O Cavaleiro das Trevas assusta novamente

“O Cavaleiro das Trevas” corrige os erros de Batman Begins e vai além.

Ao contrário da opinião geral, Batman Begins foi um filme medíocre. Se sustentava aparentemente porque a comparação com seus antecessores era muito fácil: os filmes feitos a partir do Batman de Tim Burton eram ruins demais. Batman Begins era melhor que eles — mas não apssava de um filme mediano, que recorria a elementos fáceis do cinemão comercial, como o aprendizado no gelo citado pelo Bia, onde faltou apenas Pat Morita falando frases de efeito tipo “Falcão, Campeão dos Campeões” para o Karate Kid.

“O Cavaleiro das Trevas”, no entanto, evitou a maior parte dessas armadilhas. Com as bases, boas e ruins, de seu próprio universo já estabelecido, foi buscar nos quadrinhos pontos de apoio para se tranformar no que é de longe a melhor adaptação do Batman já feita para o cinema. Nolan criou esse universo a partir de elementos das principais histórias do Batman. Por todo o filme perpassam referências de momentos importantes dos quadrinhos, principalmente de “O Longo Dia das Bruxas”, do final dos anos 90, uma das melhores histórias do Batman em todos os tempos — enquanto o primeiro foi buscar suas referências em Blind Justice. Um espectador atento encontra referências a várias outras histórias clássicas, como a motocicleta de “Ano 1”, e tudo isso é combinado de maneira a tornar a história do pesonagem consistente e clara, mesmo para quem o acompanha há muito tempo pelos quadrinhos.

A espetacularização do Batman de que o Bia se queixa não é um defeito. Essa crítica equivale a alguém que, vendo o Batman borderline de Frank Miller, reclama que bom mesmo é o detetive de Dennis O’Neill — ou alguém que diante desse detetive sente saudades do Batman ingênuo de Jerry Robinson. O Batman de Nolan é adequado aos tempos e à audiência; e consegue isso sem abrir mão do caráter soturno e doentio do Batman.

O filme tem falhas, claro. O uniforme de Robocop é a mais grave — “Homem-Aranha” provou há quase uma década que é possível fazer uniformes para super-heróis no cinema condizentes com os quadrinhos (e o Doni, aqui, dá o link para um video que coloca isso na prática), embora o filme perceba isso e tente dar uma solução, ainda longe de ser sequer suficiente. Um Batman que voa — ou melhor, plana — é exagero desnecessário. A mudança na origem do Duas Caras é desnecessária — um apelo fácil ao melodrama típico do cinema. E Bruce Wayne, apesar de bem interpretado por Christian Bale, o Batmãe, é pouco aproveitado e explorado: sua paixão por Rachel Dawes acaba se mostrando superficial e artificial.

O filme tem boas atuações, algo nem sempre comum em filmes de ação. Michael Caine e Morgan Freeman dão o de sempre; mas esses são grandes atores, cujo arroz com feijão costuma ser mais que suficiente. Gary Oldman está adequado como o Comissário Gordon, Aaron Ekhardt não faz feio como Harvey Dent, e Eric Roberts faz um bom vilão — mas ele sempre fez, até porque para isso basta mostrar o rosto na tela; e percebendo o erro grotesco que foi usar Katie Holmes no primeiro filme, substituíram-na por Maggie Gyllenhaal. A surpresa é Christian Bale, que resolve muito bem a dicotomia entre as personalidades distintas de Bruce Wayne e do Batman.

E, claro, o Coringa de Heath Ledger.

Há um problema com quase todos os que comentam a história do Batman. Comungam da impressão de que o seriado debochado dos anos 60 praticamente destruiu o Batman. E isso não é verdade. O Batrman vinha em decadência desde os anos 50, em parte por causa da perseguição política de que os quadrinhos foram vítimas, em parte devida à esquisitice hipocritamente puritana daquela década americana. O seriado retomou a popularidade do Batman e reacendeu o interesse pelo pedófilo notívago. Sem o público criado pelo seriado, Dennis O’Neal e Neal Adams não poderiam iniciar a reformulação do Batman, transformação completada por Frank Miller nos anos 80 em “O Cavaleiro das Trevas” e “Ano 1”, e consolidada por Allan Moore em “A Piada Mortal”.

