A primeira vez que vi Vanusa Spindler

O Ina me pede para falar das cinco capas inesquecíveis da Playboy.

Eu não sou exatamente um leitor da Playboy. E se fosse, preferiria a americana, com uma posição política clara e um certo engajamento social, dentro do contexto americano, que falta à versão nacional, periódico vagabundo que finge ser revista para gente fina quando não passa muito de material para punheteiros.

Cinco capas inesquecíveis, portanto, talvez seja algo que não dê para lembrar. Mas há uma, uma só, que não me sai da cabeça, nunca saiu, uma tão preciosa que mesmo hoje ainda lembro da primeira vez em que a vi. O tempo não parou — são quase 20 anos –, e a lembrança não passou, sequer ficou mais pálida. Epifanias não são algo muito comum na vida da gente.

Ainda lembro da primeira vez que vi Vanusa Spindler. 1989, primeiro semestre — olhar a capa agora me aviva a memória, era junho, aquele mês de luz suave e ar fresco. Eu vinha andando pelo Campo Grande, quase em frente ao teatro Castro Alves, vindo da Vitória e indo em direção ao Forte de São Pedro. Então tive uma visão, numa banca de jornal.

Ela estava lá, de semi-perfil, mas olhando para mim — ou assim queriam que eu acreditasse, e eu acreditei; acreditei em tantas coisas naquela manhã. Vestia um macacão vermelho de corrida de carros — eu lembrava dela com macacão vermelho, e é assim que ela vai permanecer –, aberto o suficiente para deixar seus seios à mostra.

Ver os seios de Vanusa Spindler pela primeira vez é como ver o mar pela primeira vez, é como ver o Rio de Janeiro pela primeira vez, é como ter bebido leite azedo a vida inteira e só então descobrir o mel. É como dar o primeiro beijo, é quase como saber, pela primeira vez, o que é estar dentro de uma mulher.

Com Vanusa Spindler uma geração inteira descobria que a perfeição existe e é possível.

Me apaixonei, perdidamente, irrecuperavelmente. Vanusa — antes um nome tão feio, mas de repente um som angelical que fazia promessas que deveriam ser sempre cumpridas, como aquele sorriso que ela dava para mim. Eu comprei aquela revista. E se a capa era apaixonante, as fotos no miolo eram daquelas que definem uma vida.

Não eram só os seios da Vanusa Spindler. Havia mais, muito mais. A boca, os pêlos — ah, os pêlos –, tudo naquelas fotos evocava dias e noites trancados, isolados do mundo, ela vestida com a sua maior camisa, que nela chegava aos joelhos, e acordando com a cabeça coberta por causa do frio do ar-condicionado; ou sentada na beira do sofá, quase caindo — há tantas imagens que podem ser lembradas agora, depois que 20 anos se passaram. A Vanusa lhe fazia imaginar coisas que você procuraria pelo resto da vida.

Mas isso foi há quase 20 anos. São essas duas décadas que me fazem ter uma certeza: eu não gostaria de ver a Vanusa Spindler novamente. 20 anos, quase, costumam ser cruéis para seios — mas são violentamente sádicos com seios que só existem assim, como quimera, como um ideal platônico inalcançável; é a inveja que o tempo sente de sua beleza arredondada e firme. E quando ele implica com algo como os seios da Vanusa Spindler, supernovas que por definição brilham incomparavelmente por um átimo e se apagam para nunca mais, então o seu trabalho mesquinho é ainda mais perverso. Supernovas cegam, e é essa cegueira que me faz ter certeza de que não, eu não quero ver o que o tempo trouxe para essa mulher, tenha sido ele bom ou malvado.

Tudo isso para não esquecer da primeira vez que vi Vanusa Spindler.

Republicado em 03 de setembro de 2010

Últimas notícias do .cu

Depois de ser gentilmente convocado a se retirar de Cuba, Alex viu que estava com problemas sérios. Seu .cu, tão útil até então, não servia para mais nada. Ele não tinha dinheiro para ir embora, não podia pegar um avião, sequer carona em um cruzeiro.

Em compensação, assim que a notícia de que ele tinha sido mandado embora do país começou a circular, dissidentes cubanos viram no Alex sua chance de fugir para Miami. Choveram convites para que o Alex os acompanhasse em suas embarcações improvisadas rumo à Flórida. Miami, para quem não sabe, é o grande sonho dos cubanos. Maior até que para os muambeiros brasileiros de classe média. Com a garantia de que ninguém tentaria segurar o Alex, a sua companhia passou a ser extremamente desejada. Ele era um salvo-conduto para todos.

