Idiotas e fascistóides

Há alguns dias, dei neste blog minha opinião sobre a Rolling Stone brasileira.

Eu tinha achado a revista fraca (o Bia diz que o segundo número está melhor). E entre todas as matérias, tinha gostado especialmente pouco de uma assinada por um sujeito chamado Ricardo Soares. Quando uma matéria sobre um assunto aparentemente sério tem quatro páginas, mas apenas uma de texto, há algo errado. É como uma mulher muito feia excessivamente maquiada.

Ontem alguém que diz ser o próprio Ricardo Soares resolveu se manifestar, num comentário que pelo linguajar foi bloqueado (não custaria a ele ler o aviso na caixa de comentários; fosse mais inteligente e esse rapaz poderia dizer as mesmas coisas com outras palavras, e por uma questão ética — eu o citei originalmente — eu seria obrigado a publicar os xingamentos), mas que achei interessante e resolvi publicar:

Cara , esse teu comentário revela uma indigência mental alarmante… como já disse um leitor seu por aqui vc é um idiota completo…irrecuperável, fascistoíde e rancoroso… não entende português básico…o que tem a ver meu raciocínio com classe média e Jornal Nacional… que ignorante que vc é…

Se esse Ricardo, seja ou não o original, não sabe o que tem a ver o raciocínio primário de “ah, nenhum político presta” com classe média e Jornal Nacional, então não sou eu que vou conseguir explicar. Eu sou mentalmente indigente, e ele deve ter esquecido disso momentaneamente.

Sem contar outros adjetivos que o Ricardo não deve ter aprendido na faculdade, ele apela para um argumento fácil, que chega a envergonhar de tão inane: “fascistóide”. Jornalista sem muitos recursos faz isso: sempre acha uma maneira de falar em fascismo, mesmo que não se aplique. Se alguém descobrir por que o comentário feito em um blog qualquer sobre um artigo medíocre numa grande revista de circulação nacional é fascistóide, eu agradeceria. Ele deve ter visto mais do que eu vi. Eu pensava que era só uma opinião rasteira, dada en passant — até porque o artigo, cá entre nós, não valia lá uma grande análise.

Mas no fim das contas, o que o Ricardo Soares quis dizer foi o seguinte: se você não concorda comigo, então você é um idiota.

Logo, pelo raciocínio opulento (opulento é antônimo de indigente; precisei procurar no Houaiss, claro) do Ricardo, pelo menos desse Ricardo que deixou o comentário no meu blog, ele não é um idiota. Pelo raciocínio dele.

Que nem maré

Prestando atenção, pela primeira vez, à letra de “Que Nem Maré”, de Jorge Vercilo (na verdade eu pensei que fosse Djavan; só descobri que era Vercilo quando fui procurar a letra no Google).

A saudade bateu foi que nem maré
Quando vem de repente de tarde

O SNAPLE — Serviço Nacional de Proteção Contra Letras Estúpidas presta agora um serviço de utilidade pública e informa, a todos os interessados, a tábua de marés para hoje, 29 de novembro, em Pernambuco.

Quarta-feira, 29/11/06
Hora: 05:17 Altura (m): 0.7
Hora: 11:30 Altura (m): 1.9
Hora: 17:24 Altura (m): 0.6
Hora: 23:34 Altura (m): 1.9

Marés, meu caro, nunca vêm de repente.

A ecologia é nossa amiga

Do blog do José Alberto Farias:

Greenpussy

O Greenpeace abre uma nova frente de batalha, desta vez contra os fabricantes de sex toys (dildos, vibradores etc) que, segundo os líderes do movimento, utilizam produtos tóxicos – há muito proibidos na indústria de brinquedos – como matéria prima, colocando em risco a saúde dos usuários.

Ser ecologicamente correto é cuidar, também, da flora vaginal. Ou você vai querer estragar exatamente este ambiente?

Neura ou não, é melhor prevenir que remediar: coloque uma camisinha no seu vibrador antes de usar.

De volta para casa

Uso o Mozilla Firefox desde as versões 0.qualquer.coisa. É, disparado, o melhor browser disponível no mercado, apesar de alguns problemas — principalmente o jeito como manipula a memória.

Mas demorei a migrar para o cliente de e-mail da Mozilla, o Thunderbird. A razão era simples e tinha um nome: Eudora.

Desde 1996, aquele foi o único programa de e-mail que usei. Foi instalado no meu computador pelo Maurício Vivas, junto com outras peças paleontológicas como o Secret Agent. Free Agent e alguns outros.

O Eudora era um programa fantástico. E para mim, seu grande atributo era a maneira como manipulava arquivos anexados às mensagens. Basicamente, ele separava automaticamente os anexos e os salvava em um diretório qualquer. Assim, mensagens e arquivos eram tratados de forma diferente. Você podia salvar uma mensagem e apagar o anexo, por exemplo.

Isso era muito útil para quem, como eu, costuma guardar suas mensagens e prefere os anexos em outro lugar, eventualmente. Só o Eudora possibilitava essa flexibilidade.

No entanto, ele foi piorando com o tempo. Passou a usar o Internet Explorer para visualizar mensagens em HTML, o que é sempre uma temeridade. E, o mais importante, era um programa comercial. No entanto, ele era tão bom que valia a pena perder algum tempo procurando cracks para ele.

Só mudei para o Thunderbird, em 2004, quando surgiram as soluções para os meus problemas: uma maneira (complicadíssima) de converter meu arquivo de e-mails para o programa da Mozilla e o TB Attachment Tools, que possibilita a separação de arquivos e mensagens e que ainda hoje é muito superior à ferramenta semelhante incluída recentemente no TB.

Não me arrependo. O TB é excelente. E em muitos aspectos, é imensamente superior ao Eudora.

Parece que mais gente foi abandonando o Eudora, assim como eu. Nos últimos anos ele vinha sendo sangrado pelo TB e, principalmente, por aquela gambiarra chamada Outlook Express. Recentemente, também pelo Gmail, provavelmente o melhor webmail já feito até hoje. No fim das contas, as pessoas não tinham mais motivos para continuar pagando pelo Eudora.

E então, no mês passado, a Qualcomm, a dona do Eudora anunciou uma decisão importante.

