Post pansexual para o Alex

Em um de seus últimos posts, “Elogio à Pansexualidade“, o Alex se lamenta pela sua heterossexualidade:

Minha heterossexualidade mesquinha me impede acesso à metade da raça humana. Meus potenciais parceiros amorosos estão restritos a apenas meio mundo. Eu gostaria de ser livre pra amar qualquer um, pra considerar cada pessoa independentemente, caso a caso, estar aberto para possibilidades românticas com qualquer um. Penso em todas as pessoas maravilhosas com as quais eu nem mesmo considero uma relação mais profunda apenas porque são homens como eu, e lamento minha incapacidade de amar sem preconceitos.

Alex,

Pessoalmente, acho que se preocupar com isso é dar importância demasiada a sexo como um modelo a ser seguido: “eu devo fazer assim, eu devo ser assim”. Sexo não é tão importante assim. Ou é muito mais importante que isso.

Mas a partir do momento em que você acha que a heterossexualidade é uma prisão, demonstra uma relativa abertura (sem trocadilhos, por favor) para relações amorosas e sexuais de caráter homoerótico.

Ou seja, você parte do princípio de que dar a bunda é liberdade.

Eu sou um um heterossexual mesquinho e até meio tosco, mas tento respeitar as preocupações e indagações espirituais dos outros. Por isso fiquei pensando em uma maneira de ajudar você a se libertar dessa prisão. Eu sou uma pessoa boa, você sabe.

E então eu disse eureka! e pensei: “É isso, Alex, já sei como.” Pensando um pouquinho percebi que existe uma maneira de você vencer essa prisão. É uma maneira fácil, comprovada e antiga, embora provavelmente não indolor.

Infelizmente (ou felizmente, eu não sei), ela só se aplica a quem acha a heterossexualidade uma coisa ruim. Não é possível com heterossexuais mesquinhos como eu, porque não lamento o fato de minhas opções se restringirem a metade da humanidade. Em primeiro lugar, porque eu não conseguiria comer metade da humanidade; em segundo, porque eu não quero comer metade da humanidade — tem muita baranga por aí; em terceiro, porque na verdade é bem menos da metade: tem um bocado de lésbicas por aí que jamais me daria uma chance, nem para saber como é.

Para nós, pequenos periquitos australianos felizes dentro da nossa gaiolinha decorada com fotos da Mulher Melancia, a prisão é um lugar muito bom, agradável e acolhedor e nos seria impossível e impensável viver fora dela; a liberdade nesse caso não nos atrai nem incomoda. Mas se a questão da heterossexualidade passa a perturbar a paz de alguém, ele ou ela tem a obrigação moral de tentar buscar sua felicidade e descobrir se, afinal de contas, poderia ou não gostar da liberdade homoerótica. Não me refiro a sentir interesse; mas a admitir a possibilidade de maneira racional, e experimentar até gostar.

Então lá vai a minha sugestão.

Dê, Alex. Encomende as pregas a Deus e dê muito. Dê até começar a gostar.

Se conseguir gostar, ótimo: você vai ser um homem mais feliz, livre e com 50% mais opções de se dar bem.

Mas se mesmo assim não gostar, pelo menos vai saber que tentou, tentou muito. E então a heterossexualidade vai deixar de ser uma prisão para ser uma opção, e você vai estar dentro da jaula por vontade própria, sabendo como é o mundo lá fora.

Blogografia

Na minha caixa de correio apareceu esse pequeno poeminha, enviado por um leitor que, por modéstia ou timidez, sei lá, preferiu ficar anônimo.

É uma pena, porque esse é um bom poema, e eu tenho que confessar que ri muito quando li:

O blogueiro é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é sossego
O sossego que não sente.

E os que lêem o que escreve,
No sossego lido sentem bem,
Não os dois que ele não teve,
Mas só o que eles também não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama enganação.

Sobre o bis

A revista Men’s Health traz uma manchete chamativa na edição que está nas bancas:

Como fazer com que ela peça bis

Ou algo assim.

E eu imagino a legião de bobos correndo a comprar a revista, ansiosos pelo segredo que será revelado aos seus olhos inocentes.