O Alex demorou a se decidir, mas as crises de abstinência dos mata-ratos de 8 centavos o pressionaram. Finalmente aceitou a oferta do santero que o havia traído: o macumbeiro tinha caído em desgraça ante o regime por não conseguir encontrar um chupador de pés para salvar Fidel Castro que, coitado, agonizava enquanto babava o seu charuto de maconha.

Ao chegar à praia, Alex ficou impressionado com o barco improvisado pelo santero. Era um velho Studebaker 1956 sobre câmaras de ar de pneus de caminhão, que garantiriam sua flutuação. Como vela, uma colcha vermelha bordada com a cara do Che. E um pequeno motor, que antigamente movia uma máquina de caldo de cana.

Além deles, outras 14 pessoas seguiriam naquele barco rumo ao sonho americano e ao sub-emprego cucaracho.

Milhares de cubanos, que já conheciam a fama de Alejandro Cruz y Almeida, El Boquita de Oro, se amontoavam na praia. Queriam se despedir da lenda boqueteira. Brandiam bandeirinhas vermelhas com o rosto de Che. Até mesmo o negão que protagonizou com o Alex o mal-entendido do primeiro e-mail apareceu: “¡Alex, deja tu .cu conmigo!”; mas o .cu do Alex já tinha sido confiscado pelas autoridades, estava gasto, não prestava para mais nada.

Os exilados já se afastavam da praia quando Raúl Castro apareceu correndo, botando os bofes para fora. “¡Joder! Que me esperen por favor! ¡Dejen que yo me vaya con ustedes!”

Os fugitivos ficaram com medo e pararam.

“Acaso no sabeis que há pasado. Fidel está muy mejor, así, de golpe. Allaran a una jinetera, una amiga del Alex, que le chupo los pies con mucho gusto. Así que cuando se puso mejor, lo primer que hizo ha sido mandar a matar la desdichada de mi mujer. Pobrecita, Vilma. Pero no pasa nada, ella estaba toda estropeada. Entonces que Fidel me ha dicho: ‘¿Sabes porque te vas a ser siempre el segundo, come mierda? Porque no tienes cojonnes para hacer lo que debe ser hecho. No tienes cojones, puto cabrón. Yo si, te teria matado, acaso estuvieras tal como yo, en la cama. Pero no mataste, ahora te toca a ti irte de Cuba como en 24 horas, o entonces te mandaré al paredón.’ ¡Por favor, ayudenme!”

Havia algo de generoso, de altruísta naquele grupo de dissidentes maltrapilhos. Aquele era o homem que os havia perseguido; mas deram a mão a ele.

“Tienes um charuto?”, perguntou o Raúl.

Ao ouvir essas palavras o Alex surtou. Fazia dois dias que não fumava os estoura-peitos de 8 centavos. Avançou para quebrar a cara do Raúl.

“¡Hijo, no hagas eso!”

“Tu hijo um carajo, viadón! Segundón! Segundón!”

O barco, obra-prima da engenharia americana d’antanho combinada à criatividade cubana d’agora, zarpou. A previsão meteorológica para aqueles dias anunciava tempo bom, quase uma calmaria cabraliana. Mas no fim da tarde daquele primeiro dia um furacão se abateu sobre eles como um soneto de Vinícius: de repente, não mais que de repente. Era o Katrina, com saudades do Alex. A colcha bordada com a cara do Che saiu voando em direção a Cuba. Os passageiros se seguraram como puderam. E tão rápido quanto chegou, Katrina se afastou, moça volúvel e intensa.

O barco estava à deriva.

Dois, três dias se passaram. O fantasma de Cabrera Infante começou a aparecer para o Alex. O último taco foi dividido por 17 pessoas. A morte lenta se aproximava.

Talvez nem tão lenta assim. No horizonte apareceu um barco da Marinha cubana. Os exilados se apavoraram. “Vamos morrer!”, gritaram — como se o prognóstico anterior fosse melhor. O barco se aproximou e, em um megafone, um policial costeiro avisou:

“Hemos venido coger a Raúl Castro. Fidel le ha perdonado.”

“¿Que va a pasar a los demás? ¿Nos llevarán hasta Miami? Volver a Cuba todavia nos parece mejor que volvernos comida de tiburones.”