Ela fez o mais lógico. Cansada de participar de um mercado que provavelmente lhe dava prejuízo e no qual jamais teria alguma chance, pela simples razão de a concorrência ser imbatível porque é gratuita, a Qualcomm abriu o código fonte do Eudora e o passou para a Mozilla, que deve lançar uma nova versão, gratuita e livre, em fevereiro de 2007.

E assim os órfãos do Eudora podem esperar tempos de maravilhas pela frente.

Não é insensato imaginar um Mozilla Eudora que tenha tudo o que as versões anteriores tinham, além de melhorias como arquivos mais facilmente exportáveis e nenhuma sombra do IE. E tudo isso de graça.

Eu sou fã do Thunderbird. É o programa que uso atualmente e recomendo a todos. Mas mesmo assim, eu tenho uma certeza: se o novo Eudora foi minimamente bom, eu vou abandonar o TB. Sem pensar duas vezes.

Eu estou voltando para casa.

Ainda sobre a questão racial

Os comentários ao último post me deram o que pensar.

O Kenji fez um comentário interessante. Na verdade há bons museus afro-brasileiros, como a Casa do Benin, no sopé do Pelourinho. Mas ele tem razão ao dizer que são poucos. E certamente falta divulgação a eles. Preferimos, claro, acorrer em massa a qualquer exposiçãozinha itinerante de quadros de segunda de Renoir, por exemplo.

Já os comentários do MarcosVP me surpreenderam.

Primeiro, porque não dá para comparar a trajetória dos cristãos novos na Península Ibérica com a dos negros no Brasil. Na verdade, não dá sequer para comparar os cristãos novos com os mouros no mesmo lugar. Cristãos novos foram perseguidos, sim; mas o que havia não era preconceito racial, e sim religioso: bastava abjurar o judaísmo e suas vidas estavam resolvidas. Infelizmente, negros não podem trocar de cor. Mouros também não. Além disso, cristãos novos não costumavam ser escravizados em Portugal; mouros, sim. E como aqueles tinham dinheiro, e Portugal sempre foi um Estado mercantil antes de agrário, os “assassinos de Cristo” eram interessantes para o Reino. A verdade é que, embora não tenha sido nenhum passeio, a situação dos judeus e ex-judeus em terras de Portugal e Espanha foi muito mais confortável do que em outros lugares. E eles tiveram um papel importantíssimo na formação do Brasil, graças ao seu espírito empreendedor e à vocação para o comércio.

Quando o assunto é especificamente o Brasil, a coisa piora. Não dá para comparar a trajetória dos negros com a de nenhuma outra etnia aqui. A grande diferença entre africanos e outros imigrantes é que portugueses, alemães, italianos, japoneses vieram para o Brasil seduzidos por promessas de terras, empregos ou simplesmente de uma vida melhor. Os africanos vieram porque alguém os acorrentou e os enfiou no porão de um navio tenebroso, para levar chicotada na lavoura de cana de açúcar. Eles jamais tiveram escolha. E isso faz toda a diferença.

Não é demais lembrar que, no mesmo instante em que libertava de vez os escravos, sem nenhuma compensação porque aqueles crioulinhos deviam se dar por felizes por serem livres, um Brasil recém-reeuropeizado e envergonhado de sua jequice tentava seduzir caucasianos europeus — normalmente camponeses analfabetos — com ofertas de terras. Não interessava que em casos como o de uma colônia de alemães no Recôncavo Baiano a coisa degenerasse ao máximo, ao contrário do que acontecia em tantos quilombos ou em pequenos lotes de terra. Europeus tinham que ser melhores que os nativos. Parece significativo que brasileiros tenham tanto orgulho de carregar sobrenomes italianos ou alemães, quase esquecendo que a maioria esmagadora da emigração para o Brasil era de camponeses semi-analfabetos que fugiam da fome, e despreza sua ascendência negra — mesmo que esses antepassados tenham sido muitas vezes mais letrados que seus donos, e sempre tenham se destacado como artesãos. E esse orgulho da ascendência européia vem, sim, de certo preconceito racial, confessado ou não.

Mas o que me incomoda mais é o argumento de que afinal a escravidão já existia na África, como o Marcos lembrou. É um dos argumentos que me irritam, porque sempre são citados como atenuante da desumanidade brasileira escravista.

Isso permite uma analogia simples. Uma moça é constantemente estuprada. Pela lógica alegada pelo Marcos, isso me dá o direito de estuprá-la também, já que ela era estuprada antes.

O fato é que nada, absolutamente desculpa o fato de que o Brasil importou dezenas de milhões de escravos africanos. Esse argumento sequer deveria ser citado. Se lá havia ou não escravidão, é problema deles. Não se pede reparação para os escravos africanos do Sudão; o problema são os afro-brasileiros.

Além disso, é sempre bom lembrar que historicamente há três coisas em que somos realmente bons, talvez os melhores do mundo: samba, futebol e tráfico de escravos. O Brasil sucedeu Portugal no domínio mercante do Atlântico Sul. E o que mercadejávamos eram africanos.

Quanto aos problemas étnicos na África, tampouco custa lembrar que os maiores responsáveis por isso são — bidu! — os europeus, com sua política canalha de colonização e exploração da África. O Marcos provavelmente não sabe, mas um exemplo perfeito é o Congo. Para explorar borracha e marfim, o rei Leopoldo II, da Bélgica, foi o autor de um dos piores genocídios da história: mais de 30 milhões de mortes em poucas décadas. (O filme Appocalypse Now deriva, no fim das contas, dessa história medonha.) E isso não foi há muito tempo: foi há menos de 100 anos.

A Criss falou sobre as revistas direcionadas ao público negro. Reclamar de uma revista dirigida ao público negro — que não vê, por exemplo, sugestões de cortes de cabelo ou cuidados específicos com a pele nas revistas “comuns” de moda — pode denotar que essa afirmação do valor da etnia negra acaba incomodando ou, pelo menos, chamando a atenção.

Mas ainda que a situação não fosse essa, parem e dêem uma olhada. Vejam quantos negros aparecem nas capas das revistas brasileiras. Isso é fácil de fazer. Basta dar uma olhada superficial na banca da esquina.

Se vamos reclamar da revista Raça Negra, vamos reclamar também das revistas dirigidas a empresários, a advogados, a costureiras. Até uma revista chamada “Sociologia” apareceu nas bancas recentemente, o que para mim é o primeiro anjo tocando sua trombeta para o fim dos tempos.

