Seu Gusmão, mais uma vez

Duvido que alguém acredite nisso que vem a seguir, porque até para mim parece história de mineiro mentiroso. Mas eu tenho os e-mails para provar.

O caso é que o senhor Gusmão, que já foi motivo deste e deste posts, respondeu ao último e-mail que lhe mandei, logo depois que o enviei. Isso já tem algumas semanas:

Em primeiro lugar, Sr Rafael, nunca lhe faltei com o respeito. Sempre achei o Sr. uma pessoa digna. O sr. nunca tem um meio de comunicacao certo pois tem infinitos e mails e mil telefones. Era so entrar em comunicacao como fazem meus outros inquilinos que a gente sempre resolve as situações inexperadas, mas para isso precisa de COMUNICACAO. Sei que o sr. passa por uma situaçao dificil mas nao sabia que chegava a tanto como fazer programa mas isso nao cabe a mim julgar. Por outro lado eu VIVO somente dos meus alugueres, por isso tenho que ficar preocupado em recebe los, pois tenho inumeos compromissos como plano de saude, cartao de credito, condominios caros, remedios que tomo para pressão carissimos e para sindrome do intestino irritavel.. Pois é . fica entao o Sr sabendo que não e so o Sr. que passa dificuldades.Nao sou nenhum cara rico para me dar esse luxo. Todos tem problemas na vida, e se eu pudesse nao tinha esses apartamentos que volta e meia me dão so dor de cabeça.
alem disso passei muito mal todo o mes de fevereiro, ficando em CTI por dez vezes consecutivas com minha pressao a 21×12, por meus remedios de pressao nao surtirem mais efeitos. tive que muda los e so ontem melhorei, e isso tudo me incomoda demais. Outra coisa. nao sabia que o Sr sublocava o apartamento o que e proibido no nosso contrato, mas ate relevo isso pelo seu pagamento sempre efetuado pelo sr e por sempre ter sido boa pessoa comigo, mas se o Sr. nao estiver satisfeito, podemos encerrar nosso contrato, ja que se passou o prazo do mesmo. Nao quero o seu mal mas tambem nao quero o meu.

Ps achei desnecessario isso tudo e podemos conversar

Dr. Antonio Gusmao

E eu me compadeci do senhor Gusmão. Certo, ele tem a mania de lascar um “dotô” na assinatura, mas esse tipo de asneira é perdoável em advogado. Isso e carro grande: são compensações, você entende. O que me comoveu foi o fato de que qualquer pessoa que se recusa a entender o despautério absoluto que era aquele e-mail que enviei não poderia ser totalmente má; ou pelo menos deveria ser tratada com certo cuidado. Além disso, pessoas boas não merecem que outras pessoas boas sacaneiem com eles.

O problema é que só sou gente boa lá no fundo. Por isso foi preciso um acordo, e eu e as vozes na minha cabeça, essas que me fazem responder às pessoas, chegamos a um compromisso: eu não continuaria sacaneando o seu Gusmão, mas tampouco esclareceria as coisas. Não respondi ao e-mail.

Mas aí, algumas semanas depois, no Sábado de Aleluia, recebi mais uma mensagem do sujeito:

Sr. Rafael. Por favor entrar em contato pois precisamos conversar sobre o imovel.

Opa. Esse e-mail me deixou intranqüilo. Fiquei pensando que seu Gusmão, coitado, com sua pressão a 21×12, é do tipo que guarda rancor. Imaginei o seu dotô trancado em seu escritório repleto de livros antigos de direito, puto com aquele Rafael que ainda por cima violava o contrato e sublocava o apartamento, e imaginando as medidas cabíveis para ferrar de vez o rapaz.

O meu doppelganger pode ser um caloteiro safado, mas não merece perder o apartamento. E seu Gusmão pode ser uma anta, mas não merece perder um inquilino por causa de um mal-entendido.

Eu disse: no fundo sou gente boa. Um e-mail, então, serviria para resolver as coisas, para esclarecer o mal-entendido causado pela estupidez do seu Gusmão.