Tolos: a questão não é fazer a moça pedir bis, ansiosa e insatisfeita. É fazê-la incapaz de articular uma palavra sequer, com um sorriso de orelha a orelha e um olhar esgazeado que vaga pelo vazio.

Mulheres quase perfeitas

Ninguém vai acreditar em mim, mas eu já fui o queridinho das mulheres por aqui.

Aconteceu há alguns anos. Eu fiz um post de uma linha, a Tata viu e me pediu para desenvolver o tema para que ela publicasse em seu blog.

O texto já estava nas suas mãos em menos de meia hora. Era só uma daquelas verdades que eu considero universais: mulheres perfeitas demais são pouco atraentes. Eu não gosto de mulheres de revista, aquelas mulheres que não parecem ter um só defeito ao qual você possa se apegar e reconhecer como a sua marca de singularidade neste mundo. Nunca gostei, nunca vou gostar.

Ele deve ter apelado às mulheres que têm celulite demais, estrias demais, peitos grandes, pequenos ou caídos demais, pernas grossas ou finas demais para os seus próprios padrões — algo em torno de 99,999% da parcela feminina da humanidade. Deve ser o texto deste blog mais republicado por aí.

Deve ter feito tanto sucesso porque podia ser lido como um elogio a elas, porque mulheres e homens gostam de ser elogiados pelos seus defeitos.

Foi um idílio bom que durou até o dia em que eu resolvi falar de adolescentes de 30 anos. Falava de uma amiga, que mesmo agora que se aproxima dos 40 como eu continua mais ou menos da mesma forma, ainda esperando o príncipe encantado e dispensando o que aparece porque além da esquina pode vir algo melhor.

Publiquei o post pela primeira vez quando ninguém lia este blog, e ele passou em branco, claro. Republiquei novamente quando o blog era razoavelmente lido — e o resultado foi uma avalanche de mulheres dizendo que não, que eu era um porco chauvinista e que elas não eram assim, que o meu problema era que eu não comia ninguém, e que isso era bem feito. (Que eu não comia era verdade, como continua sendo; mas precisava dizer que era bem feito?)

Carapuças são vestidas inadvertidamente por gente demais neste mundo; mas felizmente apenas uma parcela bem menor, a menos favorecida por Atena, se ergue nas patas traseiras e manifesta o seu desagrado com zurros altos demais.

A impressão que tenho às vezes é que mulheres demais acharam que o primeiro post era uma declaração de amor a elas, ou ao que julgam representar; mas isso não é verdade; assim como não é verdade que o post sobre adolescentes de 30 anos é uma declaração de guerra a mulheres que se julgam enquadrar na categoria.

Lembrei dos velhos tempos porque o blog Mulheres Impossíveis republicou o texto dia desses. É um bom texto. Continuo assinando embaixo. Continuo não gostando de mulheres perfeitas, ou aparentemente perfeitas. Gosto dos pequenos defeitos. Mas de lá para cá passei a ser mais cauteloso quando falo de mulheres.

Até porque há mais adolescentes de 30 do que mulheres perfeitas por aí.

A fuga das andorinhas

Uma manchete no Estadão semana passada me chamou a atenção e começou a despertar em mim algo que lembra o princípio do pânico, ou no mínimo a sensação de quase paralisia que se tem quando se percebe uma catástrofe inevitável.

75 mil prostitutas brasileiras trabalham na Europa.

Durante muitos anos, vi de longe o terror da sociedade brasileira diante do que chamavam de evasão de cérebros — hoje, cada vez mais anglicizados, acho que chamariam de brain drain. Se referiam ao êxodo de cientistas brasileiros para centros tecnológicos mais desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, mas também vários países europeus. Então se queixavam que a sociedade brasileira não dava o devido valor aos seus cientistas, e que o Estado não cumpria sua obrigação de incentivar o desenvolvimento científico deste país.

Depois, principalmente a partir dos anos 80, foi a vez dos jogadores de futebol, atraídos pelo dinheiro do Oriente Médio, depois da Itália, então da Alemanha e finalmente de qualquer país de segunda que investisse uns tostões no futebol de seu país.