“Ustedes a la mierda.”

E foram embora. O Alex, desesperado, tentou uma última cartada: “Papá! Papá Raúl! No mi esquieça! Yo soy tu hijo, lembra? Yo te amo, papazito Raúl!” Do barco, coberto por um cobertor vermelho bordado com a cara do Che e fumando um Romeo y Julieta, Raúl não falou nada. Mas deu uma banana para o Alex.

A calmaria se prolongou por dias. Sem saber onde estavam, os exilados começaram a delirar. Dois se mataram a mordidas, um achando que o outro era um frango assado. Outro se jogou no mar para pegar um peixe e foi comido pelos tubarões. O Alex já não via o fantasma do Cabrera Infante; agora era o Pedro Juan Gutierrez, que lhe aparecia à noite e dizia palavrões ao seu ouvido.

Na sétima noite, esgotados, todos dormiram. Menos o santero. Ele resolveu pedir as boas graças dos orixás e começou a fazer um despacho no barco. Mas não tinha bode, não tinha galinha, não tinha sequer mungunzá para oferecer a Oxalá; então acendeu uma vela.

O Alex não sabe direito, mas parece que a vela caiu e furou uma das bóias de câmara de ar de caminhão. Com o peso excessivo, outra estourou, iniciando uma reação em cadeia; e o velho Studebaker 1956 começou a afundar.

De início o Alex se segurou em um exemplar de “O Estado e a Revolução”, de Lênin; o Ladrão Boliviano usou “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, de Engels; o santero boiava e rezava para Iemanjá. As correntes foram afastando uns dos outros, e quando o Alex se deu conta, perto dele só estava o Ladrão Boliviano.

O Alex não se entregaria. E começou a nadar em direção ao oeste, seguido pelo seu amigo de Guantánamo.

Foi quando um tubarão arrancou as pernas do Ladrão Boliviano. Mesmo assim ele continuou nadando em direção à liberdade. Veio outro tubarão e arrancou os braços do coitado, que a partir daquele momento jamais voltaria a bater carteiras. Levaria o braço à testa, se braço ainda houvesse, e disse:

“Vete Alex, salvate! ¡Me muero! No mires hacia trás. ¡Pero vertas una lagrimita por mi cuando mirar a un niño golfo robando a una viejita!” E começou a afundar.

Mas o Alex não deixaria o Ladrão Boliviano. Outro deixaria, tentaria se salvar. Mas não o Alex. Nunca. Tantas lembranças das noites passadas em Guantánamo. E por isso, mesmo sabendo que ainda havia milhas a vencer, que a jornada seria árdua e quase impossível, ele foi forte: “Se segura em mí, amigo, y yo te levaré à libertad!”.

O Alex nadou. Nadou além de suas últimas forças com os tubarões atrás, atiçados pelo sangue na água. Estava prestes a desistir, já tinha abandonado as esperanças de voltar a ver o Oliver, quando viu a costa. E de algum lugar, talvez das lembranças dos pés chupados ao longo de 30 anos, conseguiu forças para salvar a si e ao Ladrão Boliviano.

Chegaram à praia.

O Alex, extenuado, disse: “Guapo, estoy fodido”. O Ladrão Boliviano começou a chorar. “Desculpame, Alex, pero no habia outra manera de cogerte.”

O Alex não ligou. Olhou em volta para ver onde estavam: umas cabanas de pescadores, apenas. “Nossa, Miami é uma bosta”, pensou. Já se preparava para desmaiar de cansaço quando viu policiais mexicanos se aproximando. Eles estavam no México. Seriam salvos. Mas sabia que desde que o Fox virou presidente os mexicanos olham enviesado para os cubanos. Então fez um apelo: “Yo soy brasileño!”, para garantir que não seria mandado de volta para Havana.

Os policiais mexicanos começaram a chutar a cara do Alex. “Brasileño de mierda, no les queremos aqui! ¡Desgraciados! Ustedes vienen y quitan todos los trabajos de nuestros inmigrantes ilegales. Por su culpa, miles de mexicanos no pueden ser busboys en EUA y llevan una vida de miséria aqui. Brasileños jodidos. No saben nada de lo que tenemos que pasar por su culpa. ¡Necesitamos el dinero norte americano, hijos de puta!”

