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As coisas em Cuba continuam complicadas para o Alex.

Não bastasse a censura que ele está sofrendo em seu blog — alguém já notou as fotos bucólicas que ele anda publicando? Até parece que Cuba é um país em que as pessoas não são fuziladas na rua o tempo todo; isso só pode ser a ação dos censores, esses desgraçados —, a vida na Castrolândia está cada vez mais difícil.

Pelo último e-mail que me mandou, parece que ele bem que tentou se comportar como cubano. Primeiro, abandonou o cachimbo e passou a fumar, cada vez mais, os charutos de um peso que todos os cubanos parecem adorar. Até deixou de usar aqueles sabonetes Phebo fedorentos em que é viciado. Nos últimos dias pela manhã ele se levantava e ia direto para a Biblioteca Nacional José Martí, onde está pesquisando sobre os tais romances abolicionistas.

O problema começou quando ele se deparou com referências à santería, e como bom católico carioca não sabia do que se tratava. Agora ele se lamenta, e diz no e-mail: “Porra, se eu soubesse que era macumba não precisava ir atrás de ninguém, a avó do Bia é macumbeira, é até mãe de santo”. O Alex, poucos sabem, é filho de Oxóssi. Mas Oxóssi não reconheceu a paternidade.

Aquela jinetera que tomou o Alex sob os braços indicou um bom brujo para ele. Um tal de Don Miguelito Herrera, que já tinha feito até especialização em vodu no Haiti. Sabe como são esses acadêmicos, um título no exterior sempre cai bem.

A casa do pai de santo fica num subúrbio de Havana. A jinetera disse que não o levava lá, mas deu o endereço. O Alex bateu na porta do macumbeiro no comecinho da manhã de ontem.

Quando viu o Alex, o santero tremeu. A energia daquele brasileño meio viado era muito forte, foi o que disse. Pediu para o Alex sentar e jogou os búzios. Disse o de sempre: que ele ia voltar a ser rico e feliz, que o Oliver ia virar macho, que alguém próximo tinha muita inveja dele, que ele ia comer todas as cubanas que quisesse e que tinha um amigo no Brasil que estava sacaneando o seu blog (o que, desde já, eu repilo como mentira vil e soez).

O brujo pediu licença e sumiu casa adentro. Quando voltou disse ao Alex: “Nuestro jefe está muy mal. Muy mal, el pobrecito. He hablado con los orishas y ellos han dicho que lo que hace falta para que Fidel se ponga bien és una buena mamadita en los pies. Pero nadie le quiere hacerlo porque si no se recupera, el infeliz que le haya chupado gañará el paredón. Tú has sido elegido para salvar nuestra madre Cuba!”

Antes que Alex pudesse responder, de trás das cortinas de contas que separavam a sala de atendimento de pai Miguelito da cozinha saíram dois homens barbudos. “¡Polícia secreta de Fidel!”, eles gritaram.

Mas o Alex já era gato escaldado. “Ustedes piensam que soy otário? Ustedes no son secretas. Ustedes tienes barba. Yo quiero ver los pentellos.”

Os agentes arriaram as calças. Eram imberbes. “Ahá! Ustedes no son policiais ni con un carajo!”, exclamou o Alex, triunfante. Os agentes viraram as costas e mostraram umas bundas extremamente cabeludas. “Nosotros somos de la división de actuación em la retaguarda.”

O Alex foi levado ao palácio presidencial. Os agentes o fizeram entrar em um quarto cheio de guardas. Uns quinze, mais menos. E lá no canto, em uma cama com dossel, Fidel Castro jazia quase inerte. Trazia uma sonda na barriga, a boca aberta que respirava com dificuldade babava, e fumava um charuto. O Alex esperava sentir o perfume do bom tabaco cubano, mas era uma catinga miserável de maconha. Um baseado deste tamanho. Envergonhado, o agente disse que era por indicação médica.

Nos estertores da morte, Fidel respirava com dificuldade. Com um esforço extremo, levantou um pouco a cabeça, olhou para o Alex e sorriu. Mais um esforço, agora ainda maior, e botou o pé para fora do cobertor bordado com a cara de Che Guevara.