Agora é a vez das nossas alcouceiras abandonarem o Brasil. 75 mil putas brasileiras no além mar. Eu sequer sabia que existiam tantas lúmias neste país — embora esse não seja, em absoluto, um número inacreditável. Muito menos que havia tantas rascoas sobrando, um excedente considerável a ponto de abastecer os pobres europeus deficientes em bunda como somos deficientes em ferro.

Este blog horrorizado se pergunta, com aquela indignação de deputado oposicionista quando encontra o que imagina ser um filão de escândalos no governo: onde estão as autoridades brasileiras que não tomam providências diante de fato tão grave, que transcorre debaixo de nossos narizes sem que façamos alguma coisa?

Não é possível que até agora não se tenha percebido a tragédia que se anuncia. Um país sem putas é um país chato, e um país chato não recebe turistas. Veja só o exemplo da Holanda. Que país agradável, aquele — e ali estão as pituriscas nas vitrines, o mais legítimo produto nacional mostrado com orgulho para os olhos admirados e invejosos do mundo; e quando não dão conta importam messalinas do Leste, que agregam mais ao produto interno bruto do que os tradicionais bares de haxixe.

Sem as cortesãs, o que vai ser do turismo em Fortaleza, e em Natal, e no Rio de Janeiro? Alguém realmente acha que vem turista da Dinamarca ou da Itália só para ver pobre em favela? Que aqueles operários alemães bebedores de cerveja vêm para cá apenas para se esconder de tiroteio no morro, ou ainda contemplar a natureza bucólica da Chapada dos Guimarães em meio a arrotos de cevada e lúpulo?

Precisamos cuidar do que é nosso. Estão fazendo de nós a nova colônia européia. Antes tiravam nosso pau-brasil, nosso ouro, nosso açúcar; agora nos tiram nossas vulgívagas.

Talvez seja culpa do governo. Esse negócio de incentivar a exportação para trazer divisas, em vez de fortalecer o mercado interno e atrair turistas, não podia dar certo. Mas o impacto a ser causado caso nosso plantel de rameiras seja extinto pela migração é muito maior que isso.

Sem as putas, o que vai ser da nossa produção teledramatúrgica? Quem vai aparecer em reality shows dizendo que é modelo e que “tá com um projeto aí”? Quem vai ser assistente de palco de programa ao vivo?

O êxodo das palomas vai levar nossa economia ao colapso. E por isso, preservar nossas putas é dever de todos nós.

A mesma sociedade que se indignava diante da saída dos nossos cientistas agora precisa protestar contra a evasão das nossas zoinas. E aqui cabe a indignação perante uma sociedade hipócrita que finge pavor quando vê cientistas indo para o MIT, mas que não se importa quando galdranas goianas se mudam em massa para a Espanha, para pegar o touro à unha. A sociedade brasileira tem o dever de se manifestar veementemente contra esse crime de lesa-pátria. O Congresso Nacional, em vez de perder tempo com o cupuaçu, precisa regular urgentemente sobre o assunto — quem sabe até estabelecendo cotas, um limite de meretrizes que podem sair legalmente deste país a cada ano, preservando o mercado nacional.

Tudo isso é fundamental, porque por mais ufanistas que possamos ser, a verdade é que há poucas coisas em que somos realmente bons. Fazemos samba melhor que todo mundo. Nossos jogadores de futebol, grosso modo, são os melhores do mundo. Que agora reconhece o talento, disposição e seriedade com que nossas vadias se dedicam ao seu mister.

Que a sociedade brasileira cuide de nossas putas. Que o Estado garanta a todas elas o direito a uma vida sadia e digna e ao mais recompensador exercício de sua profissão. Que não caiam mais no canto da sereia do neo-liberalismo das Oropa ou dos States, porque tudo a que ele nos levou foi a isso, foi à debandada de nossas mulheres de amor.

São essas raparigas, padrão mundial em sua área, que devemos preservar. Herdamos uma longa e bela tradição de putas — e por que agora vamos esquecer tantos séculos de aprimoramento genético e tecnológico, as tantas polacas e madames francesas trazidas para racear nossas marafonas com requinte e elegância? Como brasileiros e, principalmente, como seres humanos temos a obrigação de deixar um país e um mundo melhores para nossos filhos e netos. E não um país que afunda em direção ao oblívio, em meio a uma revoada de periquitas, que avoam para a Europa em busca de ninhos melhores.