Foi quando um deles reconheceu: “¡Callate! Que estás hablando con el Boquita de Oro!” A fama do Alex já tinha atravessado o golfo e chegado à terra da tortilla. E então os policiais fizeram fila e deram os pés para o Alex lamber.

Com os beiços inchados e ensangüentados, o Alex caiu de boca nos pés calejados dos policiais ali mesmo, na praia, sob o murmurejar suave das ondas.

Sangue, areia e chulé. O Alex nunca tinha feito algo parecido, e aquelas sensações novas invadiram o seu corpo. Ele se sentia Tyrone Power cortejando Rita Hayworth, ou vice-versa, e ficou excitado. Os mexicanos notaram o aumento do volume nas calças do Alex e, incomodados, deram-lhe um chute no saco e uma coronhada na cabeça. Mas o Alex estava enlouquecido; e chupava seus pés com a fúria e o abandono dos amantes que sabem que aquela é a última vez. Ele sabia que ia morrer, e agradecia aos deuses dos pés pela morte linda que lhe fora concedida.

Mas chegou a hora de colocar nesta história um deus ex-machina, que deveria ter aparecido no e-mail anterior mas faltou porque tinha dançado salsa até amanhecer. Agentes da polícia secreta cubana (os originais, aqueles com uma vasta pentelheira) chegaram e mataram os policiais mexicanos. Alex Castro não podia morrer ao fugir de Cuba. Seria má propaganda para o regime. Os sujeitos pegaram o Alex e o Ladrão Boliviano, levaram-nos para um hotel vagabundo em Monterrey e desapareceram, que um deus ex-machina não pode ficar no mesmo lugar por muito tempo.

Bem, é isso. O e-mail do Alex termina aí. Ele está no México, e está bem. Volta para o Brasil em poucos dias. Disse que o Ladrão Boliviano está se recuperando, e pretende ficar em Mérida: já recebeu uma proposta de emprego em um campeonato anual de arremesso de anões — foi criada uma categoria especial para ele, a categoria “cotocos”. Mas chora sempre que lembra que breve chegará o dia em que terá que se separar do seu amigo brasileiro. O Alex também ouviu falar da jinetera. Depois de lamber o pé monstruoso e salvar a vida de Fidel, ela agora está por cima da carne seca. Não bate mais calçada, e sua grande diversão é sair à noite pelas ruas de Cuba em seu novo Packard 1948 e cuspir na cabeça das outras jineteras. Quanto ao santero que o dedurou, conseguiu se salvar apesar de Iemanjá tê-lo mandado à merda; hoje é pastor da Universal, e segundo as más línguas do Malecón — que ainda é conhecido por Maricón, graças ao Alex — é servido todas as noites por aquele grupo de presos que tentou currar o nosso herói. É um homem feliz. E o Raúl, o pai putativo do Alex, continua presente às solenidades oficiais, sempre dois passos atrás de Fidel, cuja morte espera com um misto de ansiedade e tristeza.

As pessoas em Cuba, nas noites quentes de verão, sentam na amurada diante da praia de Varadero e lembram os bons tempos de Alejandro Cruz y Almeida, El Boquita de Oro. Contam histórias que presenciaram e histórias de que apenas ouviram falar. A lenda cresce a cada dia, fica mais rica, peripatética, e detalhes são criados a cada nova noite em que, com seus charutos de um peso, os cubanos se reúnem para rememorar a espantosa saga de Alex. Todos hoje conhecem as histórias do grande Alejandro, como conhecem o navegar intrépido do Granma; o seu duelo com Fidel, a forma como nadou até Miami com cinco aleijados engatados em seu rabo, o dia em que chupou os pés de 5 mil pessoas em uma hora, a rebelião que comandou em Sierra Maestra, o modo como renegou seu pai Raúl Castro e adotou um novo nome para lutar pelo socialismo. Nos terreiros de santería derramam rum para Alejandro antes de Exu; e falam do seu .cu mágico. Uns dizem que ele desapareceu no ar, durante o legendário duelo com Fidel, mas que voltará à frente de um exército de chupadores de pé quando chegar a hora de levar Cuba de volta ao socialismo. Alejandro Cruz y Almeida é hoje um herói nacional, como o Che foi um dia. Cuba hoje está coberta de colchas vermelhas bordadas com a cara do Alex; ele trouxe de volta o espírito da revolução, quando bandeiras rubro-negras tremulavam em cada casa, comemorando a conquista da dignidade. Estão pensando até em mudar o nome da Biblioteca José Martí para Biblioteca Nacional Alequito Boca de Oro. Assim que Fidel morrer.