O fato é que o post, porque faz algumas reparações ao Estatuto da Igualdade Racial, e porque discorda do espírito geral apontado por ele, despertou uma série de comentários curiosos. Do meu ponto de vista, a diferença entre o post e os comentários é que, enquanto o post reconhece o problema racial e social mas discorda de alguns pontos da solução proposta — e acha que essa solução é eminentemente social, e não racial –, a maior parte dos comentários ia de encontro justamente à questão racial.

Como eu disse, dá o que pensar.

Sobre o Estatuto da Igualdade Racial

O Estatuto da Igualdade Racial apresentado pelo senador Paulo Paim mistura bons artigos, que propõem uma maior participação do Estado no incentivo ao fortalecimento da cultura afro-brasileira, como a criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial, com estultícies demagógicas. O resultado é um projeto desigual, que mistura bons artigos com bobagens e redundâncias.

Mas há um aspecto perigoso. Em vários artigos, ele é veladamente racista.

O capítulo sobre saúde, de modo geral, é muito bom. Começa mal, exigindo para a população negra direitos que, pela Constituição, o Estado já tem o dever de oferecer a todos os cidadãos, seja qual for a sua cor. Mas é um dos capítulos mais bem estruturados, com diretrizes administrativas claras e reivindicações justas — como a inclusão de exames de anemia e do traço falciforme pelo SUS.

Enquanto isso, o capítulo sobre educação e lazer se divide entre a redundância e a impraticabilidade. O Estado, repetindo, já tem a obrigação de oferecer educação de qualidade. Não é necessária uma lei ordinária para lembrar-nos disso — o que é preciso é simplesmente realizar o que já está previsto, e a população negra será beneficiada do mesmo jeito que a italiana. A única proposta concreta é a criação de uma nova disciplina, “História Geral da África e do Negro no Brasil”. O Estatuto só não diz que matéria sairá ou será reduzida para acomodar a nova.

Seria mais inteligente se simplesmente exigisse a reformulação do conteúdo de História do Brasil e História Geral, aprofundando o estudo da história da África e sobre o papel do negro no Brasil. É tão mais simples, e mais eficaz.

Já o capítulo sobre liberdade religiosa é uma palhaçada. Quem lê aquilo pensa que no Brasil os cultos afro-brasileiros são proibidos. Como se a rua São João, em Niterói, ou o largo de Pinheiros, em São Paulo, funcionassem clandestinamente; como se turistas não fossem levados ao terreiro do Gantois, como se umbandistas não anunciassem seus serviços e não trouxessem a pessoa amada em três dias. O candomblé e variantes não precisam mais de garantias legais do Estado. E, mesmo que precisassem, esses direitos já estão garantidos na Constituição, sempre ela.

O Capítulo V, sobre a questão da terra, é provavelmente o mais bem elaborado de todo o Estatuto. Em vez da demagogia vazia, traz propostas concretas e providencia a regulamentação necessária de leis anteriores sobre a regularização da situação fundiária dos descendentes de quilombolas. O único problema — que não chega a perverter o projeto, mas que dá uma sensação de que falta noção de realidade a quem o elaborou — é que os quilombolas têm tido tratamento privilegiado dos últimos governos, privilégio absolutamente justo. Mas ainda que não fosse justo, e ainda que esse tratamento não existisse, qual problema parece mais urgente em termos nacionais, o dos quilombolas, uma minoria, ou o dos sem-terra organizados no MST — sem falar naquele antro de marginais chamado MLST?

Ainda nesse campo, o Estatuto pede atenção especial do Estado a projetos que valorizem a cultura negra. Mas o Estado, em especial o Ministério da Cultura, já faz isso. Há muito tempo, sem precisar de uma lei sensacionalista. Os Pontos de Cultura do MinC, por exemplo, têm contemplado bastante projetos desse tipo.

O capítulo sobre emprego é correto, em sua maioria. É, no mínimo, bem-intencionado. Mas suscita perguntas. Hipóteses: se eu tenho uma empresa privada e tiver uma vaga de emprego, e tenho um candidato branco e um negro com exatamente as mesmas qualificações, quem eu devo escolher? Certo, o negro. Perfeitamente aceitável. Justo.

Mas e se disputa estiver entre um deficiente físico branco e um negro? E entre uma mulher branca e um negro? E entre um homossexual branco e um negro? Que minoria deve ser contemplada? Como hierarquizar minorias?

O Estatuto trata ainda do sistema de cotas raciais, assunto que, sozinho, merece um post.

Já o capítulo sobre os meios de comunicação é confuso. Não há nada mais justo que exigir, por exemplo, que mais negros apareçam na produção televisiva nacional. Que sejam exibidos 20% de pessoas negras na TV. Não é apenas justo: é necessário, em um país mestiço mas cuja imagem parece ser a da classe média branca do Leblon.

Mas quando trata de publicidade, mostra alguns dos conceitos mais idiotas que se viu em muito tempo:

Art. 57. As peças publicitárias destinadas à veiculação nas emissoras de televisão e em salas cinematográficas deverão apresentar imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a vinte por cento do número total de atores e figurantes.

Então vamos imaginar que um publicitário, esse pobre coitado, recebe a nobre incumbência de anunciar um xampu para cabelos louros. Se for um testemunhal, com uma só pessoa, ele pode arranjar uma loura que tenha um avô negro e tentar se safar dessa forma. Dá 25%. Mas se tiver mais atores, de acordo com o texto da lei ele vai ter que colocar uma mulher negra no comercial. Fazendo o quê? Invejando a loura com os cabelos longos, lisos e sedosos — que balança em câmera lenta? Infelizmente, o artigo não tem um parágrafo único que abra brechas quanto a isso. E o resultado é apenas o reforço a preconceitos idiotas e estereótipos raciais e estéticos.

Os capítulos seguintes, sobre o acesso à justiça, se dividem entre corretos — a criação das Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial no Congresso, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais — e demagógicos — a proposta de criação do Programa Especial de Acesso à Justiça não é apenas uma bobagem redundante em sua insistência por “tratamentos especiais” que devem ser prestados a todos, mas vai contra o próprio conceito de justiça.

