O Oriente, tão de repente

Volta e meia alguém me aparece com alguma panacéia oriental. Dia desses foram uns tais fungos do Tibet. Segundo a propaganda que corre de boca em boca curam tudo, de impotência sexual a espinhela caída.

Desde os anos 60, a partir do momento que os hippies ingleses redescobriram a filosofia oriental — em uma atitude que a mim sempre pareceu neo-colonial –, há uma espécie de crença generalizada de que tudo o que vem do oriente é bom. Acupuntura. Shiatsu. Do-in. Agora me aparecem com uma água mofada que, se eu engolir, vai curar até doenças que não tenho.

Não que essas coisas não sejam boas, que não valham a pena. O que intriga é a ideologia por trás dessa fé cega: a de que a milenar cultura oriental é infinitamente superior a esta nossa em todos os aspectos. Eles seriam espiritualizados e zen, enquanto nós ocidentais nos perdemos no materialismo mais abjeto e obtuso.

Talvez seja. Talvez o antigo hábito chinês de mutilar pés de mulheres para que fiquem pequenos seja superior. Talvez o hábito indiano de dividir a sociedade em castas instransponíveis seja superior. Talvez o hábito japonês de elevar a honra acima da própria vida seja superior. Talvez as perseguições e assassinatos existentes no antigo regime tibetano sejam superiores.

E talvez aquelas partes boas da civilização ocidental, como a crença no valor absoluto da liberdade e do indivíduo, sejam apenas um punhado de bobagens inferiores a tudo isso.

Em tempos de multiculturalismo obrigatório, tudo é possível.

Mas eu, baiano e pouco incomodado por essas metafísicas e filosofias, continuo achando que uma boa sessão de do-in não vale uns poucos cafunés.

Os 100 piores títulos de filmes pornô

Via Intensify.org: Os 100 piores títulos de filmes pornô.

Entre eles, delícias como Pretty Lil’ Sistas #1 – Bautiful Black Popozudas!, que mostra que as atrizes brasileiras estão com tudo nesse mercado tão restrito, e Tits of Fury, que deve ter feito Bruce Lee se revolver na cova.

Há ainda o absolutamente canalha Willie Wanker and the Fudge Packing Factory. E, finalmente, Adventures of the Fart Bitches, que dispensa quaisquer comentários.

O autor da lista não quis incluir Shaving Ryan’s Privates.

Infelizmente ela só inclui títulos em inglês. Deixa de lado os maravilhosos títulos da putaria pátria, como Emoções Sexuais de um Cavalo, Alucinações Eróticas de um Jumento, Senta na Minha que Eu Entro na Tua e o sado-masô Penetradas por Trás com Dor e Força.

Notícias estranhas em um blog esquisito (XVI)

Todo o meu arcabouço de crenças desmoronou ao ver este artigo da Archaeworld (via Culture Kitchen).

Segundo ele, galinhas preferem humanos bonitos.

E eu, idiota que sou, passei a vida acreditando que galinhas preferiam homens ricos.

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O exército invasor libertador americano no Iraque foi proibido de usar balas israelenses.

O problema para os acólitos de Bush não está exatamente em matar iraquianos. O que não pode é matar com o requinte da humilhação: usar balas tecnicamente judaicas.

Humilhação, só em prisões como Abu Ghraib.

Isso prova que meu avô estava redondamente errado quando dizia que bala não tem nome nem endereço.

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Um juiz americano (tenho que dar o nome dele: se chama Donald Thompson e tem 57 anos) está sendo processado pelo procurador geral do Estado por “conduta constituinte de ofensa envolvendo torpeza moral em violação à constituição de Oklahoma”.

Traduzindo para bom português, o juiz costumava descascar uma bronha no tribunal durante as audiências.

Chegou ao cúmulo de, segundo Lisa Foster, levantar o pintinho para depilar embaixo, enquanto ouvia os depoimentos.

(O “pintinho” não é só eufemismo. Dizem que ele costumava usar uma dessas bombinhas para aumentar o tamanho do pênis. As pessoas ouviam o som da bomba. Fluf, fluf… O réu aqui presente… Fluf, fluf… Merítissimo… Fluf, fluf…)

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Uma professora de 23 anos da Flórida, Debra Lafave, está sendo processada por ter feito sexo com um aluno de 14 anos, repetidas vezes (repetidas vezes!)