Republicado em 03 de outubro de 2010

De comentários e de desejos sexuais

O João Neto é um caso clássico de alucinado. Lê este blog há alguns anos, mandou muitos e-mails que não foram respondidos e então descobriu que, a depender do conteúdo, seus comentários aqui seriam liberados.

Foi como abrir uma porteira. O João Neto está sempre aqui, comentando. É o tipo de gente que lê um blog apenas para reclamar ou xingar, que transfere para o blogueiro uma eventual relação mal-resolvida com o pai. O João Neto é um fã ao avesso.

Não importa que este blog aqui ande muito meia bomba: ele sempre está por aqui. De vez em quando alguns dos seus comentários são liberados, outras vezes são relegados ao nada.

Mas o último comentário do sujeito merece um post (e eu tenho a impressão de que finalmente atendi a um antigo sonho do sujeito) :

Dois pontos:

1)A classe média de qualquer cidade, estado ou páis é a pior coisa que existe em quaisquer quesitos, então não fique irritado com Sào Paulo.
2) São Paulo é uma cidade maravilhosa e ninguém, de nenhum outro estado do Brasil, tem sequer condição de dar opinião, quanto mais falar mal. A única cidade que importa no Brasil é São Paulo o resto é resto. Fique nesta sua cidade porcaria, com sua qualidade de vida bucólica e não venha aqui. Pare de criticar quem é melhor que vocês em tudo. Aquela estória: “Se o baiano gosta tanta da Bahia, porque não fica lá?”, vale pra você também!

É curioso como em poucas linhas o João Neto consegue falar tanta coisa: “a única cidade que importa no Brasil”, “sua cidade porcaria”, “não venha aqui”, “melhor que vocês em tudo”.

O João é burro mas não sabe, ou se recusa a admitir. E sem querer, justificou para sempre a minha política de moderação de comentários.

***

Outro comentário que chama a atenção é o do Cayo:

Descubri seu site buscando informações na Net sobre a nova reforma ortográfica, e tenho de confessar uma coisa que não tem nada a ver com o assunto: a foto nela estampada é de deixar qualquer podólatra (como eu) louco. Só para constar…

É extremamente agradável saber que meus membros inferiores fazem o mesmo sucesso que os superiores. Ou melhor, seria. Porque a foto daí de cima não é minha: foi arranjada às pressas nas internet. Veio bem a calhar porque meus pés são feios que doem, e só servem para andar, dar topada, chutar gato e doer no fim do dia.

Mas como seria bom ser um símbolo sexual para alguém. Me sinto como a mulher feia que, diante de um elogio educado ouvido de um desconhecido cortês na rua, fica horas no espelho admirando a sua beleza recém-descoberta, percebendo-se finalmente uma Ana Hickman. Elogios: quanto mais imerecidos, mais agradáveis.

Por isso é com pesar que me vejo forçado a abdicar dos meus sonhos de símbolo sexual de pé, e a dizer ao Cayo que não, que os pés que tanto chamaram a sua atenção não são os meus, que os delírios eróticos devem ser direcionados a um sujeito desconhecido. E digo isso com tristeza e com pesar; colocando um véu sobre o espelho, porque sei que ele nunca mais vai dizer que eu sou bonito como a Ana Hickman.

Situação crítica, porém jeitosa

O Homem-Baile saiu da pista de dança.

O Ricardo Montero resolveu dar um basta, talvez temporário, a um dos blogs mais antigos que leio. Preferiu se dedicar ao Vidas e Imagens, um dos mais interessantes blogs nacionais. E saiu explicando, também, os motivos de seu enjôo com a blogoseira atual.

