Moema

Julieta é a menina-moça que personifica a urgência da juventude — pressa em amar, pressa em morrer — com aquela conversa fiada de “O happy dagger!, this is thy sheath“. Até na hora de morrer ela insistia em fazer drama, mulherzinha chata que não teve coragem de fugir com seu homem — na verdade, homem em termos, porque aquele menino nervosinho era outro songa-monga.

Nada disso a impediu de se tornar a heroína romântica por excelência.

Enquanto isso, do lado de cá do Equador, um mulher fez um sacrifício ainda maior, e mais significativo. Mas poucos reconhecem a dimensão do ato de Moema, sua disposição de morrer sem nenhuma condição, sem pedir nada em troca, menos ainda uma outra morte.

Não é, não pode ser Julieta o símbolo do amor. Mais amou Moema, que nadou sem esperanças atrás do navio que levava sua irmã e seu amado para a Europa, para as terras de onde veio Caramuru.

Julieta e outras da mesma laia são heroínas porque os poetas que as imortalizaram tinham uma visão deturpada e masoquista do amor. Julieta fez seu homem morrer; o destino do desgraçado que amou Heloísa foi ainda pior. Para esses europeus, que não sentiram o gosto do dendê, que não sentiram o cheiro da brisa que sopra do mar de Itapuã, o amor é um jogo de trocas.

Julieta não teria morrido se tivesse levado um pé na bunda. Teria amaldiçoado o sujeito que a levou para a cama, a enrolou com aquela conversa de rouxinol ou cotovia e deu no pé atrás de outra besta. Em vez disso, teria amaldiçoado os Capuletto, teria dito que seu pai — aquele sim, um homem de verdade — é quem tinha razão, que aquela raça tinha sangue ruim.

Mas foi justamente isso o que Moema fez, abandonar-se quando percebeu que seu amor jamais seria. E mesmo nesse momento ela não desistiu, simplesmente: até o fim ela foi em busca do homem que amava e àquela altura não mais por ele, mas por ela mesma. Sabia que a caravela não iria parar porque ela nadava atrás de Diogo, sabia que os homens em terra, incapazes de compreender o amor tão grande que ela sentia e encantados com suas miçangas e espelhos, pouco ligavam para seu destino. Mesmo assim, Moema nadou.

E um cínico, coitado, diria que ambas não passaram de otárias.

6 thoughts on “Moema

  1. Bom, quanto a sua teoria de que a visão deturpada e masoquista dos poetas imortalizaram aquelas da laia da Julieta, posso contribuir recordando que a história é apenas um registro parcial sob o ponto de vista de quem a testemunha. Já imaginou quantas histórias picantes e interessantes deveriam rolar naqueles castelos, em um tempo em que televisão, rádio e revistas ainda nem tinham sido inventadas?
    Ciao.

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