Mas para mim, que contei a sua história tal como me foi relatada por ele mesmo — sem aumentar ou diminuir, que licença poética é dispensada por tão bela e educativa história —, não sobrou nada. O filho da puta não trouxe mesmo a porra do meu Cohiba.

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Republicado em 30 de agosto de 2010

Uma resposta, finalmente

Há na vida alguns mistérios sem resposta, aquelas perguntas que nos fazemos há tantos séculos e que ainda não conseguimos responder. De onde viemos? Quem somos nós? Qual piteco é o elo perdido? O que é a física quântica? Há vida fora deste planeta? Deus existe? O que havia antes do Big Bang? Jesus Cristo era superstar?

Mas o mais insolúvel dos mistérios mais insolúveis diz respeito a uma coisa pequena, que só a rarefação da cultura pop pode sustentar.

Por que super-heróis usam aquelas roupas espalhafatosas de lycra? O que os faz sair assim, no meio da rua e sob a vista das gentes, com uma malha mais ridícula que as calças xadrez de que artistas tanto gostam? Por que um sujeito, que graças ao sol amarelo é um semi-deus, insiste em usar a cueca (vermelha, ainda por cima) sobre as calças?

De onde vem essa sexualidade dúbia que permeia os justiceiros mascarados? Por que o Batman ceva o Robin (e quando ele cresce, é imediatamente trocado por um mais novo)? Por que as capas esvoaçantes nas noites escuras, como Clóvis Bornay vestindo “Delírio de Afrodite em Casbah” em noite de carnaval?

Essas perguntas finalmente têm resposta. Super-heróis foram crianças vítimas de abuso sexual, como o Homem-Aranha.

Quando a brincadeira fica séria demais

Pelo que tenho visto ultimamente, a blogoseira brasileira andou assustada com o plágio. Isso acontece.

É compreensível que as pessoas fiquem irritadas quando são plagiadas. Ninguém gosta de ser copiado. Algumas pessoas, como a normalmente doce Sandra, sentem como se tivessem sido roubadas. É compreensível: as pessoas têm todo o direito de se chatear quando vêem um texto seu assinado por outra pessoa. Mas quando vi o Allan, um dos blogueiros mais zen que leio, ficar puto por causa de um plágio desses, fiquei com a impressão de que todo mundo está levando a sério demais a brincadeira.

Não sei o quanto este blog é plagiado, se é que é. Acho bem improvável. De qualquer forma, não procuro saber. Não me interessa. Preferiria que as pessoas simplesmente copiassem os textos que querem e dessem o crédito, claro. Mas se não dão, eu não vou perder o sono por isso.

É bem provável que alguém já tenha utilizado, ipsis literis, algum texto daqui em algum trabalho de colégio. Há alguns indícios, como gente procurando no Google frases inteiras que só existem aqui; normalmente são professores corrigindo os trabalhos dos alunos. Além disso, é impressionante o número de pessoas que deixam comentários em posts como este achando que eu, um vagabundo por natureza e um debochado por formação, entendo alguma coisa da psicologia dos contos de fadas. Pessoas vêm parar no blog atrás de resumos para “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”; espero, sinceramente, que copiem o resumo que coloquei aqui e o apresentem sem mudar uma vírgula ao professor; é o meu lado meio sádico. Mas se alguém encontrou aqui subsídios para um trabalho escolar, eu fiz um favor à humanidade. Não tenho feito muitos, e essa ajudinha vai ser o meu argumento na hora de discutir com o sacana do São Pedro. Talvez por isso goste de saber que o blog é citado em um ou dois verbetes da Wikipedia e em um trabalho sobre hipocrisia de um professor de filosofia. Eu me sinto quase chique.

Mas se me plagiarem, o que posso fazer? Processar? Eu não ligo tanto assim para esta bodega. Esses textos são publicados aqui por uma única razão: eu gosto que leiam. Ou seja, gosto de escrever e gosto dos comentários (quer dizer, dos elogios). Só isso. Eu não vou ficar policiando a internet atrás de um bobo que queria ter escrito algo que escrevi. Prefiro tomar como elogio. Alguém neste mundo acha que escrevo bem o suficiente para que ele aponha seu nome em vez do meu; isso me lisonjeia. É como eu querendo ser Christopher Reeve aos 8 anos de idade. O plágio me torna o Superman. De maneira torta e idiota, eu sei, mas é melhor que nada. Além disso, tentar coibir um eventual plágio daria trabalho. Eu não conseguiria registrar cada texto que posto aqui na Biblioteca Nacional, para ter uma justificativa jurídica. Até porque a grande maioria deles não vale nada. E ainda que valesse, ia perder a graça da brincadeira.