Em grande parte do que diz, o Ricardo está certo. A maioria dos blogs é ruim. Indo mais além, mesmo a maioria dos posts de bons blogs é ruim. A esmagadora maioria do jornalismo que se faz na blogoseira é de segunda mão, no mais das vezes filtragem e comentários sobre o que outra pessoa apurou. A maior parte dos textos é mal escrita. A maior parte da ficção é medíocre. A maior parte da poesia envergonharia Camões. A gente sabe disso. Todo mundo sabe disso. Se não se fala muito sobre o assunto — além de generalizações como as feitas acima, que não ofendem diretamente ninguém que não seja dono de um grande complexo de inferioridade — nem se dá nomes aos bois é porque, além de uma questão de educação e de prudência, a blogoseira funciona como um sistema de trocas, em que a formação de uma rede de influência é fundamental para que se defina um lugar num ranking imaginário para cada um. Ou seja: eu comento no seu blog, você comenta no meu, passamos a achar nossos respectivos blogs maravilhosos e por aí vai. Que ninguém se iluda: qualquer blog mais ou menos respeitado é o resultado de algum nível de engenharia social.

Portanto, tudo o que o Ricardo escreveu em sua despedida está essencialmente correto. Mas mesmo correto, é parcial.

Porque há o lado bom. Mesmo reconhecendo tudo isso que foi dito acima, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer parte de qualquer panela ou esquema de engenharia social. E isso é possível graças à grande qualidade da blogoseira: a diversidade. Mesmo a mais abrangente das listas acaba encampando apenas uma parte ínfima do que é publicado diariamente na internet. Tem muito mais aí fora para se ler.

O Interney Blogs, sob esse aspecto, é importante — por mais que a auto-promoção e o que identificam como “panelinha” possam incomodar. Eu, pelo menos, acho o IB uma grande iniciativa, extremamente louvável ao buscar o que muitos blogueiros gostariam de ter mas evitam confessar para não parecerem totais fracassados: a possibilidade de ganhar a vida escrevendo o que bem entendem, só isso. Se o IB vai ter sucesso ou não, não importa tanto assim. Assim como no resto da blogoseira, tem blogs bons e ruins. Mas a tentativa é valiosa, e o fato de terem um plano de negócios só pode ser bem vindo.

O mais importante, mesmo, é a diversidade. Se de um lado você tem um empreendimento claramente comercial como o Interney, com todos os defeitos que possa ter — como por exemplo a poluição visual, a perda de independência possível em alguns casos — e as muitas qualidades do projeto, tem também projetos de caráter diverso como o Verbeat ou o Apostos, e até mesmo os lordes botocudos do Wunderblogs. Sem falar na imensidão de blogs isolados, que não passam de meios de expressão de seus autores e que podem ser muito interessantes.

Tem, por exemplo, o Hermenauta mordendo os calcanhares do Reinaldo Azevedo, o chiahuahua da direita brasileira. É o tipo de coisa que só a internet possibilita: o contraponto, a diversidade de opiniões, o confronto de idéias (e por isso o seu é um dos melhores blogs do país, com o jeito canalha do Hermê de encher o saco daqueles de quem não gosta. Como diriam em Salvador, o Adriano é muito “nigrinha”).

No fim das contas, it’s only rock and roll. E eu, que não costumo comentar em blogs, que não faço questão de ganhar dinheiro além dos caraminguás que o Google AdSense pinga na minha conta para pagar a hospedagem e garantir uns livrinhos na Amazon, que me esforço muito para ser simpático e demonstrar ao mundo toda a doçura que mamãe me deu, que sou baiano e acho tudo divino maravilhoso, quero mais é ver o oco.

A bunda da mulher de John Lennon

Na livraria, aparece um livro chamado “Como John Lennon Pode Mudar Sua Vida”.

Não li sequer a orelha, mas tudo indica que seja um livro de auto-ajuda. E a síndrome da auto-ajuda tem chegado a absurdos quase inimagináveis. Talvez porque a arte de escrever algo do tipo exige a observância estrita de algumas regras.

Por exemplo, não se pode ser muito original. É preciso dizer algo com que o leitor não apenas concorde, mas em que já tenha pensado antes. Auto-ajuda, no fundo, é apenas uma forma de bajulação do leitor, ainda que injustificada. É um elogio à mediocridade. O talento do escritor de auto-ajuda é o talento do redator, de alguém capaz de dizer o que já foi dito de maneira convincente.