Caro senhor Gusmão,

O senhor vem mandando e-mails para o endereço errado há algum tempo. Eu respondi há algumas semanas, como se fosse o Rafael Galvão que é seu inquilino, dizendo que tinha perdido o emprego, sublocado o apartamento e etc., esperando que o senhor percebesse que estava mandando e-mails para o endereço errado.

No entanto o senhor não percebeu, e até respondeu o e-mail. Por isso, peço que corrija os endereços que o senhor tem aí. O e-mail xxxxx@gmail.com não pertence ao seu inquilino. E eu sequer moro no Rio de Janeiro.

Obrigado,
Rafael

Pronto. Fiz minha parte, ia dormir tranqüilo no Sábado de Aleluia, e nem ia precisar ver o filme do Zefirelli para isso. Não esperava mais resposta. No máximo um e-mail me esculhambando, me chamando de irresponsável, cafajeste — essas coisas às quais, sinceramente, eu já estou acostumado e nem ligo mais.

Mas eu não contava com a mente analítica e inquieta do dr. Antônio Gusmão. Ele respondeu com um e-mail de uma linha só:

COMO E ISSO SE O PAGAMENTO CONFERE COM O DEPOSITO BANCARIO? PODE ME EXPLICAR ISSO?

E aí chega. Porque eu tenho cá meus limites, e eles normalmente são ultrapassados por desafios, principalmente aqueles mais estúpidos.

Caro senhor Gusmão,

O senhor tem razão. Me pegou. Este e-mail realmente pertence ao seu inquilino caloteiro que nunca paga o aluguel em dia. Por isso, continue mandando seus e-mails para cá. Eu prometo que, assim que recebê-los, vou correndo ao banco pagar o aluguel imediatamente.

Nada como perceber que um sujeito não diz a verdade por um detalhe tão simples, não é? Claro. “Como é isso se o pagamento confere com o depósito bancário?” Eu obviamente não faço idéia do que o senhor está falando, mas isso não interessa. Obviamente, não posso explicar isso, nem acho que valha a pena. O importante é que o senhor tem a verdadeira alma do detetive. Uma mente inquisitória, que não se detém até encontrar a verdade. Senhor Gusmão, o senhor poderia ter sido um Einstein.

Eu andava dizendo por aí que o senhor não era lá um corretor dos mais espertos.

Como eu estava enganado.

Um abraço,
Rafael

Aí eu pensei que tudo tinha terminado, que o senhor Gusmão tinha ficado satisfeito com o e-mail — se ele não era capaz de entender a brincadeira anterior, era improvável que entendesse o sarcasmo nessa mensagem.

Mas não é o danado entendeu? E no dia seguinte, em vez de comer um ovo de Páscoa, respondeu com um e-mail duro para mim:

Sr. Rafael. O que mas detesto nesta vida sao tribulacoes como esta acontecendo conosco. Acho que como esta o nosso relacionamento, o melhor para nos dois e encerrar definitivamente com isso, pois esta tanto fazendo mal a mim como ao sr. Nunca passei por isso e espero que nunca mais aconteça. O que quero e que nos encerremos nosso compromisso, ja que o contrato terminou e nao ha mais dialogo entre nos. Fui no apartamento ontem e vi que esta vazio faz tempo e que os recibos se acumulam. O que queria e que o sr. nos liberasse do nosso compromisso permitindo a mim a entrada do mesmo, ja que o sr. nao vem ao Rio e o mesmo se encontra abandonado.
Desculpe por qualquer coisa

Antonio Gusmao

Logo depois, um adendo:

em tempo: Podemos encerrar de comum acordo tudo isso sem o sr. nao me dever mais nada, encerrando assim, pelo bem estar de nos dois. O sr. por estarem dificuldades, e eu para viver mais tranquilo, pois ja parei ate em hospital , pela pressao alta que tenho, nao so pelo sr. mas com coisas que acontecem na vida cotidiana que maltratam a gente. Acho que seria bom tanto para o sr. e para mim.