Acima de tudo, aquele seriado deu um grande Coringa. Cesar Romero insistia em não raspar o bigode, para não acabar com sua imagem de amante latino, mas mesmo assim fez um Coringa antológico e definitivo em sua histrionice e teatralidade. Romero definiu o modelo do Coringa para sempre, e Jack Nicholson, no Batman de Tim Burton, não conseguiu lhe ser superior.

Heath Ledger consegue. Todo o filme é uma tour de force de Ledger em sua recriação do Coringa. Até agora, a loucura do Coringa era caricata; a de Ledger é muito mais que isso, é tão obviamente letal que, antes de despertar interesse, ele lhe desperta medo. Ledger construiu um Coringa moderno e admirável: baixou o tom de voz, incorporou tiques psicóticos como lamber os lábios todo o tempo e deu ao Coringa aspectos de decadência física que o tornam mais louco ao mesmo tempo que mais real. Esse Coringa é muito mais sério que seus predecessores; mas a morte é algo mais sério do que isso. Incrivelmente, é muito mais parecido com o Lon Chaney de The Man Who Laughs que inspirou o Coringa.

Nos quadrinhos, o Coringa não usa mais maquiagem. Sua pele e seu riso foram deformados por elementos químicos no episódio que lhe deu origem, retratado em “A Piada Mortal”. No filme, de maneira quase lampedusiana, isso muda para não mudar. O diretor Christopher Nolan mantém e potencializa esse elemento quadrinístico ao transformar o riso do Coringa em uma cicatriz escarninha, mas ao utilizar a maquiagem que hesita entre o gótico e e circense reforça a idéia do Coringa como espelho invertido do Batman: os dois se disfarçam, cada um de sua própria forma, que afinal de contas não é tão diferente assim. E essa é, afinal, a essência do duelo eterno entre o Batman e do Coringa.

Pequena introdução à discografia de Paul McCartney

E então, sem ter o que fazer, resolvi fazer uma pequena lista dos discos de Paul McCartney.

Coisa chata, mesmo, só para fãs do sujeito.

Na lista não entram discos ao vivo, mesmo que todos eles tenham canções inéditas, nem os discos de música eletrônica ou, ainda, as peças de música erudita — acredite em mim, coisas como Liverpool Oratorio deixam os piores discos desta lista parecendo obras-primas. Além disso, a base são os LPs originais, o que quer dizer que deixa de lado vários compactos, muitos deles brilhantes, que foram mais tarde incluídos como faixas bônus nos CDs. Para mim, incluir esses compactos no disco original é como colocar Penny Lane e Strawberry Fields Forever numa reedição do Sgt. Pepper’s. É a mesma razão pela qual incluo uma coletânea que juntou uma série de compactos de McCartney que não existiam nos LPs.

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As alegrias que o Google me dá (XXXV)

qual o custo de uma operação de hemorroida
É caro. Custa o olho do cu.

pobre pode ter ética?
Pode, sim, mas ela sempre acaba no prego da Caixa Econômica Federal.

comprar citotec com pagamento no boleto
Olha o que é uma moça absolutamente sem-noção. Não é de espantar que ela tenha entrado na esparrela de emprenhar. Mas se eu fosse o farmacêutico venderia quantas caixas ela quisesse, sem pensar duas vezes. Vai que a cria dessa coisa sai igual à mãe. Essas coisas a gente tem que cortar pela raiz.

video de gilvam fazendo sexo com adolescente
Essa é provavelmente a mais encantadora egosearch que eu já vi. Gilvam com M deve ser um coroa com suéter amarelo nas costas, do tipo que aperta o 21. E quer que todos vejam o seu grande momento. Compreensível.

vestida de preto e calada toda mulher parece ser inteligente nietzsche
Eu já disse aqui mas não custa repetir: é por essas e outras, como a do chicote, que adoro quando vejo pseudo-feministas metidas a mais intelectuais citando o maluco do bigodão.