E então chegamos a John Lennon.

Ao ver o livro fiquei imaginando o que, exatamente, John Lennon teria a me oferecer. Conheço razoavelmente sua vida, como os leitores provavelmente sabem. Um amigo, por sinal, filmou o sujeito esvaindo-se na noite de 8 de dezembro de 1980. Era produtor da MCA, passava por perto, ouviu os tiros e correu para lá. Não que isso aumente ou diminua meu conhecimento biográfico sobre o finado, mas demonstra, de certa forma, o meu interesse no assunto. Ou talvez nem isso: vai ver contei apenas para me vangloriar de conhecer uma testemunha do crime. Freud explica. Ou Adler.

O fato é que conheço razoavelmente a vida do sujeito, do número 251 da Menlove Avenue ao quinto andar — ou melhor, à calçada — do Dakota Building.

E talvez por isso me sinta autorizado a dizer que qualquer livro que pretenda ensinar a viver a partir do exemplo de John Winston Ono Lennon é uma fraude.

Afinal, o que se pode aprender com a vida de Lennon? A se viciar em heroína? A ser um pai abominável, tragédia agravada pelo fato de ter feito um trabalho melhor com o segundo filho, só porque este teve uma mãe mais exigente? A ser uma pessoa insegura, agressiva e assustada, alguém que compensava sua personalidade detestável com um carisma impressionante?

Eu não quero aprender a viver assim. O mais grave, no entanto, ainda não foi dito.

Na contracapa de Two Virgins, primeiro disco da dupla, Lennon e Yoko Ono aparecem nus, de costas. E a verdade trágica então se revela, uma verdade feia, triste: a bunda dele é mais bonita que a dela. Não que alguma das duas preste para alguma coisa, mas a bunda dela é mais feia que a dele.

Então é isso que Lennon tem a me ensinar? A casar com uma mulher com uma bunda mais feia que a minha? É a isso que chamam ensinar? Porque um homem que se casa com uma mulher cuja bunda é mais feia que a sua é indigno desse nome, indigno como o pipoqueiro que oferece o primeiro cigarro de maconha ao garotinho da terceira série. Um homem tem o direito de casar com seios grandes ou pequenos, rijos ou flácidos; mas nunca, mas jamais poderá casar com uma mulher cuja bunda é mais feia que a sua. Esse não é um homem, não merece o direito de coçar o saco. Esse não é um homem.

Em verdade, não importa quão feia ou bela seja a bunda dela. Não. Este não é um conceito absoluto, porque toda bunda — quase toda — tem seus atrativos, suas graças. O que importa é apenas que ela seja mais bonita que a dele. O contrário é um crime contra bilhões de anos de evolução da espécie. É um crime contra as gerações que virão. Um casamento desse tipo só pode ser celebrado em um beco escuro na zona do cais do porto por um bêbado inconsciente e possuído por Belial — não, por uma legião de demônios, dos piores e mais malvados e mais cruéis que possa haver.

Aos homens que se casam com mulheres cujas bundas são mais feias que as suas já é reservado um justo castigo, o de não saberem em sua plenitude o que é encostar-se à bunda dela sob o chuveiro, com a mão ensaboada sob a dobra do seio; mas esse ainda não é castigo suficiente.

Um homem que se casa com uma mulher cuja bunda é mais feia que a sua melhor faria se dormisse com cabras; e deveria ser justamente apedrejado por homens que depositariam suas vestes aos pés de Saulo de Tarso — e talvez tenha sido esse o crime de Santo Estêvão, casar com uma gentia cuja bunda era mais feia que a sua; e o crime de Madalena seria ter uma bunda mais feia que aquele com quem deitou em adultério, e a Bíblia teria escondido tudo isso porque é um livro de bondade e de perdão, paz na Terra às mulheres de bunda mais feia que a dos seus maridos.

(Mas no caso de Madalena o verdadeiro culpado é aquele que a cobiçou, pois não está em seu direito ao desejar a mulher do próximo quando a bunda dela é mais feia que a sua.)