***

Essa pressão pela inversão de prioridades nacionais é um direito, e até um dever, do movimento negro — como é direito de qualquer movimento organizado. Um pouco de bom senso, entretanto, é sempre recomendável. Para um senador, escrever um cartapácio desse tamanho dizendo obviedades e brigando pelo que já se oferece é apenas chover no molhado. O Estatuto se beneficiaria se fosse mais objetivo e se, cortando artigos — tudo o que já foi dito há quase 20 anos (para todos) na Constituição Brasileira, por exemplo — não passasse a impressão de que está querendo apenas chamar a atenção.

A maior parte dos problemas apontados pelo Estatuto da Igualdade Social não são exclusividade das populações afro-brasileiras. Flagelam todos os milhões de miseráveis que se espalham pelo país — e, no que talvez seja uma surpresa para o Paulo Paim, até mesmo em regiões com baixo percentual de “afro-brasileiros”; afetam até “afro-franco-luso-brasileiros” como eu. São decorrentes principalmente do sistema patriarcal, latifundiário, monocultor e escravagista, urbano ou rural, que definiu o país durante quase quatro séculos e cujas conseqüências são sentidas ainda hoje. Boa parte de seus elementos derivam, sim, da questão racial, mas não todos. E embora o racismo no Brasil seja inegável, e muitas vezes mais grave do que o que se costuma reconhecer, a solução para esses problemas — inclusive a título de reparação — não passa prioritariamente por questões raciais.

***

O que assusta no Estatuto é a exigência em marcar os documentos do SUS com a “raça” do indivíduo. Durante anos, a sociedade brasileira caminhou em direção à abolição desse costume. Reconhecia o direito à igualdade de todos. Se estava longe de eliminar os problemas sociais gravíssimos, ao menos abrandava, quando menos, o reconhecimento de um indivíduo pela sua raça. Porque se isso teoricamente até faz sentido no sistema de saúde, em que exames específicos precisam ser aplicados, pressupõe uma divisão social que, há muito tempo, vem sendo eliminada do país.

De modo geral, o Estatuto da Igualdade Racial parece um americano branquelo macaqueando passos de samba no meio da Sapucaí. Talvez seja esse o seu principal problema, uma certa miopia na importação de ações afirmativas que têm sentido e eficácia em uma sociedade como a americana, mas que em vários aspectos estão deslocadas no Brasil. Parecem desconsiderar as diferenças nas histórias dos dois países.

A escravidão se desenrolou aqui de forma diferente, caracterizada menos pela confrontação e ruptura social que por sutilezas e acomodação. Vários mecanismos, como o compadrio, serviram para atenuar os piores aspectos da escravidão nas áreas onde foi mais proeminente. Este era um país onde escravos podiam ter escravos, em que irmandades religiosas (mais próximas, em seus racismo e segregacionismo, da sociedade americana do que o Estado brasileiro) como a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos faziam as vezes de planos de saúde e do INSS para os mais aquinhoados, e em que já no século XIX as relações entre a classe média urbana e seus escravos tinha, na prática, pouquíssima diferença da que se mantém hoje com empregados domésticos — nada comparável à rigidez americana no convívio entre etnias diferentes.

Ao pressupor uma sociedade que não é a brasileira, o Estatuto da Igualdade Racial, em sua redundância, responde de maneira errada a uma questão necessária.

Duas novas revistas

A Piauí e a Rolling Stone nacional lançaram seus primeiros números em outubro. Só leio agora.

A Rolling Stone chega com toda a pretensão que quase 40 anos de estrada podem dar. Seu editorial diz que ela é “referência — senão máxima, muito próxima disso — do jornalismo cultural e político, questionador e transgressor”.

Não podia estar mais enganado. Referência máxima em jornalismo cultural ainda é a New Yorker; e de transgressora a Rolling Stone não tem absolutamente nada, há muito tempo. Velhos não costumam transgredir. E a Rolling Stone, definitivamente, é velha. Tão velha quanto os anos 60. Não é à toa que os dois principais entrevistados de sua edição de estréia sejam o auto-denominado dono dos anos 60, Bob Dylan, e Jack Nicholson, um símbolo daquele estilo de vida.

Naqueles tempos, a Rolling Stone era inovadora porque refletia, acuradamente, a sua época. Mas o tempo passou. Nos anos 80 ela protagonizou uma campanha publicitária brilhante, em que mostrava a distância que havia sido percorrida: dizia aos anunciantes que havia uma diferença entre a percepção de uma revista dos anos 60 e a realidade de uma Rolling Stone cujo público era cada vez mais afluente. A campanha não podia ser mais verdadeira. E o papel de porta-voz do seu tempo já foi usurpado pela Wired há 13 anos.

Se alguém prestar atenção ao projeto gráfico da Rolling Stone vai ver os tipos serifados, elegantes que ela usa. São lindos. Clássicos. E são o melhor símbolo do que ela é hoje: uma revista perfeitamente adequada ao sistema — talvez mais que qualquer outra, por se inserir em uma indústria, a musical, tão establishment que está desesperada ao se ver ameaçada pelo novo, a troca de arquivos pela internet.

No fim das contas, a RS nacional é uma revista, no máximo, mediana. Melhora um pouco se for comparada à antiga Bizz, uma das revistas mais medíocres e provincianas da história do país, onde músicos frustrados escreviam sob pseudônimos resenhas sobre suas próprias bandas, que só eles ouviam, e se deliciavam em anunciar bandas de um buraco qualquer da Inglaterra, que ninguém jamais ouviria.

A RS se propõe a fazer uma mistura de matérias escritas aqui e traduções da revista-mãe americana. Grosso modo, as matérias americanas são melhores que as brasileiras. São mais bem escritas, mas isso vale para toda a imprensa nacional. O texto da Time sempre foi melhor que o da Veja, o do New York Times sempre foi melhor que o da Folha de S. Paulo, e por aí vai. Mas mesmo isso não quer dizer absolutamente nada. Por exemplo, há duas entrevistas americanas que se destacam, pela qualidade do texto e sensibilidade do repórter. Todas extremamente laudatórias, o que não parece ter nada a ver com os adjetivos “questionador” e “transgressor”.

Uma das entrevistas é com Bob Dylan, a julgar pela qual o velho Zimmerman é tão importante para o cenário musical atual como foi nos anos 70. E outra com Jack Nicholson, a julgar pela qual o velho ator, aos 69 anos, ainda come tantas mulheres quanto aos 30. Prova material A de que a RS já chegou aqui caducando.

