No dia 10 de janeiro de 1969, diante das câmeras que filmavam o que viria ser o filme Let it Be, Paul McCartney e George Harrison discutiram. George, cansado de ser guiado por Paul em I’ve Got a Feeling, mas apenas deixando transbordar anos de ressentimento, disse que tocaria como Paul quisesse, ou simplesmente não tocaria, era só McCartney dizer.
A discussão continuou no horário de almoço, na cantina do estúdio, e se agravou ainda mais. Finalmente George empacotou sua guitarra. “Vejo vocês nas boates”, disse ele, e foi embora decidido a nunca mais voltar.
Sozinhos, os Beatles restantes iniciaram a tarde com uma jam session. Era apenas barulho, os três maltratando seus instrumentos e descontando neles a frustração que vinha se acumulando desde as gravações do Álbum Branco, e que agora chegava ao ápice com o aparente fim da banda como ela era. Curiosamente era talvez a coisa mais heavy que os Beatles já tinham feito.
E então Yoko Ono se sentou no lugar de George e pegou seu microfone, certamente atenta a tudo o que isso simbolizava. O que se seguiu foram alguns minutos de loucura sonora. Enquanto Yoko grita histericamente, realizando o seu conceito de arte e de música tendo como banda de apoio nada menos que o maior grupo do mundo, Ringo bate alucinadamente em sua bateria, John tenta manter uma base mínima, McCartney arranca o máximo de microfonia possível do seu Hofner. Yoko é a única que sorri no que para os outros é apenas uma catarse, feliz por ter uma chance secretamente acalentada e sempre negada.
Mais tarde, já sem McCartney, a jam degringola ainda mais, restrita a um Lennon aparentemente chapado de heroína brincando de fazer microfonia e Ringo Starr tocando uma bateria deslocada no tempo e no espaço.
Senhoras e senhores, eis um momento antológico dos Beatles, e o que é talvez seu ponto mais baixo.