Aquele era o pé da revolução, o pé do último grande herói do século XX. Aquele pé tinha desembarcado em Las Coloradas; tinha subido a Sierra Maestra e de lá comandado a redenção cubana. Aquele pé tinha transformado o bordel dos Estados Unidos em um país digno e importante. Aquele pé era horroroso, disforme, calejado e tinha um cheiro de chulé que parecia remontar aos tempos de Fulgêncio Batista.

“Chupame… Chupame… Chupa mi piezito, Alequito de mi corazón… Chupamelo”, disse o grande Fidel com voz entrecortada.

O Alex suava, horrorizado ante aquele pé imenso, tenebroso. Olhou para trás e os dois agentes de bunda de fora olhavam feio para ele. Um deles falou:

“Chupalo bien rico, bien sabroso, maricón. Chupa y serás un heroe de la revolución, con derecho a una fotita de Alberto Korda.”

Se fosse a Margareth Thatcher, o Alex encarava. A coroa até que dava um caldo. O Alex encarava até a Havanir, aquela do Enéas. O Alex não ligaria em pagar um boquete no pé de um velho de oitenta anos, ex-militante do Partido Integralista. Mas em um comunista, ah, não. Isso, nunca. O Alex tem princípios. Não sei direito quais, mas ele tem. Ele jamais chuparia o pé do Fidel. Não tanto pelo pé horrendo, mas pelas sérias divergências ideológicas.

“Fidel, mi compañero… Vaya a ralar el cu en la ostra, que mi boquita no fué achada en el lixón!”

Fidel gemeu. Os agentes armaram suas pistolas e apontaram para o Alex, que finalmente percebeu que a coisa não era brincadeira. Mas de repente as portas do quarto abriram com um estrondo. Seis homens irromperam sala adentro, empunhando Kalashnikovs 1976, e dizimaram os agentes de Fidel.

Com o terreno limpo, Raúl Castro entrou na sala.

“Él no va a chuparte los pies, Fidel.”

Raúl se sentou ao lado de Alex, que mais uma vez exalava aquele cheiro esquisito das calças. Alex esperava a morte, sem direito a pelotão de fuzilamento. Mas então Raúl começou a chorar.

“No puedo matar mi hermanito. Yo amo Fidel como no he amado a nadie más, nunca. Pero ahora me toca ser más. Yo voy a ser el presidente de Cuba, y juro por Dios que voy a hacer discursos más largos aún que los suyos.”

Olhou com carinho para o irmão que, como era de se esperar, continuava jazendo na cama, babando o baseado enorme. Enquanto fazia um carinho em sua cabeça, continuava:

“Desde muy niños, Fidel tenía todo y yo me quedaba con los restos. Nuestra mamacita — que Dios la tenga — le compraba ropas y yo vestia los trapos que no les servían más. Cuando joven él follaba las bailarinas de rumba y yo me quedaba con las camareras. Mientras yo hacia um discurso de 5 horas, él muy listo me sobrepasaba con uno de 7. Ahora és mi turno. Tócate a morrir, hermanito, y nosostros vamonos a construir el socialismo.”

Virou-se para o Alex.

“Ahora tú, brasileño de mierda. ¿Eres comunista?”

Naquele exato momento o Alex tinha tido uma epifania e se tornado comunista desde criancinha.

“Si, señor. Soy afilhado de Apolônio Carvalho, soy neto de Astrojildo Pereira e fui así con João Amazonas, e militei en PCB, en PCBR, en PSTU, en PSOL, en PCO y en PQP.”

“Entonces te has ‘se fodido’, como dices. Los rojos son peligrosos. Tienen unos mariconeos de revolución y yo no quiero eso ahora. Voy a sepultar todos los rojos com Fidel. Pero eres un brasileño de mierda y me atraparías en un problema diplomático con el compañero Lula, aunque yo no comprenda porque él se iba preocupar con un maricón como tú. Ahora mismo hablé con Bush y él me dijo que te va a recibir en Guantánamo. Fíjate, eres un preso político.”

Os agentes de Raúl pegaram o Alex e o colocaram de novo no carro. O Alex saiu gritando: “No hacias esto comigo! Yo soy tu hijo bastardo, papá Raulzito! Mira mi nombre! Castro! Castro!”, mas o Raúl já não ouvia, ajeitando o cobertor sobre o irmão com um olhar enternecido.