simpatia para broxa marido
Ô, minha filha… A sua vida já é difícil. Seu marido chega cansado do trabalho, querendo apenas o chinelo, uma cerveja e o Jornal Nacional. Já é difícil conseguir algo mais. E você ainda quer broxar o sujeito? Você não tem juízo, não?

brasao familia galvão gratis
Então os Galvão, essa raça de miseráveis, têm um brasão. Fico imaginando qual seja. Se for como eu penso, é um sujeito numa rede ganhando cafuné da loura, com um livro de Dashiell Hammett no colo, Beatles no toca-discos e um copo de coca-cola. Acho que vou querer um também, para materializar toda essa nobreza que de repente se apoderou de mim.

qual é a sensação que causa um penis grande numa mulher virgem?
Melhor que a sensação de um pênis pequeno. Pelo menos a moça vai ter retorno garantido pelo seu investimento e um padrão pelo qual julgar momentos semelhantes no futuro.

piriguetes fazendo boquetes
É a beleza da poesia popular, rimas belas e verdadeiras como “A Raposa e as Uvas” de Reginaldo Rossi ou “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” com Odair José. Eu li isso e já saí cantando um funkzinho tipo Sex Machine: “Piriguetes, papapapá, fazendo boquetes, papapapum”, repetindo essa linhaad nauseam da minha maneira tipicamente compulsiva e tornando o dia de todo mundo próximo a mim um pouquinho mais feliz.

meu penis tem o tamanho de um de uma criança pq?
Porque Deus não gosta de você. (Desculpe. Mas essa é a explicação menos cruel que eu posso te dar.)

simpatias para crescer e endurecer os seios
Ah, minha fofa… Escolha. Ou você tem peitinho duro ou peitão caído, ou um ou outro, e as poucas abençoadas que têm peitos grandes e duros são belas aberrações da natureza e portanto raríssimas, mais raras que hermafroditas e enterro de anão. Sabe, docinho, a gente não pode ter tudo na vida. A única maneira de você ter peito grande e duro não é com simpatia nenhuma, que Oxum está pouco se lixando para os seus peitos: é deixando uma graninha no cirurgião plástico para implantar uns 200ml de silicone.

frases de homem pra fake
Procure em “Nazário, Ronaldo”. Deve ter um monte lá.

poema para parabenizar alguém casado
Procure em “Ionesco” ou ” Absurdo, Teatro do”.

esposa ela é gorda mas é gostosa olha as fotos
É o consolo do sujeito que casou com uma mulher bonita que o tempo embarangou — e o tempo tem dessas crueldades. O sujeito chega em casa e vê o bagulho com que mora, mas se conforma achando que ela é boa de remelexo. O que ele não sabe, coitado dele, é que não é ela é que boa no aiaiai, é ele que é ruim também. Porque desgraça nunca vem desacompanhada, e para cada pé roto sempre há um sapato esfarrapado.

existe algum grupo na itália que defende os animais
Com a palavra, o Allan. Mas antecipando-me ao nobre ítalo-paulista-baiano, eu gostaria de lembrar que o Berlusconi tem muitos eleitores.

qual a diferença do canal do reto com o canal vaginal
O canal vaginal é aquele pelo qual você presumivelmente passou um dia. O canal do reto é como o Ford Ka: feio por fora e apertado por dentro. E não saber a diferença entre um e outro denota incompreensão e despreparo absoluto para a as coisas boas da vida.

estrias em homens musculosos fotos
Mas que viadagem é essa? Depois, quando a gente fala que esses fisioculturistas todos, musculosos e sarados, são todos, err, problemáticos o pessoal reclama, quer dar uma porrada na gente. Você está preocupado com estrias, compadre? Vai arranjar o que fazer. Deixa de puxar ferro e vai logo fazer um curso de cabeleireiro que é melhor para você. Você vai ser mais feliz. E sem estrias.

me decepcionei com o tamanho do penis
Tadinha. Isso acontece, e por caridade não ria, não deboche. Olhe estas Alegrias e você vai ver que esses casos são mais comuns do que parecem. Sei que isso não serve de consolo, nem quero que sirva porque acho que não devemos nos contentar com pouco, mas pelo menos saiba que há mais gente na sua situação, e você vai se sentir menos sozinha neste mundo imenso.