É um ultraje que professores se aproveitem de forma tão soez de seus alunos. E, no julgamento, vai-se poder ver a cara de felicidade do aluno, o sorriso beatífico que vai comprovar os profundos danos psicológicos que a professora lhe causou.

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Sempre pensei que os maiores idiotas do mundo fossem os cristãos que compravam pedaços da cruz de Cristo na Idade Média, mas alguns muçulmanos acabaram de superá-los.

Centenas de muçulmanos vindos de toda a Alemanha, e até mesmo da Holanda, se dirigiram a um hospital alemão porque um website turco informou que uma mulher havia dado à luz o Messias e então morrido. Mas fora desenterrada e tinha ressuscitado, e o seu corpo estava todo queimado — menos os seus seios. Alá teria ordenado que ela amamentasse o filho por 40 dias e então morresse novamente.

Em verdade, em verdade vos digo: tem coisas que mesmo vendo não dá para acreditar.

A louca da Sloper

No fim da década de 1970 Salvador via a principal transformação do seu comércio em décadas: as lojas chiques saíam definitivamente da rua Chile para se amontoarem nos shopping centers da zona sul.

Uma das poucas resistentes que insistiam em ignorar o curso da história e permanecer na rua que durante décadas tinha sido o centro do luxo comercial era a Sloper, loja de departamentos nos moldes da Mesbla e dos grandes magazines franceses do final do século XIX. Àquela altura já vinha se popularizando, acho, sentindo a pressão da mudança progressiva de clientela, mas ainda mantinha aquele olhar esnobe em relação às lojas de tecidos da rua da Misericórdia e aos camelôs que lotavam as imediações da praça Castro Alves e a Barroquinha.

Era na Sloper que eu via a Mulher de Roxo.

Ela não tinha exatamente uma história; tinha uma lenda, cujas versões variavam dependendo de quem contava. O que havia de comum nessas lendas é que era uma moça de família rica, que após ser abandonada pelo noivo enlouqueceu. E assim, durante décadas, ela passou a viver em um mundo particular.

Vestida em roupas esvoaçates roxas, muitas vezes de veludo, coberta de jóias espalhafatosas — talvez bijuterias, talvez não — e maquiagem, ela passava seus dias circulando pelas lojas da rua Chile, e dava preferência, claro, à Sloper. Seu mundo onírico exigia acessórios belos de tamanho pequeno, pequenas quinquilharias que ela pudesse encaixar facilmente no seu sonho. Era mais fácil assim.

A louca da Sloper não roubava nada, e em um mundo mais amigo em que os loucos eram todos velhos conhecidos, ela era tolerada pelos funcionários das lojas. A Mulher de Roxo não incomodava ninguém, nem mesmo quando pedia dinheiro a quem passava, provavelmente porque ninguém a interessava de verdade. À louca da Sloper só interessava mesmo o mundo em que ela vivia sozinha, abandonada pelo noivo.

Ela nem sempre estava de roxo. Vestia preto, também — e não é coincidência que ambas as cores tenham significado luto ao longo da história. A Louca da Sloper viva em eterno luto. Mas tenho a impressão de que se engana quem pensa que seu luto era pelo noivo, ou mesmo por ela. Seu luto era por algo mais etéreo, era pela vida que poderia ter tido, que deve ter antecipado durante meses, enquanto tomava decisões que para ela teriam conseqüências drásticas.

A Sloper fechou como fecharam as outras lojas de departamentos, e a Mulher de Roxo desapareceu. Os jornais sabem aonde ela foi: encontrada agonizante em uma calçada, foi levada para o Hospital Santo Antônio, da irmã Dulce, onde morreu.

A Mulher de Roxo, um dos grandes personagens de uma Bahia que não existe mais, que fragmentou seu espírito pelos subúrbios e legou o centro velho aos turistas, morreu sem que ninguém saiba qual foi, realmente, a sua história. Melhor assim, talvez.

A língua dos animais ou "Senão vejamos"

Já disse antes: uma das razões para a minha birra com advogados é o modo sádico como tratam a língua portuguesa.