As matérias nacionais são bobas, com exceção de uma sobre o PCC — que mesmo assim se ressente da falta de conhecimento político mais profundo. A pior delas é uma matéria (quatro páginas, mas apenas uma de texto) assinada por Ricardo Soares sobre política. Beira a imbecilidade, refletindo apenas o pensamento geral de uma classe média que não consegue deglutir o que ouve no Jornal Nacional e regurgita o mesmo discurso fácil.

Mas mesmo no que tem de melhor, a tal tradução das matérias da original americana, a revista comete erros bisonhos. Um trecho da matéria sobre Dylan:

(…) o blues antigo e seus músicos era mais estranhos do que qualquer purista fosse capaz de declararm, restringindo-se a 12 faixas de lamentações de bar, mas retratandos declamações narrativas (…)

Não li a matéria no original. Mas sou capaz de apostar a bunda do Bia que “12 faixas de lamentações de bar” é uma tradução analfabeta de “12-bar blues tracks” — ou seja, faixas de blues de 12 compassos. Se eu estiver certo, esse é o tipo de erro inaceitável em uma revista musical. A tradução parece ter sido feita pelo Google.

O fato é que a Rolling Stone já chega como uma revista velha e ultrapassada. Por exemplo, tem a tradicional sessão com notinhas curtas que fazem as vezes de resenhas de discos. Isso quer dizer que ela não entende que os áureos tempos da mídia impressa acabaram. Notinha curta sobre um novo álbum, do tipo que se fazia a três por quatro em 1986, não quer dizer mais nada, porque antes que a revista chegue às rotativas toda a internet já espalhou conceitos sobre o disco e definiu o sucesso de uma nova banda ou artista. A RS não parece entender que hoje mais vale, para uma revista impressa, fazer boas matérias com um bom julgamento e bastante informação sobre alguns discos que realmente achem relevantes, em vez de entupir os leitores com informação insuficiente e redundante.

A outra revista é a Piauí.

Embora não seja melhor que a Rolling Stone, pode vir a ser. Tem um time excelente de colaboradores, gente que respeita lubricamente a velha vagaba do Lácio. Traz algumas boas matérias — dessas as melhores são uma do Ivan Lessa, pela qualidade extrema do texto, e uma da Danuza Leão, pela escolha acertadíssima do seu objeto, o costureiro Guilherme Guimarães, e por demonstrar uma visão extremamente acurada. Traz também um bom conto do Rubem Fonseca, provavelmente parte do livro que está lançando por estes dias — mas bom apenas por estar em uma revista com cara de jornal. E algumas boas matérias humorísticas — uma das quais, a que fala sobre a República da Molvânia, lembra muito os bons tempos do jornal Planeta Diário, nos anos 80.

O pior, mesmo, é o projeto gráfico. Ao que tudo indica, queriam buscar a simplicidade máxima — essa deve ter sido a justificativa — mas conseguiram apenas uma das revistas graficamente mais medíocres da atualidade. Falta identidade a ela.

E mesmo assim, embroa seja decepcionante, de modo geral a Piauí promete mais que a Rolling Stone.

Mas padece de um problema: não parece ter encontrado ainda sua própria personalidade. O resultado, por enquanto, é apenas um amontoado de textos — todos bem escritos, mas que não chegam a fazer uma revista.

As duas novas revistas da grande imprensa brasileira, lançadas com espalhafato, não cumprem suas promessas. E me deixam com a impressão de que a última grande revista a aparecer foi a Raygun, há mais de 10 anos — enquanto tinha o projeto gráfico revolucionário do David Carson. E talvez ela fosse brilhante porque era, simplesmente, ilegível.

(Depois de escrever este post comprei o segundo número da Piauí. Ainda não li, apenas passei os olhos. E embora pareça ter textos mais densos, ainda parece o mesmo samba do crioulo doido.)

As alegrias que o Google me dá (XXIX)

como faser o penes crecer?
Meu filho, é mais fácil aprender português. E nem isso você aprendeu ainda.

onde eu posso fazer perguntas para o galvao
Onde quiser. Mas eu não vou responder.

o trabalho realmente dignifica o homem
Você realmente acredita nisso? Não quer perguntar para os universitários? Meu filho, a verdade é que o trabalho só cansa. E cansa muito. Bom, meu caro, é a vadiagem.

porque plutao nao faz mas parte do cistema solar como planeta
Porque ficou puto quando resolveram subverter a ordem natural e greco-romana das coisas e batizaram um eventual décimo planeta com o nome de uma deusa de esquimós, como se esquimós prestassem para alguma coisa. Eu apóio a revolta de Plutão.

hermafrodita sabrina
Sabrina era hermafrodita? Eu não acredito. Não posso acreditar. Quer dizer que todos aqueles suspiros dados eram para uma hermafrodita? Agora só falta a Bianca e a Júlia serem também. E, meu amigo, se você vier me dizer que Momentos Íntimos também era hermafrotdita, aí o pau vai comer.

quero carro da pejo . e com fotos de sexo . para fazer meu trabalho de escola
Em que escola você estuda? A impressão que dá é que vocês aprendem sacanagem demais e estudam de menos lá.

homens famosos batendo punheta
Quem são esses idiotas? Por que fazem isso? Se são famosos, por que perdem tempo caindo na mão quando há, para eles, uma inifinidade de mulheres à disposição, seduzidas pelo maior afrodisíaco que existe, a fama e o sucesso? Eu jamais colocaria uma foto dessas aqui. É um desrespeito à fama.

onde fica cingapura
No cu do mundo (é, hoje eu acordei de mau humor).

o que os evangelicos falam sobre os filmes da disney?
Besteiras. Mas isso é só porque a Disney não paga o dízimo para eles.

como fazer gato
Primeiro: arranje uma gata. Mas gata daquelas de fechar quarteirão, de peitão, bundão, boca que inspira pecados. Aí vai depender de você. Se você for bonito, as probabilidades são de que consiga fazer um gato, ou uma gata. Se for feio, recomendo que no momento em que estiver fazendo o gato, reze. Reze muito. E não estou falando de aimeudeusaiminhanossasenhora. Falo de uma oração de verdade, pedindo que o resultado daquilo que você está fazendo saia com a cara da mãe.