E assim o pobre do caloteiro homônimo ficou ameaçado de perder seu apartamento. Tudo bem que não o usava (eu faço idéia do por quê, julgando por um dos e-mails do sujeito), mas se ele o mantinha era por alguma razão. E assim, contrariando os meus mais básicos instintos, respondi mais uma vez, uma última tentativa de mostrar a luz para o cérebro hipertenso do senhor Gusmão:

Senhor Gusmão,

Eu não ia mais responder aos seus e-mails, porque o senhor pelo visto se recusa a acreditar que está enviando mensagens à pessoa errada.

Vou repetir mais uma vez: este e-mail específico, xxxxx@gmail.com, não pertence ao seu inquilino. Os outros e-mails para os quais o senhor manda mensagens eu não sei; mas se o senhor não percebeu, é só deste que o senhor recebe e-mails desaforados com histórias malucas.

Ou seja: não é o seu inquilino que está lhe mandando e-mails dizendo barbaridades. É uma pessoa para a qual o senhor mandou mensagens por engano.

Eu não sei quem é o Rafael Galvão que aluga o seu apartamento. E não deveria estar preocupado com ele. Mas odiaria saber que ele perdeu um apartamento por minha causa. Meu homônimo pode ser um caloteiro, a julgar pelos seus constantes e-mails de cobrança, mas acho que nem ele merece ter um contrato de locação cancelado porque o senhor enviou e-mails a outra pessoa por engano, e não entendeu que era tudo uma brincadeira.

(Cá para nós: sublocação a uma prostituta da Help? Piloto de provas de fábrica de supositórios? O senhor nunca percebeu que isso era uma grande brincadeira, do tipo que só quem não tem nada a ver com a história escreveria? Eu sei que há um monte de Rafaéis Galvão por aí, mas duvido que algum deles fosse idiota a ponto de mandar um e-mail a seu senhorio dizendo que sublocava o apartamento.)

Obviamente, eu estou fazendo o que posso para evitar que o senhor tome uma decisão impensada. Além disso, não gostaria que o meu sósia onomástico perdesse o apartamento, nem que o senhor perdesse um aluguel. No entanto, eu já fiz o que posso. Se o senhor se recusa a entender o que está acontecendo, paciência.

Boa sorte a vocês dois, e um abraço,
Rafael

Quer saber? Seu Gusmão e meu clone que se virem para resolver isso. Porque se esse Rafael Galvão pagasse as drogas de suas contas em dia, e se a mãe do seu Gusmão tivesse dado miolo de boi para ele quando era pequeno, para ficar esperto, nada disso teria acontecido.

11 thoughts on “Seu Gusmão, mais uma vez

  1. definitivamente, a inteligência é um atributo que deus, ou a natureza, concedeu a poucos.

  2. “COMO E ISSO SE O PAGAMENTO CONFERE COM O DEPOSITO BANCARIO? PODE ME EXPLICAR ISSO?”
    Sai dessa agora. O doutor Gusmão é, como disse Glauber a respeito de Golbery, o gênio da raça. Einstein é pouco, o sujeito criou uma Teoria Unificada de e-mails e contas bancárias.

  3. É bem provável, Ismael. Vai que o Dr. Gusmão é um dos comentaristas do blog… e o Rafael passou de sacana a sacaneado! ahahah

  4. Carraro:
    Porque aí eu não teria assunto pro post de segunda. 🙂

    Grilo e Colafina:
    Seus bobos. Onde vocês já viram advogados com esse tipo de humor? Sacanagem pra advogado tem outro sentido, o de foder você. 🙂

    Tiago:
    Perfeito. 🙂

  5. Hahahaha, texto genial. “Eu andava dizendo por aí que o senhor não era lá um corretor dos mais espertos. Como eu estava enganado.” Rachei. Mas não pude deixar de ficar com pena do dotô Gusmão, o coitado é tão devagar que deve estar se estressando horrores com essa história.

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