Quando descobri o blog do Adenor Gondim me apaixonei por esta foto.
Deixo que o próprio Adenor a descreva:
Na feira de Junco, município de Jacobina-BA, numa tarde de maio de 1984. No meio da feira, num espaço de 5 m2, um pau em cada canto, uma lona em volta, uma bancada-palco, Tonho do Acordeon & Maria Rumbeira. Casa cheia, 20 espectadores disputando um melhor lugar para ver e se possível tocar em Maria. Hoje o ingresso seria R$ 1,00 por cabeça para uns 15 minutos de show. Era proibido tocar em Maria sob pena de ser expulso do espetáculo. Quando a sanfona parou tinha apenas 14 espectadores.
Há fotos mais belas no blog do Adenor, ou pelo menos esteticamente mais adequadas ao gosto do mundo. Mas essa foto, pelo menos para mim, conta uma história vívida que, se não é exatamente típica, é pelo menos uma faceta bastante reconhecível da história de tantos e tantos sobreviventes no sertão.
Pelas roupas, pela atitude, pode-se dizer que Maria Rumbeira é prostituta em um cabaré qualquer do interior da Bahia, de Pernambuco ou do Ceará. De qualquer lugar. Porque o sertão nordestino é o contrário do Brasil, é o paraíso da homogeneidade. O tal caldeirão cultural brasileiro não existe ali, uma terra árida que gera gente ensimesmada e rústica, chamada por Euclides da Cunha de “o verdadeiro paulista”. E por isso é impossível saber quem é Maria Rumbeira. Ela pode ser mulher de Tonho do Acordeon, pode ser sua funcionária, pode parte de uma sociedade da qual ambos se beneficiam: ela traz ouvintes para ele, ele traz clientes para ela. Talvez essa seja a graça a história que a foto de Maria Rumbeira conta: ela pode ser o que se quiser imaginar.
De que interessa que sua barriga denuncie pelo menos um parto? Seu olhar compenetrado enquanto dança mostra a seriedade com que defende seu pão. Sua roupa cafona é um arremedo de music hall — um retrato da pobreza que se espelha no luxo do showbiz que ela via no Chacrinha, um conceito digerido pelo seu ambiente e pelos seus padrões e transformado em sensualidade sertaneja e grosseira.
A história de Maria, pelo menos nessa foto, está para sempre ligada à de Tonho do Acordeon. É engraçado pensar que no começo ela era provavelmente apenas um chamariz para Tonho do Acordeon, um homem que provavelmente começou a tocar acordeon profissionalmente na década de 70 e, naquele momento, via seu público minguar graças à chegada das rádios FM e das tevês. Para Tonho, Maria inicialmente era um acessório; mas a vida é engraçada e as pessoas devem ter passado a ver Tonho apenas como o sujeito que tornava possível a dança de Maria.
Seus espectadores não enxergam a arte que há no show, até porque provavelmente não há nenhuma. Para eles, Tonho do Acordeon é apenas um pretexto para verem uma mulher que julgam sexy — e que, veja o olhar dela, concorda com eles — dançar sensualmente. 1984, de certa forma, ainda era um ano de inocência no interior. E Maria Rumbeira era um signo de sensualidade numa sociedade machista, ainda ingênua e respeitadora. Era a Gretchen que estava ao seu alcance, e em quem um rápido toque valia a pena de uma expulsão.
20 anos depois dessa foto, Maria Rumbeira provavelmente não dança mais e não corre as cidades do interior em dias de feira. Está casada, é mãe solteira, trabalha numa venda, é puta barata para caminhoneiros sem dinheiro, é qualquer coisa. Tonho, provavelmente, continua tocando sua sanfona — talvez agora com uma mulher mais nova e, quem sabe, na qual se possa tocar durante o show que, não por acaso, dura 15 minutos.