o que aconteceu com a mae de ritchie valens
Deixa ver: segundo o filme “La Bamba”, o filho mais velho era um maconheiro vagabundo, a filha só fazia filho e quem a sustentava era Valens. Valens morreu. Olha, amigo, acho que a mãe de Ritchie se fodeu.

a cachaça já se apoderou de mim
É por isso que você fica aí, fazendo essas perguntas idiotas ao Google.

eu sou metido
Não sei por quê.

gostaria de saber quanto tempo leva pra receber a bolsa familia
Infelizmente, quando acabar o prazo você já morreu de fome.

eu vi o penis do meu filho
Isso é que é uma mãe desnaturada. Se ela não viu o pinto do filho é porque nunca deu banho, nunca cuidou do menino. Aí depois vem com essa cara de santa puta, “Ah, eu vi o pênis do meu filho!”, e vai para o confessionário pedir perdão ao padre.

quem nunca ficou com um rafael
Você está pensando o quê, vagabunda? Que Rafaéis são assim fáceis, é? Não, minha filha. Tem que pegar na mão. Tem que pedir permissão ao pai. A gente pode ser cafajeste, mas a gente se respeita. (Na verdade a gente é facinho, sim, mas tem que fazer um mise-en-scène básico para não avacalhar.)

mulher gosta de 2 paus
O que é muito triste para você, que só tem um bem pequenininho.

é bom ser corno manso
Você tem razão, segundo o filósofo cearense Falcão. Ele dizia que a alternativa é bem pior. Vê só: você leva um chifre. É corno. Aí mata o sujeito: é corno e assassino. Então vai preso por homicídio: é corno, assassino e presidiário. E na prisão o xerife da cela faz a festa com você: é corno, assassino, presidiário e baitola. Quer saber? O chifre dói menos.

movimento historico nordestino
É o MEDASP — Movimento Em Direção A SumPaulo.

ela se chama vagina
E é uma moça bonita, cheirosa e simpática, naturalmente.

como saber se xuxa e adoradora do diabo
Pare com essa imbecilidade. A Xuxa não é adoradora do diabo. Adoradores do diabo têm chifres e rabos compridos. A Xuxa não tem nem bunda.

mulher evangélica pode fazer sexo oral?
Já tinham perguntado isso antes, mas alguém voltou aqui querendo uma resposta a essa profunda dúvida teológica. Eu imagino a moça com água na boca, engolindo em seco, pensando no volume debaixo das calças do Glenílson e em tudo o que ele pede para ela fazer, e querendo uma resposta rápida, sim, sim, eu posso, por favor diga que eu posso, e se não puder ela vai fazer assim mesmo, e a cabeça subindo e descendo vai balançar para o esquecimento as dúvidas de antes.

google eu te amo!
Rapaz, quem devia amar era eu, porque é graças aos bobos que vêm parar aqui através dele que eu arranjo o que escrever quando estou sem assunto.

putaria entre velhos gays fotos
Deve ser assim, ó:
— Me come.
— Eu não. Me come você.
— Só se você me comer primeiro.
— Então eu te pago um boquete.
— Ah, não, aí eu pago primeiro.
— Não. Eu primeiro.
E assim seguem noite adentro os dois velhos broxas.

O bom, o mau e o feio

Sobre uns blogs de que gosto.

O Biscoito Fino e a Massa — O blog do Idelber foi, provavelmente, o melhor blog brasileiro durante a campanha presidencial de 2006; continua um dos melhores até hoje, com uma abordagem sólida, de vez em quando mercurial, mas sempre honesta. E é um dos blogs que consegue uma variedade sólida de assuntos com uma perspectiva sempre interessante. O único problema do trotskista é a implicância com o Flamengo. Mas essa é a sina de atleticanos que olham além do azul do Cruzeiro. O seu caso específico é ainda mais grave: o trauma do campeonato de 1981, quando o Atlético foi vencido por um time que logo depois seria campeão do mundo dando um chocolate no melhor time europeu daqueles anos, o Liverpool, ainda não foi superado pelo Idelber. Nunca será.