Não é apenas pela ignorância dos que tentam escrever de modo que não sabem. De vez em quando esse dialeto que julgam castiço se torna absolutamente ridículo, em que o que eles vêm como sacro e o profano se juntam, e deixam aquela linguagem pseudo-erudita em séria desvantagem. Eis uns trechos de uma ementa:

RELATÓRIO Desembargador ZZZ (Relator): Trata-se de uma Apelação interposta por FULANO QUE COMO TODO BAIXINHO É ESQUENTADO DEMAIS contra a sentença proferida pelo M.M. Juiz de Direito Titular da 0ª Vara Cível da Comarca de “Um lugar que eu não posso especificar mas que dá para saber qual é” (fls.000/000) nos autos de uma Ação de Indenização por Danos Morais movida por FULANA QUE FOI PEGA ROUBANDO UMA ENTIDADE. A decisão atacada condenou o apelante ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), mais custas processuais e honorários de advogado no importe de 10% do valor da condenação. O requerido ofereceu o presente apelo (fls.000/000), alegando que houve por parte do sentenciante um equívoco ao julgar procedente o pleito, visto que as provas colacionadas aos autos, comprovam que existiu conduta ilícita por parte da apelada e das pessoas que ali trabalham. Aduz, ainda, que o quantum fixado pelo juízo a quo, foi elevado, visto que o mesmo está em desconformidade com a sua capacidade econômica. Devidamente intimado, o apelado apresentou contra-razões (fls.000/000), defendendo a manutenção da sentença. Instada a se manifestar, a Procuradoria de Justiça opinou (fls. 000/000) pelo provimento parcial do recurso. É o relatório.
[…]
Senão vejamos: Depoimento da Recorrida (fls. 000/00) (…) Inicialmente disse para a depoente se retirar porque ele não queria ver a cara dela e imediatamente mandou que ele colocasse o dedo naquele lugar fl. 000. Diz que o réu tanto falou como fez gestos no sentido mencionado à fl. 000. Diz que o Sr. XXX ficou surpreso com essas expressões do réu e buscava uma ponderação quando esse reagiu com palavrões chegando a responder madame coisa nenhuma.(…) Depoimento do Recorrente (fls. 000/000) (…) A depoente disse que não sairia do seu local de trabalho e nisso contou com o apoio do Sr. XXX e do Sr. YYY. O clima era insuportável. Em dado momento o depoente levantou o dedo e puxou para si e então a requerente perguntou que era aquilo como se não entendesse. O depoente então explicou “enfie e rasgue”. A requerente disse faça você. Sabe o depoente naquele momento se encontrava o Sr. XXX, YYY e a autora. (…) (original sem grifo) Testemunha YYY (000/000) (…) Chegou a pedir para a autora para se retirar do recinto. Esta reagiu afirmando que não sairia porque ali era o seu local de trabalho. Então ele respondeu que ela ficasse ali e com o gesto com os dois dedos disse enfie e rasgue. A autora respondeu: enfie você e rasgue você (…) Testemunha XXX (fl. 000) (…) Em dado momento ele respondeu a autora apontando o dedo para cima e dizendo enfie e rasgue. A autora replicou que ele mesmo fizesse isso. Aí foi quando o depoente disse Fulano respeite a madame. Ele respondeu: “é a madame né?!” (…) Inquestionável, ante a prova dos autos, a agressão verbal e gestual dirigida à pessoa da vítima, capaz de ferir seu sentimento de dignidade, principalmente porque praticadas na presença de terceiros”.
[…]
Neste jaez se posiciona, Caio Mário da Silva Pereira em sua obra, “Responsabilidade Civil”, 9ª ed., editora Forense, pág. 60, senão vejamos: “a vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.” Assim, levando em consideração tais aspectos , entendo que a quantia arbitrada deve ser reduzida para R$ 3.000,00 (três mil reais) pelos danos morais sofridos pela apelada. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso para alterar a sentença apenas no tocante ao valor da indenização, mantendo-se a decisão nos demais termos. É como voto.

Fodêreis

Eu gosto de palavras. Gosto do seu som, de seu significado, gosto de conhecer suas origens. Às vezes me perco na esquisitice de algumas, às vezes me encanto com a beleza de outras. Palavras têm vida, é só você querer dar alguma a elas.

Diante de algumas rio como uma criança diante de seu primeiro palavrão. E uma delas é exatamente isso, um palavrão: foder, do latim futere, “ter relações com uma mulher” segundo o Houaiss, com primeiro uso na língua datando do século XIII. Fode-se há muito tempo em terras d’além Tejo.

Não são os usos comuns da palavra, aqueles do dia a dia, que me fazem voltar à infância. É quando envereda pelo erudito, verbo regular e completo que é, que o foder adquire uma aparência de farsa diante da qual é impossível não rir. É engraçado imaginar a segunda do plural no pretérito mais-que-perfeito: fodêreis. Eu juro, nunca ouvi alguém falar essa palavra; na verdade, nem mesmo no presente do indicativo essa pessoa tem vez: fodeis. Ou no pretérito imperfeito, o único passado que realmente existe: fodíeis.

