Sempre que penso em Gus Van Sant, o pobre diabo que refilmou “Psicose,”sinto uma mistura de pena e admiração. Pena porque é preciso ser um imbecil para tentar refilmar um filme como o clássico de Hitch; admiração porque também é preciso muita coragem, daquele tipo meio insano que normalmente leva ao suicídio.
Refilmagens são um vício doentio de Hollywood, normalmente avessa a riscos e pronta a cavalgar um sucesso até que ele morra de cansaço, com a boca espumando. É enorme a lista de grandes filmes que, por algum pecado inconfessável cometido por seus autores, mereceram a sina de ser refilmados.
O problema é que quando um sujeito resolve refilmar um clássico absoluto, ele tem a certeza de que vai ser pior. Um idiota refilmou The Big Sleep com Robert Mitchum no lugar de Humphrey Bogart e alguém no lugar de Lauren Bacall. Van Sant barbarizou “Psicose”. Dezenas de outros poderiam ser citados. E em todos esses casos, os resultados eram previsíveis: os filmes seriam pequenas tragédias patéticas.
Mas há exceções, e é delas que trata este post. A idéia não é minha: é de um blog americano de cinema, coisa de dois ou três anos atrás.
Há um grande filão a ser aproveitado, do ponto de vista criativo. Em vez de perder tempo refilmando clássicos, esses sujeitos de Hollywood fariam melhor se pegassem filmes que poderiam ser grandes, mas não foram, e tentassem fazer algo melhor deles. Filmes que tinham um potencial não realizado, que foram prejudicados por um mau diretor, maus atores, maus cinegrafistas, qualquer coisa.
Isso não é garantia de que o filme vá ser necessariamente melhor, claro. É sempre um risco que se corre. Sweet November, por exemplo, é um filme infinitamente inferior ao original; mas o primeiro não era exatamente uma obra de perfeição (embora seja um dos meus filmes preferidos), e o impacto acaba sendo bastante relativizado. A diferença entre original e revisão não é tão grande. Aconteceu o mesmo quando o eternamente superestimado Tim Burton refilmou “A Fantástica Fábrica de Chocolates”.
Um bom exemplo é “Highlander”.
As pessoas parecem esquecer, mas aquele era um filme que tinha tudo para ser grande. O argumento do filme é excelente, pela simplicidade, por brincar com o sonho da imortalidade. É um filme que, se resumido em cinco ou dez linhas, é admiravelmente bem resolvido. (Esqueça-se, aqui, que duas ou três seqüências desastradas fizeram de tudo para destruir a sua magia, inventando explicações burras para o que não precisava ser explicado e tentando arrancar a última gota de suco que o filme original porventura tivesse.)
Os problemas do filme são mais notáveis na direção. Russell Mulcahy não é mais que um Tony Scott piorado — muito piorado. É mais um egresso daquela onda inglesa de diretores de comerciais que conseguiram dirigir longas, nos famigerados anos 80. Trouxe consigo nenhum talento para dirigir cinema mas todos os vícios da TV — iluminação excessivamente estilizada, câmera que briga com a cena, edição à beira de um colapso nervoso, sonoplastia estridente e por vezes inoportuna.
Os problemas de “Highlander”, claro, não estão apenas no diretor inepto. O roteiro tem falhas gritantes, como uma perseguição policial boba e, principalmente, a insistência idiota em tornar o duelo final um confronto entre o bem e o mal, quando a beleza potencial do filme não está nisso, está no fato simples, não explicado e quase divino de que “só pode haver um”. Não se trata de mocinhos contra bandidos, mas algo que deveria se assemelhar a um fenômeno natural e absolutamente distante da dicotomia típica de filmes B. Um roteiro menos esquemático, com menos concessões ao gosto da platéia com QI inferior a 60, que explorasse mais a angústia existencialista de personagens singulares sem cair na verborragia intelectualóide poderia, sim, ser uma obra prima.
Esse é só um exemplo que serve para demonstrar bem a teoria. E claro que nem todo filme potencialmente bom, mas mal feito, pode ser refilmado. Grease é um bom exemplo. Como cinema propriamente dito, o filme é ruim, mal dirigido, mal sonorizado, com cara de seriado de TV americano dos anos 70; é inferior ao musical original da Broadway e mesmo ao livro de Ron de Christoforo. Mas nenhuma refilmagem poderia oferecer o que ele dá: a empatia perfeita de John Travolta e Olívia Newton-John.
A idéia de refilmar filmes quase bons não tem nada de genial; é extremamente óbvia. Mas o óbvio é um tanto fugidio a alguns; e se seguissem esse conselho, gente como Gus Van Sant não conpsuracariam suas biografias com deslizes do tipo de “Psicose”.