O Hermenauta — O Hermê é implicante. É implicante até dizer chega. É um sujeito doente ao ponto de estar em Paris — em Paris, meu Deus — e comentar notícias da Folha de São Paulo. O Hermê é um velhinho carioca sádico exilado em Brasília que passa os dias babando sobre fotos da Nathalie Portman. E não do Richard Dawkins, como pensam uns desavisados por aí.

Sítio do Sergio Leo — O Sergio Leo é jornalista, uma dessas escolhas infelizes que a gente faz na vida e depois tem que suportar eternamente. Sua cobertura da crise do gás na Bolívia, há coisa de dois anos, foi brilhante pelo equilíbrio e pela capacidade de separar o joio do trigo — e publicar o trigo: foi uma das raríssimas vezes em que um blog foi muito superior à média da cobertura da grande imprensa brasileira. O Leo também é uma voz ponderada na abordagem da situação venezuelana. Mas o Leo realmente acredita que o diploma de jornalista é necessário, o que mostra que nem sempre ele está correto.

Liberal Libertário Libertino — Assim como este blog, o LLL já teve excelentes momentos e alguns nem tanto. O Alex é melhor quando expõe suas opiniões. É pior quando coloca fotos de mulheres bonitas e focaliza os pés em vez da bunda e dos peitos. Ultimamente tenho acompanhado a fantástica descoberta, por parte do Alex, do racismo — sob um ponto de vista americano, o que é mais interessante. Do ponto de vista literário, a série sobre as Prisões são um grande momento da blogosfera brasileira; muita gente lia esses belíssimos textos — belíssimos, por mais que eu discorde deles — como lia Dale Carnegie. O Alex poderia ser um grande escritor de auto-ajuda se parasse com essa bobagem de ser escritor sério e se dedicasse a ganhar dinheiro.

A memória dos grandes

Das lendas vivas dos anos 60, apenas duas mantêm uma trajetória criativa significativa quase meio século depois: Bob Dylan e Paul McCartney. Os Rolling Stones, a outra lenda, estão no mesmo nível de um Chuck Berry e Little Richard, ou de Elvis em 1975, vivendo de shows em que reapresentam incessantemente um repertório brilhante composto décadas atrás; o que muda é apenas a magnitude. Apenas para comparação, nos últimos vinte e poucos anos os Stones lançaram apenas quatro discos com canções inéditas, todos medíocres, e são três compositores na banda. Nesse mesmo período de tempo McCartney lançou doze, incluindo dois discos de covers e três de música erudita, com alguns pontos altos.

O penúltimo último álbum de McCartney, Chaos and Creation in the Backyard, foi recebido com aplausos generalizados, inclusive por este blog. Menos de dois anos depois, e em meio a um dos divórcios mais públicos e escandalosos dos últimos anos, ele apareceu com um novo disco, Memory Almost Full.

Normalmente as pessoas resenham um álbum assim que ele é lançado. Mas algo de estranho acontece com McCartney: as pessoas elogiam seus discos durante o lançamento enquanto detonam o anterior, e esse processo segue infinitamente: a obvra elogiada hoje é detonada amanhã. Talvez a música de McCartney pareça biodegradável, não sei; por via das dúvidas, resolvi só publicar este texto pelo menos um ano depois do lançamento do disco.

Que a capa tenebrosa, provavelmente a pior de McCartney em quase meio século de carreira, não sirva de prelúdio ao conteúdo do disco: Memory Almost Full é um excelente álbum.

É curioso notar que, do ponto de vista do conjunto, Chaos and Creation é um disco melhor. É mais coeso, é claramente um álbum concebido como uma entidade única e orgânica. Mas Memory Almost Full tem uma vantagem nada desprezível: é um disco com melhores canções pop. Aqui se vê de volta o bom e velho Paul McCartney, com ecos dos Wings e uma capacidade de criar boas melodias que parecia perdida quando ele entrou em sua sétima década de vida.

O mais interessante é que, de repente, as letras de McCartney passaram a ser pessoais. É impossível ouvir o disco e deixar de pensar que algumas das faixas são respostas à crise por que ele passou nos últimos anos.