Elas me fazem rir pela incompatibilidade que parece existir, nos meus horizontes limitados, entre um palavrão e suas aplicações na língua culta.

É, foder é um verbo regular, o que está em nítido contraste com a sua natureza. Por definição não pode ser assim, previsível, certinho, porque ao se tornar cotidiano se transforma em mera manutenção, rotina de casais que se conhecem bem demais para ver alguma novidade nos corpos uns dos outros.

Mas a palavra tem uma força insuspeita. Se em sua origem patrícia, rodeada de cônsules e centuriões, era nitidamente homofóbica — é explícita a referência a “ter relações com uma mulher”, pelo menos no Houaiss –, sua força não podia ser contida por convenções sociais preconceituosas, e já no final do século XIV ela estendia sua universalidade ao mundo do amor que não ousa dizer seu nome, dando origem a fodidincul, que significa “pederasta passivo”.

O foder é democrático, popular, não tem preconceitos. Fodem os ricos, fodem-se os pobres. O foder parece dizer a todos: “Eu sou assim. E quem não gostar, foda-se”.

A última fronteira, novamente

A minha geração manteve uma distância bem saudável de foguetes e viagens espaciais.

Foi diferente das anteriores. A “era atômica” iniciada em 1945 definiu, para sempre, a idéia de que vivíamos em um mundo que podia, de repente, acabar. Essa idéia foi fortalecida por ondas de interesse ao longo dos anos seguinte: os avistamentos na Área 51 e a invenção do termo “disco (na verdade, pires) voador” em 1947, a mania por filmes de ficção científica dos anos 50, o lançamento do Sputnik em 1957.

As missões Apollo foram o clímax dessa era, e ao mesmo tempo a causa de seu ostracismo. Depois da conquista da lua, o que ficou foi a aparente banalidade das viagens subseqüentes. O espaço possível passou a ser tão interessante quanto Conservatória: bonitinha, mais nada. As pessoas sequer lembram de Michael Collins, que estava na Apollo XI mas não pisou na lua, ao contrário de Armstrong e Aldrin. É quase impossível que lembrem do último homem a pisar ali, Harrison Schmitt, em dezembro de 1972. Já não era tão importante.

Missões de satélites exploratórios como Voyager e Galileu podiam ser muito mais significativas do ponto de vista científico, mas fizeram pouco no sentido de retomar a atenção. Nem mesmo a Columbia, o primeiro ônibus espacial, conseguiu gerar interesse suficiente.

Minha era foi a da explosão da Challenger, a da realidade simples e humanamente incompetente se sobrepondo a visões heróicas de pioneiros espaciais. Programas espaciais diziam menos respeito à conquista de novos mundos que a dinheiro gasto de forma aparentemente inútil; para a minha geração eram pouco mais que factóides que já faziam parte do cotidiano. É engraçado, talvez esperançoso, que as verdadeiras conquistas espaciais — mais especificamente os satélites de comunicação — tenham nos feito, em vez de olhar para fora, prestar mais atenção ao que acontecia aqui dentro, e conhecer melhor os mortafome da Etiópia.

Assistíamos a “Jornada nas Estrelas”, “Perdidos no Espaço” e “Terra de Gigantes” como reprises — e sua importância cultural era exatamente essa: uma reprise de algo que tinha tido seu momento mas já tinha passado. Mesmo as novidades espaciais daquela época, como “Guerra nas Estrelas”, dizia mais respeito ao nosso mundo que aos incontáveis outros perdidos espaço afora.

Mas agora estamos no início de um renascimento do interesse pelo espaço como a última fronteira a ser desbravada. Primeiro foram as fotos de Marte em boa resolução. Agora vem a primeira nave privada, a SpaceShipOne, que passa a mensagem talvez errônea de que o espaço é algo ao alcance da sociedade civil, do homem comum.

Essa não é a minha época. Eu não pertenço a esse lugar. Nasci tarde demais, cedo demais para ela.

Pequena contribuição dos publicitários à humanidade

Sem querer, descobri há algumas horas uma contribuição dos publicitários à humanidade.

Quero ver você não chorar,
Não olhar pra trás,
Não se arrepender do que faz.

Quero ver o amor vencer,
Mas se a dor nascer
Você resistir e sorrir.

