 1941, enquanto se preparava para a II Guerra Mundial no HMS Excellent, em Portsmouth.

É um post de que eu gosto.

Nele eu dizia que não tentaria descobrir nada sobre a história do livro, porque me contentava em imaginar suas peripécias até chegar às minhas mãos. Não ia tentar descobrir se o senhor Towersey tinha sobrevivido ou não à Iguerra. O sub-tenente Towersey poderia ser o que eu tinha imaginado.

Cumpri a promessa que fiz a mim mesmo. Não procurei saber nada sobre Towersey, principalmente depois que fiquei sabendo que o Excellent não era um navio, e sim um centro de treinamento.

Mas sete anos depois eu posso contar o destino do sub-tenente Towersey, e isso é, para mim, tão interessante quanto a história que eu mesmo criei para ele.

Towersey lutou na guerra. Serviu primeiro em um caça-minas no Mediterrâneo, e mais tarde foi para a base naval da Algéria, trabalhando na parte administrativa.

Quando a guerra acabou, a Inglaterra estava em frangalhos. E Towersey, àquela altura mais um civil procurando emprego em uma cidade que não os oferecia, foi trabalhar para uma empresa de navegação, que tinha um escritório no Rio de Janeiro, para onde foi enviado.

No Rio lhe deram um conselho sábio: que fosse se hospedar em Niterói, para fugir da febre amarela. E lá o sub-tenente criou sua família. De alguma forma, um de seus livros foi parar num sebo. E hoje descansa na minha estante.

Fiquei sabendo da história de Towersey porque seu filho, Daniel, achou este blog e o post sobre o seu pai, e deixou um comentário.

Na verdade, o nome do sub-tenente cujo livro veio parar em minhas mãos não começava com Y, e sim com F — eu é que li errado. E ele está vivo em 2010, do alto de seus 90 anos. Ao lado está uma foto do oficial ainda jovem.

Daniel Towersey descobriu que alguém, que ele nunca viu na vida, escreveu sobre um pedaço da história de sua família.

E eu descobri que algumas coisas continuam mágicas mesmo depois que você descobre o mais importante sobre elas.

20 thoughts on “O sub-tenente Towersey, novamente

  1. “O importante são as surpresas da vida” como diriam Lúcio Costa, Mário Lago e Oscar Niemeyer.Que maravilha de história.

  2. Me lembrou aquele parte do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, quando ela encontra uma caixa de lembranças de infância e a entrega à seu dono.

  3. Linda coincidencia! Lindo post! A vida ;e realmente mágica!

    De uma niteroiense, diretamente de Houston,TX

  4. Rafael:
    Para coisas mágicas, existem pessoas mágicas para escrever sobre elas
    Luma indicou você e vim te fazer uma visita e conversar um pouquinho…
    Até mais!

    Anny

  5. Bela história…me serve como confirmação de quanto a nossa curiosidade e inteligência sobre coisas que aos olhos dos outros são banais ou desimportantes é humanizadora e…

  6. Rafael, sua genialidade mais uma vez é provada. E esse abraço generoso à vida é raro, motivo sempre da minha grande admiração. A realidade fazendo cócegas na literatura. Lembrei de fato das páginas dos jornais cariocas, há não muitos anos: um casal foi ao circo da Praça Onze. Ela era casada, viviam um amor escondido. Morreu com uma bala perdida. Drama, climão nas famílias. Sempre lembrei de Nelson Rodrigues nesta história. Ele criou as histórias cariocas mais absurdas. Mas, talvez as mais viáveis, possíveis. A realidade é diferente, escreve o impossível.

  7. As “miudezas”, os eventos acidentais, sempre me fizeram acreditar que, a despeito de tudo, a vida pode ser interessante. Fui poucas vezes a cemitérios, e sempre por inescapável obrigação social. Entretanto, nunca saí deles sem farto estímulo à imaginação. Percorria os túmulos, as lápides, os epitáfios, como se estivesse lendo a mais cativante narrativa literária, e com a vantagem de que os registros que dispunha, no lugar, jamais elucidariam as minhas especulações sobre a vida daqueles nomes desconhecidos, defuntos quase todos tão antigos e sem memória alguma entre os sobreviventes – se é que havia um único deles.

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