O disco foi gravado em dois momentos diferentes. O primeiro, em 2003, com a banda que o acompanha em shows e que estava presente em Driving Rain, disco de 2001. O segundo, a partir de 2006, com McCartney tocando todos os instrumentos. Depois do clique segue um comentário faixa a faixa.

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A verdade em tons de cinza

Nos últimos anos, ninguém reclamou das grandes operações da Polícia Federal, como a Sanguessuga, a Navalha e a Pasárgada. Não se falou da espetacularização de suas ações. Não se disse que as prisões eram midiáticas. Não se criticou a humilhação de homens poderosos ao saírem algemados — como o empresário João Alves Neto, filho do ex-governador de Sergipe João Alves Filho, preso na Operação Navalha. Ninguém, claro, além dos diretamente envolvidos.

Ninguém criticou porque essas operações mexiam com um setor bem definido do tecido social brasileiro. Ali estavam apenas políticos corruptos desviando dinheiro de ambulâncias, ou empresários que reinavam no submundo mas eram desconhecidos do grande público, como Zuleido Veras, da Gautama. Todos esses personagens de triste memória operavam sem necessidade do apoio de outras instituições brasileiras, como a imprensa. Só eles eram sujos, não precisavam sujar mais ninguém.

Com a Operação Satiagraha, isso mudou.

A diferença entre a Satiagraha e, por exemplo, a Sanguessuga é que aquela mexe com uma área cinza das relações institucionais brasileiras, que envolve muito dinheiro e muito poder. É uma área em que legalidade e ilegalidade, moralidade e imoralidade são separadas por linhas muito tênues. É uma área mais complexa em que uma peça não funciona sem outra, em que um Daniel Dantas precisa do apoio de jornalistas a seu soldo para influenciar a opinião pública e ter mais capital político para realizar seus negócios. Essa é a grande novidade trazida pela Satiagraha, e é isso que tem gerado as críticas que se vê na mídia nos últimos dias. São críticas tímidas porque estão lidando com uma das instituições mais respeitadas do país cumprindo o seu papel — uma instituição cuja reputação foi criada através de operações “espetaculares” como a Navalha e prisões “midiáticas” de figurões, amplamente repercutidas pela imprensa.

(É preciso lembrar também que essas operações só se tornam espalhafatosas a partir do momento em que a imprensa as cobre e divulga com estardalhaço. Ao reclamar do espetáculo, a imprensa está apenas se recusando a aceitar a responsabilidade pelas suas ações.)

Em relação às operações anteriores da Polícia Federal, a imprensa se sentiu numa posição confortável para elogiar porque em nenhum momento sua própria credibilidade esteve em jogo. Ela não intermediava negociatas. Não participava dos esquemas e dificilmente tinha sequer acesso a esse tipo de informação. Mas agora está diretamente envolvida e o relatório da Polícia Federal mostra os suspeitos utilizando termos que destroem qualquer tipo de respeitabilidade que um jornalista possa aspirar a ter: “matérias por encomenda”, “campanha de difamação”.

De acordo com a imagem rósea que a imprensa projeta de si mesma, esse tipo de coisa ficou para trás, junto aos cadáveres de Assis Chateaubriand e David Nasser. Qualquer pessoa mais próxima de algum nível de poder, no entanto, sabe que não é assim. Esses termos não apenas são utilizados com constância como são moeda corrente das relações de grandes empresas e do Estado com a imprensa.

Ao adentrar essa área cinza em que as coisas são mais complexas do que parecem, a Operação Satyagraha assusta a imprensa porque envolve questões como verdade e ética. Um jornalista não precisa mentir para ser anti-ético, publicando apenas um parte da verdade e influenciando a opinião pública a favor de quem lhe paga ou lhe oferece alguma vantagem. Se recebe algum dinheiro de um empresário bilionário, que mal há nisso, desde que ele não tenha mentido?

Em conversa com o jornalista Sérgio Matsuura, do site Comunique-se, o colunista Diogo Mainardi — o cão de guarda quase hidrófobo da Veja e, segundo o Luís Nassif, de Dantas também — menosprezou o seu envolvimento com o esquema denunciado e o próprio trabalho da Polícia Federal: “Uma investigação que não conhece o funcionamento do jornalismo, não pode saber como funciona uma rede de falcatrua internacional.”