Bom Natal, um feliz Natal,
Muito amor e paz pra você…
Pra você…

A música de Edson Borges não nasceu como jingle, mas foi assim que foi dada ao mundo nos comerciais do Banco Nacional. Ela me fazia ter vontade de chorar quando criança, e minha filha disse há pouco que ela é “muito bonita”.

Só por essa música simplezinha, todos os pecados dos publicitários são redimidos automaticamente.

Entre a publicidade e o piano de bordel

Uma das frases de que mais gosto, título de um livro, é: “Não conte para a minha mãe que sou publicitário: ela pensa que eu sou pianista de bordel”.

Lembrei dela agora porque conheço poucas profissões que as pessoas adorem odiar tanto quanto a publicidade. O Bia diz que publicidade é merda. O AlterEgo acha que somos anti-éticos por natureza. O André Kenji diz que não servimos para nada.

O André diz que o Brasil não é um país sério porque aqui publicitários são celebridades. De acordo com essa linha, nenhum país desenvolvido é sério, porque todos têm sua cota de publicitários famosos: a Inglaterra tem, por exemplo, Charles Saatchi — um dos maiores incentivadores da arte moderna no país e motivo de minha inveja perpétua por ser casado com a Nigella Lawson, aquela delícia de cozinheira do GNT –, a França tem o Jacques Seguèla, os EUA têm mais que uma cota decente. O André se pergunta qual a utilidade real de um publicitário.

Bem, basicamente, publicidade ajuda o capitalismo a ser melhor, mais competitivo. Ajuda você a saber quais escolhas tem à sua disposição, garante uma das poucas liberdades reais que qualquer ser humano tem: o direito de decidir o que quer. Não é coincidência que um país sem liberdade individual não tem boa publicidade, sem exceções: tem propaganda, geralmente ruim, mas não publicidade.

O André faz ainda uma pergunta simples: em que um publicitário ajuda a vida de seu semelhante?

Pergunta interessante. Em primeiro lugar, publicidade não é assistência social e ajudar o próximo não é, exatamente, sua grande prioridade. Não vou levar em conta propaganda de causas humanitárias nem o fato de que ajuda empresários a ficar ricos, porque empresários nunca são os próximos de ninguém; e alegar que, bem feita, ajuda a criar empregos é demagogia.

Isso implica no ponto que acho mais falho, por exemplo, no argumento do Alter: publicidade é provavelmente uma das coisas mais intrinsecamente honestas que se pode fazer.

Um médico que monta sua clínica para ficar rico e pagar com juros aqueles anos de sacrifício na faculdade diz que está fazendo isso pelo bem da humanidade; um jornalista que veicula notícias de seu interesse diz que é seu dever informar o público; um advogado que recebe uma bolada para defender um monstro pode dizer que é nessas horas que um advogado é mais necessário.

Enquanto isso nós, publicitários, sonhamos mesmo é em ficar ricos, fazer a melhor propaganda possível com a verba disponível, se possível ganhar uns premiozinhos em Cannes e comer as modelos dos nossos comerciais. Nós somos pessoas muito simples. Temos muitos anseios filosóficos, não.

Você sabe que estamos dizendo o que nos pagaram para dizer. Sabe que o nosso objetivo é lhe convencer a comprar o produto ou serviço que estamos anunciando. Temos a obrigação de não mentir, não somente em virtude de códigos de auto-regulamentação e leis, mas porque dizer que um produto faz o que não faz é a melhor maneira de enviá-lo ao cemitério — e eu já posso ver aquela modette se afastando.

(O Alter diz que é aí que está a falta de ética da nossa profissão, não apresentar o panorama completo e as outras opções, como se alguém com juízo fosse pagar para anunciar os produtos dos outros. Então tá. Mas quando você está atrás de um guapo rapaz ou de uma mui formosa dama, você faz questão de dizer que acorda de mau humor, que tem crises periódicas de flatulência, que seu pinto é pequeno e que sua TPM a transforma em uma assassina em potencial?)

Agora um depoimento pessoal. Sou publicitário porque, como já disse antes, a outra coisa que sei fazer bem ainda é considerada ilegal neste país, ou pelo menos imoral. Além do mais, desgraçadamente não sei tocar piano, e nem essa desculpa para a minha pobre mãe eu posso dar. Mas de vez em quando me pego pensando que ser pianista em um puteiro, afinal, pode ser uma alternativa bem agradável.