danos psicologicos da inanição
São gravíssimos. O principal deles é que todas as reações psicológicas que um ser humano pode ter, depois de algum tempo de inanição prolongada, cessam. Dão a isso o nome estranho de “morte”.

para que serve uma resenha
Para que alunos preguiçosos e burros como você saiam catando algumas prontas em tudo quanto é site e blog da internet.

a pena de morte deve ser julgada
Talvez. Mas já imaginou se ela é condenada à morte?

como ganhar uma mulher
Ué, se inscreva numa rifa.

axilas femininas
Ah, as delícias do fetichismo. O Alex gosta de pés. Esse aí gosta de sovacos. Ele só esqueceu de falar de odores. Com ou sem desodorante? Suados ou limpinhos? Para passar a língua ou colocar outras coisas? Um fetiche, meu amigo, uma tara deve ser bem explicada. Taras são coisas sérias. Devem ser tratadas com respeito.

foto daquilo que cresce na vagina
Por favor, procure por “fotos de pênis”.

estupros em homens até crianças estão sujeita a isso quais a s consequêcias disso para a saude fisica e emocional e para sociedade
Nenhum homem, nem mesmo uma criança, está sujeito a estupros, se o senhor permite a mediocridade jurídica da minha afirmação. Homens não têm vagina. Homens no máximo sofrem atentado violento ao pudor, que é o nome bonito que dão a uma enrabada. E homem que é homem tem mais o que fazer além de fazer essas perguntas idiotas ao Google.

resumo do livro infantil mamãe você me ama
“E ela disse: não. Agora sai do meu pé que eu gosto mesmo é do seu irmão mais velho.”

pudibundo
Palavra linda, né? Pudibundo. A uma mente doentia como a minha, isso lembra duas palavras lindas, puta e bunda. Só não é mais bonita que pudica, que lembra uma puta baixinha, assim, quase uma puta anã. E com licença, que o meu psicólogo acabou de me ligar dizendo que tenho sérios problemas mentais.

fazendo sexo com guei
Isso você tem perguntar ao Biajoni.

meter aumenta o penis
Olha, aumentar, não aumenta, não. Mas que é bom, é.

simpatias para separar pai e mae
Eu juro. Faz uns três anos que eu dou uma olhada nas estatísticas para ver o que o Google me trouxe. E quando eu penso que já vi de tudo nessa vida, que nada mais vai me surpreender, aparece algo que consegue diminuir mais um pouco a minha fé na humanidade. E por isso eu vou resisitir à tentação de dizer que que não me resta mais nada para ver, agora que eu vi o primeiro macumbeiro edipiano de que tive notícia.

para que servem as banheiras dos moteis
Para você olhar, se for normal. E para você entrar, se não tem nojo ao imaginar o que milhares de pessoas fizeram ali antes de você, e os resíduos dos fluidos corporais que ainda circulam por ali.

deu o cu
E gostou?

o sente uma mulher dando a bunda
Como eu vou saber? Alguém poderia responder isso?

foto de mulheres transando com bichos sem pagar
É uma das coisas mais nojentas, mais asquerosas que eu já vi. Pessoas que fazem isso não merecem ser chamadas de humanas. Não têm mais decência. Não têm mais dignidade. Porra, sair sem pagar é sacanagem. E os bichinhos, como é que ficam?

rafael galvao
Eles continuam atrás de mim. E não dizem quem são. Eu tenho medo de becos escuros por causa deles.

a historia da boneca hellokitty o paquito com o diabo
Por que você, desconhecido, lembrou de história tão triste?

Histórias como essa deveriam ser relegadas ao passado de que não queremos lembrar. E quando as velhinhas botarem suas cadeiras na porta de casa em uma noite quente de verão, e alguma delas, a mais desavisada, lembrar da história, ela vai ser recebida com olhares alarmados e desconfiados de umas para as outras, e imediatamente alguém vai mudar de assunto.

O menino morava em Nova Iguaçu. Morava muito bem, não, mas o seu verdadeiro problema mesmo era ser alucinado pela Xuxa. Alucinado. Estudava à tarde para poder ver o Xou da Xuxa pelas manhãs. Fez a coitada da mãe levá-lo ao Projac umas três vezes — três, quatro horas de ônibus em cada vez. Comprava o que podia da Xuxa. Se não fosse o pai, apontador de jogo do bicho, teria deixado o cabelo crescer para usar aquelas maria-chiquinhas que chamava de “xuxinhas”. Usava sandálias Sabri e se despedia de todos dizendo “Beijinho, beijinho, tchau, tchau” — isso quando não dava a louca e, entre trejeitos amplos, teatrais, cantava: “Foi bom estar com você, brincar com você…”

O pai desconfiava, mas não falava nada. A mãe achava o seu filho um menino doce e sensível. E um dia, um belo dia de sol — que em Nova Iguaçu significa um dia quente como o inferno –, ele apareceu com aquela conversa de ser paquito.

Nesse dia a casa quase caiu. A mãe recolheu-se a um canto para chorar e acendeu uma vela para Santo Expedito, prometendo imprimir mil santinhos se sua graça fosse alcançada. O pai, quando chegou em casa e recebeu a alvíssara em meio aos muitos soluços da mãe, encheu-lhe os cornos de pancada, gritando que “Eu não vou criar filho viado!”; e deixando o coitado esticado no chão, arfante, saiu batendo a porta para tomar cachaça num bar da esquina. Teve que enxotar os vizinhos que se amontoavam do lado de fora da casa, esticando os pescoços para ouvir a gritaria.

A partir desse dia o menino — que se chamava Vanderglêison, nome de que seu pai tinha muito orgulho e que não queria ver conspurcado — se transformou. De alegre ficou triste, e não era licença poética copiada do Vinícius. Ficou triste, mesmo; sorumbático pelos cantos, macambúzio, sempre abraçado a uma boneca da Xuxa.

Deu para sumir de vez em quando, o menino. Saía de manhã e só voltava à noite. A mãe se preocupava, e não desistia de seu Santo Expedito; apenas passou a rezar também para Nossa Senhora Desatadora dos Nós, mas ainda não tinha tido que imprimir os seus santinhos, porque a graça nunca vinha. O pai não queria saber, fingia que o menino não existia. E embora não falasse nada, nunca conseguiu deixar de sentir uma pontada no coração quando alguém ia jogar no 24.