Resta saber agora — e é esse o dever que a imprensa tem no momento — qual é realmente o “funcionamento do jornalismo” a que o Mainardi se refere. Qual o limite que jornalistas devem se impor em suas relações com suas fontes e, principalmente, com as estruturas de poder. A outra alternativa é assumirem-se como eventualmente são. (Por outro lado, vale a pena ler o texto do Sergio Leo sobre o envolvimento da repórter Andrea Michael no relatório.)

A Operação Satyagraha é uma iniciativa corajosa e benéfica. Faz parte de um processo de evolução constante da Polícia Federal e historicamente já representa um grande avanço para o país. Durante anos, reclamou-se que só pobre ia preso. Isso está mudando, como mudaram outras coisas no Brasil. E por si só, isso já é uma grande coisa. Ao criticar aspectos secundários da operação, a imprensa faz um desserviço para o país. Faz isso para se proteger. E ao fazer isso, não cumpre o seu papel.

Porque as notícias da revolução francesa ainda não chegaram à ilha

Notícia mais que apropriada ao 14 de julho.

Enquanto o Fukuyama tentava convencer os bobos de que a história tinha acabado, a verdade é que ela sequer tinha começado.

Só hoje fiquei sabendo da existência da Ilha de Sark, o último território legititimamente feudal da Europa, com senhor e tudo, além de leis fantásticas como o “Clameur de Haro“, uma espécie de mandado de segurança medieval onde a pessoa, ao julgar que seus direitos individuais estão sendo atingidos, recita na hora e no local — com testemunhas, claro — o Pai Nosso e grita: “Haro, Haro, Haro! À mon aide mon Prince, on me fait tort!“, tendo apenas que registrar a queixa nas 24 horas seguintes, e onde eleições livres serão realizadas pela primeira vez em séculos de história em dezembro de 2008.

Eu não poderia querer um mundo melhor para viver.

Se na Bahia ainda existe gente pobre, fracassada ou de coração partido é porque não lê os classificados d’A Tarde

Classificados do jornal baiano A Tarde do dia 29/06/08, caderno Populares, seção “Místico”.

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Blogografia

Na minha caixa de correio apareceu esse pequeno poeminha, enviado por um leitor que, por modéstia ou timidez, sei lá, preferiu ficar anônimo.

É uma pena, porque esse é um bom poema, e eu tenho que confessar que ri muito quando li:

O blogueiro é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é sossego
O sossego que não sente.

E os que lêem o que escreve,
No sossego lido sentem bem,
Não os dois que ele não teve,
Mas só o que eles também não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama enganação.

Manuais Disney

Durante muito tempo, em vez de dormir cedo, me pegava imaginando que para muito pouca gente os manuais Disney foram importantes como para mim. Conhecia pouquíssimas pessoas que lembravam deles com o mesmo fervor que eu.

Isso mudou com a internet. Um bocadinho de gente compartilha suas lembranças. A Wikipedia tem uma lista deles. Infelizmente, ela parece conter alguns erros. Uma lista bem completa — com fotos das capas de cada um — pode ser encontrada aqui.

Os manuais eram livros ilustrados sobre algum assunto específico, pequenas enciclopédias para crianças publicada entre os anos 70 e começo dos 80. É bom descobrir que mais gente gostava daqueles livrinhos.

Mas melhores que essas referências na rede são as lembranças que tenho deles. Tive, e ainda tenho, uma boa parte desses manuais. Fizeram parte da minha infância, como as balas Soft — aquelas que matavam crianças sufocadas —, a Sessão Tarde e o Sítio do Picapau Amarelo.

Olhando para eles agora, preciso admitir que me forneceram boa parte do conhecimento sobre o mundo necessário a uma criança — e nisso a minha geração foi privilegiada em relação à imediatamente posterior. Eles combinavam, de maneira equilibrada e adequada, lazer e informação. Certamente não entendo muito mais de carros hoje do que entendia depois de ler o Autorama. E quase tudo o que sei sobre esportes e olimpíadas vem do Manual dos Jogos Olímpicos, com o Pateta como protagonista (que comprei uns poucos meses depois das Olimpíadas de Moscou).