Talvez eu exagere, mas tenho a impressão, sempre tive, de que Lennon tinha absoluta consciência do crime tenebroso cometido, e por isso cantava “Imagine que não há posses”; porque se não tivesse casado com uma mulher cuja bunda era mais feia que a sua, Lennon saberia que ela — a bunda, não a mulher — é sua propriedade única e absoluta, a ser guardada zelosamente com cerca elétrica e cães de fila. Mas Lennon não sabia de nada disso, não poderia, e tinha que se contentar em ser um sonhador. A falta que faz uma mulher cuja bunda é mais bonita que a sua.

Não, John Lennon não tem nada a me ensinar, o livro se me afigura inútil. A única coisa que Lennon poderia me ensinar seria a compor obras-primas, mas um livro não pode me ensinar a ter talento. E sobre o que é realmente importante, a capacidade de adorar a verdade calipígia, ah, sobre isso aquele rapazinho de Liverpool não tem nada a me dizer.

Originalmente publicado em 20 de julho de 2006. Esse texto deveria ter sido publicado no mês passado, durante a maratona de republicações, mas por alguns motivos teve que ser suspenso. Como é um texto de que gosto muito, ele vai agora.

As bem-aventuranças

Volta e meia recebo o mesmo e-mail indignado, sempre com assinaturas diferentes.

No e-mail se diz que está sendo produzido um filme mostrando Jesus Cristo como gay e apaixonado pelos seus discípulos. O e-mail indignado esbraveja que isso não pode ser tolerado. Que podem solapar tudo, até a cara da sua irmã, mas que jamais poderiam fazer isso com Jesus de Nazaré. E propõe então um abaixo-assinado para combater essa heresia tão grande e ignominiosa, proposta pelo visto seguida por centenas de pessoas que tiveram a pachorra de assinar o manifesto, às quais esperam que você se junte. Uma espécie de cruzada virtual.

Eu não costumo responder porque, em primeiro lugar, isso tem cara de hoax. Sensação reforçada pelo fato de o e-mail ser antigo e até agora não ter saído nos cinemas ou pelo menos nos jornais nada do tipo.

Além disso, independente da minha visão sobre o assunto, em vez de tentar proibir que o filme seja feito as pessoas têm o direito somente de não querer assistir — e até mesmo de tentar convencer outras pessoas a fazerem o mesmo.

Mas isso me deixou com umas perguntas e umas idéias rodando a minha cabeça vazia.

Por que as pessoas se incomodam tanto com isso? Não se incomodam tanto com sugestões de que Jesus foi amante, namorado ou mesmo marido de Maria Madalena. Mas qualquer insinuação de homossexualismo é recebida assim.

É por não conseguir responder satisfatoriamente essas perguntas que fico pensando numas coisas. É um pequeno exercício de imaginação, e imaginar não ofende ninguém.

Imagine Jesus Cristo fazendo sexo com Simão. Imagine-o de quatro, enquanto o belo apóstolo segura a sua cintura e o possui com força e desejo.

Imagine Jesus Cristo deitado sobre Bartolomeu, cujas pernas abertas envolvem a bunda de Jesus Cristo, mãos crispadas em suas costas, gritando e trocando saliva e gemidos.

Imagine Jesus Cristo deitado ao lado de Tiago filho de Zebedeu, ambos suados, felizes, e Jesus beija o peito de Tiago com o abandono dos amantes satisfeitos.

Imagine Jesus Cristo se apaixonando por Tiago filho de Alfeu, e abandonando um Judas que se sente traído e o entrega aos romanos com um beijo que sela, acima de tudo, o amor traído e a vingança.

Agora imagine Jesus Cristo ajoelhado diante de João, o apóstolo que ele amava, boca aberta recebendo a boa nova. Imagine-o se levantando, limpando a barba do erro de cálculo ou excesso de ímpeto, se dirigindo ao alto de um pequeno monte e falando:

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.

Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados.

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.

Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.

Agora vem a pergunta.

As palavras se tornam menos verdadeiras para quem acreditava nelas, depois de tudo o que se imaginou aqui? Realmente importa o que Jesus, que tantos bilhões dizem seguir, fazia durante suas noites?

Deixem o Cristo dar o cu em paz.

Republicado em 13 de setembro de 2010