Os agentes enfiaram Alex em um macacão laranja — não sem antes limpar sua bunda, que estava em petição de miséria.

Quando o Alex entrou em Guantánamo, os presos se amontoavam em seu banho de sol diário. No canto do pátio, um comunista era torturado; enquanto isso, um muçulmano era estuprado perto da entrada do refeitório por três dançarinos de salsa de Miami liderados pelo Robby Rosa, especialmente empregados para esse mister macabro.

Os presos, alguns com o crescente no uniforme, outros com a foice e o martelo, se aproximaram. Queriam ver quem chegava. “Eres un comunista o terrorista, coño?”, perguntou o que parecia ser o líder.

O Alex se assustou. Percebeu que o destino dos comunistas era melhor que o dos muçulmanos. Era uma boa ser comunista. Mas esses muçulmanos são uma raça complicada, invocada, e também era bom não se indispor com eles. A merda era que o Alex não sabia a letra da Internacional (“De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da Terra”), nem uma daquelas palavras de ordem típicas. Algo no seu cérebro de menino rico mimado impedia que ele conseguisse pronunciar frases como “Reforma agrária já” ou “Abaixo o imperialismo”. Tampouco sabia algum verso do Alcorão. O jeito era improvisar.

“Por Alá, eu estou grávido de Luiz Carlos Prestes!”

Os presos começaram a rir. Só um pequeno grupo, de umas doze pessoas, continuou sério, medindo Alex de cima a baixo.

Os guardas vieram e o levaram. Com a cara de pau de quem pede fotos de pés, o Alex pediu um computador com acesso à Internet. Ele queria mandar um e-mail para a namorada, para os amigos e para a Xuxa. Claro que o guarda não ia liberar o acesso assim, mesmo sabendo que o Alex lhe daria o .cu. A negociação foi dura. Depois de quase duas horas, o Alex conseguiu corromper o guarda com um sabonete Phebo, um tubo de Crest e uma camisa da seleção brasileira de futebol comprada na rua Uruguaiana.

Ele estava escrevendo esse e-mail que transcrevo aqui quando aquele bando de presos, o que não riu, entrou na sala. Andavam lentamente, com um gingado esquisito. Olhavam fixamente para ele e cantavam, com o mesmo olhar lúbrico que o Alex faz quando vê um pé: “Guantanamera, guajira guantanamera…”

Mais o Alex não diz. O e-mail foi enviado às pressas, sem nenhuma revisão; ele sequer assinou. Estou esperando o próximo. E o filho da puta ainda não mandou meu Cohiba.

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Republicado em 26 de agosto de 2010

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O Alex acabou de me mandar um e-mail direto de Havana.

Minha esperança era a de que ele voltasse de lá um pouco mais afinado com o mundo. Um sujeito que deixasse de lado essa palhaçada de mercado livre e entendesse o papel do Estado na sociedade. Pensei que uma estadia em Cuba daria continuidade ao excelente trabalho que o Idelber está fazendo com ele. Isso era necessário. Embora eu tenha cá minhas reservas acerca do regime cubano, Fidel é definitivamente uma das grandes lideranças mundiais do século XX, e Cuba era, e ainda é, absolutamente importante para a América Latina.

Mas, até agora, não foi isso que aconteceu.

O Alex não fala, mas deve conhecer a trajetória do Reynaldo Arenas. Virou filme, até. “Antes que Anoiteça”, coisa assim. Pelo e-mail que me manda, vejo algumas semelhanças entre os dois. Ambos eram, digamos, heterodoxos em relação ao padrão sexual do regime. O Arenas era gay. O Alex chupa pé.

Deve ter sido por isso que a primeira noite do Alex em Cuba foi esquisita, pelo que ele diz. Já no aeroporto, os fiscais da alfândega olharam para o seu passaporte e abriram os olhos espantados. Um deles gritou para o outro: “Mira! Un hijo de puta de un exilado volve a Cuba!” Aí outro fiscal puxou o sujeito pelo braço e murmurou: “¿Estás loco? Eso es el hijo de Raúl Castro!” Um terceiro fiscal desdenhou: “Hijo de Raúl, um carajo! Eso es nombre de decorador de fiesta de subúrbio!” É, não é, o pau comeu no aeroporto.