Naquela mesma época ainda comprei o Manual do Detetive, que não tinha nada a ver com a Disney e trazia uma lupa como brinde, além de um monte de informações que moldaram a minha paranóia — como nunca andar encostado a muros e prestar atenção a quem anda na mesma rua que eu. Anos antes minha irmã teve o Manual da Mônica, onde aprendi, por exemplo, a história do jogo do bicho. Tive ainda o Manual do Mandrake; hoje nem Mandrake existe mais.

Não tive alguns manuais, como o do Tio Patinhas, que falava de economia; do Mickey, se não me engano sobre polícia e espionagem; do Gastão (que nunca soube direito sobre o que era); e do Professor Pardal, sobre invenções. Não os comprei por que não estavam disponíveis na época. Depois foram reunidos numa certa “Biblioteca do Escoteiro Mirim”, mas a minha época já tinha passado.

O Manual do Zé Carioca, lançado para aproveitar a Copa de 1974 e relançado em 1978, falava obviamente de futebol. O Autorama falava de automóveis. O Manual do Peninha era uma aula sobre jornalismo e sua história, e imagino que deva ter inspirado muita gente a se tornar jornalista; o Marmota lembra dele. O Manual da Vovó Donalda era sobre culinária. E não esqueço de comprar o Magirama em 1978, em Aracaju, e começar a leitura sentado na calçada do aeroporto enquanto perdia um vôo para Salvador.

Ver as páginas sobre os manuais confirmou minhas lembranças de que o último lançado — sem contar reedições medíocres — foi o Manual da Televisão, que comprei em 1985. Ainda o tenho e folheio de vez em quando. É excelente. Uma boa aula resumida de como funcionava uma emissora de TV.

E de todos aqueles manuais, o melhor era o Manual do Escoteiro Mirim.

O Manual do Escoteiro Mirim fornecia um amontoado de informações inestimáveis para uma criança; tinha até um pequeno dicionário de inglês, francês e acho que italiano e espanhol. Além disso, criou em mim uma vontade imensa de ser escoteiro, até o santo dia de 1982 em que vi as roupas ridículas que eles usavam, as bermudas, os lenços e os meiões de jogador de futebol de várzea, e decidi que minha auto-estima era muito maior que aquilo. Os escoteiros daqui sequer tinham chapéus de guaxinim, usavam umas boinas de produtor cultural desempregado. Decididamente, aqueles garotos com roupas esquisitas eram terceiro-mundistas demais para mim. Pareciam aprendizes de soldado raso. E mais tarde eu teria uma briga por jornal com o coordenador dos meninos liderados por um imbecil em Aracaju, o que enterrou de vez qualquer ilusão que eventualmente ainda tivesse a respeito deles.

Mas o que importa é que em 1979 aquele manual, junto com “As Aventuras de Tom Sawyer”, era minha leitura preferida. Li tanto que ele se desfez em pedaços, e comprei um novo volume em 1981. Tenho esse até hoje, sem capa, com muitas páginas faltando, mas uma lembrança legítima de que um dia, quem diria, eu fui criança.

O que mais se aproxima daqueles manuais, hoje em dia, é o “Livro Perigoso Para Garotos”. É um bom livro que deveria ser dado para qualquer menino aí pelos seus oito, dez anos. Mas mesmo que eu seja suspeito para falar, porque quase 30 anos já se passaram desde que lia o Manual do Escoteiro Mirim com absoluto deslumbramento, fica em mim a impressão de que a série de manuais Disney acabavam sendo mais completos e mais interessantes.

Em outubro do ano passado, no Rio, achei alguns desses manuais em uns sebos da rua Passos, e estavam em bom estado. No momento em que escrevo isto, eles estão sobre a minha mesa de trabalho, em casa. Estão quase destruídos. Minha filha e meus sobrinhos fizeram um bom trabalho com eles. Normalmente não gosto de ver livros destroçados, mas com esses não me incomodei. Mais uma vez, eles cumpriram seu papel. Não poderiam querer destino melhor que esse.