(Traduzindo: um ego do tamanho do meu é a receita para a paz mundial.)

Além disso, há uma consideração de ordem ética. Este blog tem alguns milhares de leitores por dia. Seria perda de tempo ficar preocupado porque um menino de 13 anos, que escreve um blog para os seus 10 colegas de escola, publicou um texto meu e disse que era seu. Até parece que ninguém, ainda aprendiz de cafajeste, recitou um poema obscuro de, sei lá, Vinícius de Moraes e omitiu a autoria só para tentar comer alguém. Ou seja: não sei em que isso vai mudar minha vida. Não sei, mesmo; então é melhor encarar tudo como uma justa retribuição. Se este blog, algum dia, contribuiu para que alguém comesse alguém, então essa ajudinha será o meu argumento na hora de discutir com o sacana do Belzebu.

A única coisa que me deixa realmente puto nas calças é o hotlinking, a prática de mostrar um arquivo no seu blog (geralmente uma foto) com ele hospedado em outro. Eu pago pelo tráfego neste blog. Dinheiro custa caro. O resto é resto. It’s only rock and roll, já dizia o pai do Lucas.

No fim das contas, ser plagiado é muito melhor que a triste sina destinada a Luís Fernando Veríssimo e Mário Quintana. Coitados: obrigados, à revelia, a assinar um bocado de lixo que circula pelos e-mails deste mundo.

Republicado em 01 de setembro de 2010

Outras notícias do .cu

Graças a Deus o Alex conseguiu mandar um novo e-mail. Desta vez subornou o guarda de maneira simples: ele dá o seu .cu para o guarda (que com o .cu do Alex pode acessar sites de putaria e agências de jineteras; como turista, o Alex tem um .cu privilegiado), e em troca ganha 15 minutos de acesso.

Ao contrário do que muita gente achou — e, confesso, eu também —, o Alex não foi currado pelo grupo de presos que o cercou. Imaginariam os mais incautos que um deus ex-machina o salvou: um raio, um terremoto, o fantasma do renegado Kautsky; todos esses errariam, porque cometeriam um pecado que não se deve cometer: subestimar a capacidade de sobrevivência de Alex Castro.

Quando se viu cercado pelo grupo de cubanos sodomitas o Alex, macaco velho nessas coisas de putaria, resolveu tomar a iniciativa. Se jogou no chão e começou a chupar seus pés.

É preciso conhecer a tradição católica da ilha para entender a força psicológica da ação do Alex. Podofilia não atende aos critérios reprodutivos da Santa Madre. Mas tampouco se deve esquecer a tradição afro-cubana: há naquelas plagas um tal Exu Chupa-Pé, mil vezes pior que o nosso Exu Tranca-Rua, que traz azar eterno a todos aqueles cujos pés lambe. Ao ver aquele insano babando seus pés de maneira furiosa (e competente, nunca é demais lembrar), os presos medraram. Saíram correndo e, ao que parece, entraram na Igreja Universal do Reino de Deus logo em seguida.

“Esses cubanos não sabem brincar”, pensou o Alex, enquanto limpava a boca.

Ele foi colocado numa cela com um Ladrão Boliviano. Não fala muito sobre o seu companheiro de infortúnio, mas diz que em poucos dias ele se tornou seu amigo íntimo. O Ladrão Boliviano tinha fugido de Santa Cruz de La Sierra depois de passar o “Boa Noite, Cinderela” no ministro dos hidrocarbonetos. Evo Morales não gostou e, depois de uma conversa com Fidel, mandou o Ladrão Boliviano para Guantánamo.

O primeiro contato dos dois, no entanto, não foi dos mais amistosos. O Ladrão Boliviano olhava fixamente o Alex, que se incomodou: “Estoy cagado? Estoy mijado? Por que me ojas así, viadón?” Mas o Ladrão Boliviano era boa gente, uma espécie de Jean Genet do Cone Sul, e as afinidades logo surgiram entre os dois.