Um dia a notícia correu no bairro: o Vanderglêison estava na Xuxa. Foi um alvoroço. Todo mundo correu para a frente das televisões, achando que era mentira; mas todos eles o viram ali, entre a Sorvetão e a Pastel. E quando, nos créditos finais, apareceu o nome de Vandy — Marlene Mattos tinha achado Vanderglêison muito suburbano para o seu gosto — toda a Nova Iguaçu explodiu em um grande grito de orgulho e felicidade.

De viadinho humilhado por todos, da noite para o dia Vanderglêison se transformou, qual borboleta saindo de sua crisálida, na grande celebridade de Nova Iguaçu. Dia sim, dia também, o jornal de Nova Iguaçu publicava a sua foto na coluna social, Vanderglêison sexy em seu uniforme preto e dourado; e o colunista, que ia ao Rio de Janeiro três ou quatro vezes por ano, falava de sua grande amizade de 20 anos (embora Vanderglêison tivesse apenas 16) e insinuava intimidade com os mais escabrosos segredos e escândalos globais.

Vanderglêison, de viadinho da rua era o orgulho da cidade. Aqueles que antes olhavam debochados para eles lembravam que o tinham visto crescer. Todos queriam ser seu amigos, o melhor amigo, amigo de infância. E o Sidney lembrava que já tinha passado a mão na bunda dele.

E nem o gosto de ter dado o nome ao novo paquito da Xuxa o seu pai pôde ter. Agora o seu filho era Vandy, nome que ele não tinha dado, não era mais Vanderglêison. Talvez por isso se explique o seu descaso pelo sucesso do filho, só assim se explica o fato de ele se referir ao seu único herdeiro como “aquela xuxete”, com um desdém que buscava mascarar sua dor — não o de não falar mais com o filho, mas de ver o sangue do seu sangue com aqueles uniformes.

Foram dois anos assim, na loucura da fama instantânea. Se alguém falasse que Nova Iguaçu era o cu do mundo, sempre aparecia um morador para dizer que “e daí, foi aqui que o Vandy nasceu”. Depois dos primeiros meses o alvoroço acalmou um pouco, Vandy — agora ele seria para sempre Vandy, nunca mais Vanderglêison — já podia sair na rua sem precisar dar milhares de autógrafos; mas ainda assim continuou sendo o grande sucesso de Nova Iguaçu.

Até o dia em que a Hello Kitty entrou em sua vida.

Foi numa gincana da Xuxa, ao que parece. A função de Vandy era segurar e beliscar aquele bando de meninos chatos que, como ele há apenas uns poucos anos, queria ver de perto a rainha dos baixinhos. O prêmio ao vencedor era uma Hello Kitty e quando Vandy bateu os olhos nela, esqueceu de tudo.

Naquele exato momento, a Xuxa tinha perdido o amor de Vanderglêison Fonseca, Vandy para os fãs de Nova Iguaçu.

Foi um menino que ganhou o prêmio. Um pivete de seus oito anos, talvez nove, magrinho e com cara de fome como Vanderglêison tinha sido um dia. Vandy não se conformou. Aquela gatinha sem boca tinha que ser sua. Enquanto esperava o programa acabar, não tirava os olhos ameaçadores do garoto, que fazia cara de enfado para o prêmio. Então se aproximou do menino desolado com o brinquedo de viado que tinha ganho e perguntou se ele não queria trocar por dois pirulitos. O menino mandou Vandy fazer algo feio. Vandyu não se alterou: deu-lhe um tapão no pé do ouvido e tomou a Hello Kitty, sussurrando em seu ouvido: “Se contar pra alguém eu quebro a sua cara e te boto para dormir com a Marlene”.

Flutuando, Vandy levou a Hello Kitty para casa. Não dormiu aquela noite, acariciando a sua Hello Kitty. Anos depois, o psicanalista Moisés Bronstein diria que a paixão de Vandy pela Hello Kitty se devia ao fato de ela não ter boca e, conseqüentemente, não poder lhe chamar de “viadinho do seu Raimundo”; palavras que os outros não mais lhe diziam, agora que era o grande Vandy de Nova Iguaçu, mas das quais ele jamais esqueceria.

No dia seguinte Vandy não foi trabalhar. Ficou deitado languidamente na cama, conversando baixinho e rindo para a sua Hello Kitty. Não iria trabalhar também no outro dia, mas a Globo mandou uma van buscá-lo. Ele foi de má vontade, ainda agarrado à sua Hello Kitty.

Ao chegar no estúdio, Vandy colocou a Hello Kitty na cadeira que era reservada à Xuxa e foi gravar a sua participação. Por alguma razão, ele estava mudado. Não beliscava mais as meninas. Não dava murros nas costas dos meninos, não empurrava ninguém. Até deixou de passar a mão nas partes pudendas dos garotos mais crescidos — que, assim como o Vandeglêison de outros tempos, também tinham um jeitinho meio estranho e sonhavam em ser paquitos.

Mas então houve uma pausa, e a Xuxa precisou se sentar.

Foi até sua cadeira e viu a Hello Kitty sentada ali, muda — porque a Hello Kitty não tem boca. Pegou, olhou e jogou descuidadamente no chão, enquanto a Marlene Mattos vinha, solícita, com um copo d’água na mão.

Foi quando se ouviu um rugido vindo de onde estavam as crianças. Vandy estava transtornado. Correu para cima da Xuxa, atropelando dois câmeras, um contra-regra e pisoteando três crianças de cerca de 4 anos. Suas mãos crispadas iriam em direção ao pescoço da Xuxa atônita e imóvel. E ali a Xuxa morreria, se a Marlene Mattos não atravessasse o caminho e desse uma porrada nos cornos do Vandy.

Vandy foi parar do outro lado do estúdio. Revoltado, olhos injetados, babando, ele teve uma idéia tesloucada. Mordeu um dos fios dos refletores e incendiou o estúdio. Matou 17 crianças e o Dengue. E enquanto o fogo se alastrava rapidamente o Vandy se erguia em meio as labaredas, gargalhando uma gargalhada de Vincent Price em música de Michael Jackson.