Na confusão, o Alex saiu de fininho e pegou um táxi. Era um Chevy 1954, que já tinha servido de lancha para um grupo de dissidentes. O Alex pediu ao motorista que o levasse ao hotel Tomono, que fica em Varadero e tem esse nome em homenagem ao nissei que pilotava o Granma.

No lobby do hotel, uma mulher vestida como pobre americana se aproximou. Uma morena de fechar qualquer quarteirão, mesmo aqueles enormes de conjunto residencial que leva número no final, tipo Cabula VI ou Mangabeiras IV.

“Quieres divertirte, guapetón?”

Normalmente o Alex não cederia aos apelos de uma semi-profissional do sexo. O Alex é um homem sério, dentro de uma determinada noção de seriedade, e suas taras doentias são fruto do amor. O problema é que a moça tinha uns pés de deixar qualquer tarado podólatra maluco. Havia uma gosminha preta na sola, molhada, fedida, que falou aos mais baixos instintos do Alex.

A jinetera sentiu o babado e perguntou para ele: “¿Te gustan los pies?” O Alex não conseguiu responder. Babava. As pessoas não se lembram, mas ano passado a Carol postou um vídeo do Alex chupando os pés dela. O sujeito chupava cada dedinho com um prazer tão grande, e com tão notável talento, que até parecia um boquete. Daqueles muito bem pagos. Se o Alex fosse mulher eu namorava ele, no duro, mesmo que a cara não seja lá grandes coisas.

O Alex seguiu a jinetera até o apartamento dela, em um prédio acabado cheio de meninos catarrentos cantando salsa na escada. Ela começou a tirar a roupa mas o Alex, imperativo, a impediu, com aquele olhar sensual típico de um podólatra. “No es preciso, tesón.” Pediu que ela sentasse na cama coberta por uma colcha bordada com a cara do Che. E caiu de boca no pé dela.

Eu não quero imaginar a cena. Já vi isso ao vivo uma vez na Cinelândia, e depois em vídeo. Ainda não me recuperei dos traumas, e por isso chuto cachorrinhos indefesos na rua quando volto a pé para casa tarde da noite. Por quê, meu Deus, por quê?, é o que me pergunto. Nunca recebo resposta. É por isso que eu bebo.

Quando a boca do Alex já estava dormente, ele disse que ia ali na esquina comprar um cigarro. E não voltou. Saiu rindo, achando que tinha dado um calote na moça. O Alex saiu do Brasil, mas o Brasil não saiu do Alex.

Satisfeito, assoviando uma velha melodia de Celia Cruz, se encaminhava para o hotel Tomono quando foi parado por dois homens. Eles o mandaram entrar num velho Oldsmobile 1957. O Alex, acostumado a baculejos na Taquara, perguntou quem eles eram, que ele não ia entrar num carro assim, de qualquer jeito. Os sujeitos responderam que eram agentes policiais de Fidel. “Ué? E cadê la puerra de la barba?”, perguntou o Alex. Eles olharam para um lado, olharam para o outro e baixaram as calças. É, eles tinham barba. “Nosotros somos de la polícia secreta, división de los comedores de jineteras.” Deram um cacete nos cornos do Alex e o jogaram no carro.

Pela primeira vez em Cuba, o Alex sentiu medo. Os agentes seguiram para Sierra Maestra.

O Alex é um sujeito urbano, sofisticado (não é o cúmulo da sofisticação preferir pés a outras coisas mais óbvias em uma mulher? Eu, que sou só um paraíba e não sou capaz dessas sofisticações, olho admirado para o sujeito enquanto sonho em afundar minha cabeça em um belo par de peitões). Mato não é bem com ele. Ainda mais num breu miserável como o que fazia em Sierra Maestra naquela noite quente de maio.

Colocaram o Alex sob uma panela de luz, no meio de uma clareira. Um general barbudão se adiantou, deu um tapa no Alex e gritou:

“¿Acaso no sabes que tienes que comer nuestras putas, maricón? ¡Se les chupas o tan solo lambes a sus pies, tiras a la desgracia sus reputaciones, y nadie más va a querir comerlas, las desdichadas! ¿Quieres acabar com nuestra economia, hijo de puta?”