Mas a amizade com o bom Ladrão Boliviano não impediu que o Alex se sentisse desamparado, triste e assustado. Ele estava num país estranho, preso, sentindo a falta do Oliver. Daí para começar a ver coisas foi um pulo. O fantasma de Cabrera Infante, por exemplo, era uma aparição constante para o Alex, que insone ouvia o Ladrão Boliviano ressonar ao seu lado. O Cabrera vinha sempre da mesma forma: sentava no catre do Alex, olhava fixo para ele e repetia: “Tres tristes tigres tragaban trigo en un trigal. Tras tus tres tristes tigres que triste estás Trinidad. El amor es una locura que solo el cura lo cura, pero el cura que lo cura comete una gran locura.”. E nada mais era dito pelo triste Infante.

Prestes a enlouquecer, o Alex começou a bater a cabeça nas grades, e foi parar na enfermaria. Foi a única parte da prisão construída pela CIA, o que quer dizer que era tão mal feita que sequer tinha grades. E à noite, invariavelmente, os guardas e as enfermeiras participavam de orgias homéricas regadas a santería, com bodes sacrificados e tudo. Foi quando o Alex percebeu que poderia fugir dali. Mas não fugiria sozinho: seria incapaz de deixar o Ladrão Boliviano para trás. Na memória trazia ainda a maneira como tinha abandonado o Oliver em New Orleans; sua sorte é que o cachorro cor de nescau — mas que ele diz ser champanhe — apareceu boiando no Golfo do México, levado pelo Katrina.

O Alex criou um plano simples, mas eficiente. Primeiro foi trabalhar na lavanderia, de onde desviava as cuecas usadas dos presos. Depois, na hora do banho de sol, ele e o Ladrão Boliviano fingiram uma briga e foram mandados para a enfermaria. À noite, quando a bacanal começou, eles simplesmente fizeram uma teresa com as cuecas malcheirosas e desceram pela janela. As cuecas sebosas e com cheiro esquisito ajudaram nessa tarefa: tão gordurosas e melecadas que eles simplesmente escorregavam por elas. Com o rosto encostado nas cuecas emporcalhadas, o Alex suspirou: “Ah, o doce perfume da liberdade”. Chegaram ao chão e saíram andando despreocupadamente.

Agora clandestinos, se esconderam em um daqueles prédios que, como ainda não foram tombados pelo Iphan deles, vão acabar tombando no chão qualquer dia desses. Para sustentá-los, o Ladrão Boliviano passou a tentar aplicar o “Boa Noite, Cinderela” nos cubanos de boa fé, mas aqueles coitados eram tão pobres que tinha dia em que o Ladrão Boliviano voltava para casa com meio pedaço de pão e um rolete de cana, para serem divididos entre os dois.

Então o Alex resolveu tomar uma atitude. Sua crise de abstinência dos mata-ratos de 8 centavos chegava ao limite. A fome trazia o fantasma de Cabrera Infante toda noite, e em seus pesadelos ele era atacado por revoadas de charutões de um peso.

E assim foi o Alex para o Malecón, bater calçada. Colocou uma roupa branca de traficante cubano de Miami — calça e paletó de linho branco, chapéu, camiseta preta e um medalhão que diz “I love my dog”. De peito aberto, caiu no mundo torpe da prostituição.

O que o Alex sentia, confessa, era uma mistura de medo e excitação. Ele nunca tinha feitos essas coisas por dinheiro; agora fazer a vida era uma necessidade. Uma de suas primeiras providências tinha sido abandonar o seu nome de batismo por um nome de guerra, que não ficaria bem ver o nome de um escritor achincalhado no cotidiano das falenas. Tentou lembrar do nome do personagem de Al Pacino em Scarface, mas não conseguiu. Então teve uma idéia: se chamaria, novamente, Alexandre Cruz Almeida. Mas esse nome precisava de um molho cubano: e assim o mundo viu o nascimento de Alejandro Cruz y Almeida.

Aquela era sua primeira noite como profissional do sexo. Longe iam os dias em que o Alex era um acadêmico sério, envolvido com pesquisas sobre romances do século XX, sobre Cecilia Valdez e quetais. Agora ele estava na boca do lixo, com uma navalha no bolso para o caso de encontrar um caloteiro safado. Vendia seu corpo para poder entrar na fila do charuto.

“Chupo-le los pies toditos.”