O que se seguiu depois foi rápido. Vandy foi demitido, e só não foi preso porque ameaçou contar que tinha sido molestado sexualmente pelo diretor do programa. A notícia vazou para os jornais, apesar dos esforços da Globo em abafar o escândalo. Mas em Nova Iguaçu todos ficaram sabendo do que tinham acontecido, no mínimos detalhes, ainda que algumas vezes exagerados. Ninguém falou de outra coisa nas semanas que se seguiram. E todos diziam a mesma coisa: Vandy estava com o diabo no corpo. Tinha feito um pacto na encruzilhada em troca do sucesso absoluto, o Sidney tinha visto com os seus próprios olhos, ele podia jurar. Agora que Vandy tinha chegado ao topo, que era um paquito, Satanás vinha cobrar sua alma. E assim ele entrou para a triste história de Nova Iguaçu: como o Paquito com o diabo no corpo.

O tempo passou, como nunca deixa de passar. As pessoas esqueceram de Vandy. Trancado em casa, ignorando as rezas da mãe — que agora rezava também para Santa Edwiges, sabe-se lá por quê — Vandy não falava. Até que um belo dia ele desapareceu.

Seu pai fingiu que não sentiu sua falta, embora lembrasse dele toda vez que alguém apostava 10 reais no veado. E sua mãe passou a rezar também para São Longuinho.

Isso foi há quinze anos. Ninguém mais toca no nome de Vandy. As novas gerações não sabem quem foi o paquito do diabo. E talvez por isso a cada dia aumente a freqüência de uma certa cartomante que atende na rua Dom Walmor. Ela chegou lá há uns 5 anos. Veste rosa em vez de vermelho, tem uma boneca da Hello Kitty no lugar da pombagira. E atende pelo nome de Mãe Vanda de Omolu.

achei esse texto lindo
Jura? Fui eu que fiz.

A morte e a morte do velho Noel

Rafael diz:
Não. Eu sou o fantasma dos natais passados. Aquele que só parece bonzinho porque os que vêm depois são uns filhos da puta.

Karine diz:
credo…

Karine diz:
então faz favor de me dar a bicicleta q pedi aos 10 anos e que até hj eu espero seu papai noel fdp

Rafael diz:
Olha o respeito.

Rafael diz:
Fantasma, não Papai Noel.

Karine diz:
E o Papai Noel não pode te dar a bicicleta que você pediu porque morreu, atropelado pelo Rudolph, a rena do nariz vermelho.

Karine diz:
menino mas q miseria vc me enrolou e me tirou a explicação do pq a bicicleta nao veio… ate hj eu espero

Rafael diz:
Não te enrolei.

Rafael diz:
Eu falei a verdade.

Rafael diz:
Papai Noel morreu. Ia ser devorado pelo Lobo Mau, fugiu pela chaminé dos 3 porquinhos e foi escaldado.

Karine diz:
cada hora ele morreu de um jeito

Karine diz:
decida-se

Rafael diz:
Não falo de jeitos diferentes. Falo a verdade. O Papai Noel se estabocou no chão quando caiu da torre da Rapunzel.

Karine diz:
merdaaaaaaaaaaaaa

Karine diz:
nao acredito

Rafael diz:
Não.

Rafael diz:
Falo que ele morreu linchado pelos seus duendes, que queriam aumento de salário.

Karine diz:
rafa eu vou te matar

Rafael diz:
Me matar só porque o o Papai Noel morreu de sífilis que pegou da Cinderela?

Rafael diz:
Injustiça. O velho devasso come qualquer coisa e eu, que não como ninguém, pago o pato.

Karine diz:
seu peste

Karine diz:
pirracento

Rafael diz:
Pirracento por quê?

Rafael diz:
Porque o Papai Noel morreu sufocado ao engolir sem querer o Pequeno Polegar?

Karine diz:
pq eh mto mau

Karine diz:
ja me contou umas 5 mortes de papai noel…buaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

Karine diz:
seu putooooooooooo

Karine diz:
ele nao morreu ta

Karine diz:
ele ta vivo

Karine diz:
e mora na terra do papai noel onde gente como vc nao entra

Rafael diz:
Não foram 5 mortes.

Rafael diz:
Foi só uma.

Rafael diz:
O Papai Noel comeu uma maçã envenenada dada pela Madrasta Má da Branca de Neve.

Karine diz:
to quase mandando vc tomar no toba…

Rafael diz:
Quem tomou no toba foi o Papai Noel, que morreu depois de ser estuprado repetidas vezes pelo gigante de João e o Pé de Feijão.

Karine diz:
rafael tomara q as fadas e os duendes venham à noite, quando vc tiver dormindo, e enfiem o saco gicante do papai noel no seu rabo e nessa sua boca porca que desilude criancinhas

Rafael diz:
Eu só falei a verdade: que o Papai Noel morreu em uma crise de asma contraída do Gato de Botas.

Karine diz:
vadiooooooooooooooooooo

Karine diz:
soh pq vc eh um à toa descrente, não significa que o resto da humanidade seja igual a vc

Karine diz:
seu desalmado

Karine diz:
seu sem-compaixão

Rafael diz:
Desalmado porque contei que o Papai Noel morreu depois de comer a Pequena Sereia, que estava contaminada por mercúrio?

Karine diz:
eu acredito em papai noel

Karine diz:
tanto q ate hj espero a porra da bicicleta

Karine diz:
bicicleta… pq simplesmente eu nao esqueci dela?

Karine diz:
simples… pq minha carta ta vagando por ai

Karine diz:
enquanto a carta nao chega la e ele nao vem, a gente fica assim meio no limbo dos presentes q nao desceram

Rafael diz:
Karine… O Papai Noel, na verdade, usou a sua carta pra limpar a bunda.

Karine diz:
filho da puta

Karine diz:
isso nao se diz a uma criança…

Karine diz:
eu agora tenho pra o resto da vida essa imagem do bom velhinho com a bunda gorda, branca e varizenta, se limpando com a minha carta… e tudo culpa sua

Rafael diz:
Eu sei que a verdade dói.

Rafael diz:
Mas alguém precisa fazer esse trabalho sujo.

Karine diz:
vc acabou com meus sonhos infantis

Rafael diz:
Acabei?

Rafael diz:
Pronto.

Rafael diz:
Agora vamos falar putaria.

Republicado em 17 de julho de 2010