Ah, ninguém pode imaginar o sucesso que o Alex fez na velha Cuba. Em poucos dias, todo o demi-monde sabia quem era Alejandro, El Boquita de Oro. As putas olhavam para ele com inveja e despeito; filas se formavam na esquina onde ele fazia ponto, e eram administradas pelo Ladrão Boliviano. Não era, entretanto, uma vida maravilhosa. De vez em quando o Alex tinha que pagar propina para policiais corruptos: e a moeda de troca era o sexo, ou melhor, o boquete pedicular. Nesses momentos o Alex se sentia degradado, violado, acocorado em vielas escuras caindo de boca nos pés chatos de policiais que não sabiam apreciar, a contento, os seus talentos únicos.

Dos outros ele não conta muitos detalhes. Aqueles homens suados e fortes eram indistintos, um cliente sucedendo o outro. Contou apenas um caso, em que um sujeito o levou para um quarto de hotel caindo aos pedaços; na janela, fazendo as vezes de cortina, uma colcha bordada com a cara do Che. Mas em vez de pedir para que o Alejandro lhe lambesse os pés, pediu para que ele caísse de boca em um charuto enorme que ele lhe mostrou — não um daqueles charutos de um peso pelos quais o Alex agora vendia seu corpo, mas um Arturo Fuente dominicano. E enquanto ele, bom profissional que é, mostrava seus dons no charuto, o cliente gritava, ofegante:

“Llámame de cerdo capitalista! Llámame Bill Clinton, dime que eres mi practicante, perro!”

No meio desse espetáculo lewinskiano, a porta do rendez-vous foi arrombada por dois homens sem barba. O Alex perdeu a paciência:

“Já sé, já sé, caray. Policia secreta de Fidel. Puerra, de nuevo? Muestra los pentellos.”

Os sujeitos baixaram as calças. Glabros.

“Ahora muestra la bunda.”

Viraram de costas e se abaixaram. Imberbes.

“Puta de la madre que los pare, esto já me está enchendo el saco! Quien son ustedes?”

Os agentes tiraram os sapatos. Seus pés tinham peitos cabeludos e tufos enormes de pelo nas falanges.

“Nosotros somos de la nueva división Alex Castro de chupadores de pies. Estás invitado a irte del país. Te hemos recibido con todo lo de nuestra madre Cuba — y por encima usted has hecho lo que has hecho con nosotros, cerdo capitalista!”

“Pero esto o que, hijo de Dios? ”

“Ahora haces dumping con nuestras jineteras, coño. Eso es una competéncia desleal. Sabes que nuestras putas no chuparian los pies de sus clientes jamás. Ellas tienen una distinción profesional. Y tú qué? Lo haces para gañar un peso o fumar un tabaco de miseria. Quieres quitarles el pan y todo lo nuestro. Sabes como llaman al Malecón ahora? El Maricón. Por tu culpa, hijo de puta. Sabes que cuándo Bush se va a oler una línea de coca se ríe de nosostros? ‘No me toca invadir a Cuba porque iba a ser una humillación tomar a un país de mierda que por encima tiene un jinetero llupador de pies que se parece a un héroe nacional’, es lo que habla de nosostros. No hace falta que te quedes aqui, Alex Castro. Tienes como dos dias para irte. De otra manera vas a conocer nuestro paredón.”

Agora estou preocupado. O Alex não mandou mais respostas aos meus e-mails. Não sei se ele está morto ou vivo. E se o filho da puta estiver morto, aí é que ele não traz mesmo a porra do meu Cohiba.

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Republicado em 28 de agosto de 2010

Pequeno guia amoroso de Aracaju (I)

O Brisa do Rio é um restaurante que me foi apresentado este ano. Foi uma das boas surpresas que eu tive; eu conhecia o restaurante que fica ao lado, mas não esse. Fica no Bairro Industrial, margem direita do rio Sergipe, zona norte de Aracaju. O Brisa do Rio tem um peixe e um pirão invejáveis. E uma pimenta que faz frente à do Iemanjá, em Salvador.

Seus atrativos culinários são suficientes para que, em defesa do conforto e da compostura do local, a gerência coloque um aviso para que as pessoas não se excedam quando começa a música ao vivo, aí pelo final da tarde.

O banheiro, no entanto, não está no mesmo nível do peixe. Em toda a minha vida, eu nunca tinha visto um banheiro assim.

Mas a vista compensa qualquer coisa.