O Alex não falava nada. Um cheiro esquisito passou a exalar de suas calças.

“Por esta vez passa, chulezero de mierda. Pero volverás a la calle, pegarás la jinetera que no comeste e vaya a dar-le una surra de polla, que nuestra economia depende da atuación de nuestras putas. Y pague a la mujer, gilipollas sin verguenza!”

Vendaram novamente o Alex e o largaram em Varadero. Ele se arrastou até o hotel. Entrou e se dirigiu ao cybercafé. Ia entrando afobado quando foi parado por um negão que parecia ser o segurança do lugar. O sujeito já estava para lá de bagdá, tinha enchido a lata de rum, percebia-se pelo bafo.

“¿Que quieres, gordito?”

“Yo quiero usar la Internet.”

“Para usar la Internet tienes que dar el .cu.”

“Como es la conviersa?”

“El .cu, brasileño tonto.”

“Yo solo dou el cu por amor. Y yo no te amo, viadón!”

O negão partiu para a ignorância. Ia encher o Alex de porrada. Mas aí foi impedido pela jinetera que o Alex não tinha comido; ela vinha atrás dele para receber o dinheiro que o safado não tinha pago. (Lição a ser aprendida aqui: nunca confie em alguém que lambe pés.) A mulher era jogo duro. Deu um balão no negão e chutou seu saco. Ele se dobrou de dor e ela chutou sua cara. O negão desmaiou na hora. Quando se virou para o Alex, ele já estava com o dinheiro na mão.

Ela pegou os dólares e resolveu quebrar o galho do Alex, explicando que as coisas são um pouco diferentes por lá.

“Brasileño de mierda, en Cuba nosotros tenemos que tener un domínio .cu para usar la Internet. Exigência de Fidel. .Cu es para nosotros el mismo que el .br de ustedes, cabrón.”

E explicou o que ele tinha que fazer. Deveria ir até o Secretariado Revolucionário Especial de Assuntos de Internet, deixar nome e endereço, e pagar um bocado de dólares por um endereço provisório de e-mail. O do Alex ficou assim: alexcastro@tomono.cu.

O e-mail do Alex parou por aí. Estou aguardando o próximo. E o filho da puta ainda não mandou meu Cohiba.

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Republicado em 24 de agosto de 2010

Astrólogos de Maria

Há quase dois anos, um enfermeiro chamado Bruno veio parar neste blog e deixou um comentário longo defendendo uma tese: a de que preservativos não apenas são ineficazes no combate à Aids, como ainda por cima incentivam os jovens a praticar essa aberração medonha chamada “sexo fora do casamento”. O Bruno externava aquela crença supersticiosa de quem não conhece direito o assunto: se você tem uma camisinha no bolso, ela por si só vai fazer de você uma máquina de fazer sexo. Imagino esse tipo de católico olhando uma camisinha como a uma estátua do bezerro de ouro: com uma mistura de medo e de fascinação ante o hediondo.

Com a doçura que mamãe me deu, eu comentei o comentário do Bruno neste post. Não foi propriamente o proselitismo do sujeito que me incomodou: mas o fato de ele usar suas credenciais de agente de saúde para espalhar desinformação em proveito de sua crença.

É inadmissível que um enfermeiro, em última análise executor de políticas públicas de saúde, deliberadamente coloque pessoas em risco porque precisa de uma mentira para fortalecer os dogmas que defende. Gente assim é perigosa, como são todos os idiotas em alguma posição de poder.

Foi quando um sujeito chamado Pedro Sette Câmara leu a brincadeira e resolveu tomar a defesa do Bruno, em um post chamado “O Donzelão dos Argumentos” — em que o donzelão, claro, era o autor destas maltraçadas, o que aliás não é segredo para ninguém. O Pedro 7, em linguagem mais sofisticada, reforçava a tese do Bruno: a de que uma pessoa com uma camisinha no bolso se vê acometida de um repentino e incontrolável furor genital. Camisinhas, para eles, são como aqueles objetos encantados de filmes de terror. Transformam moças decentes em prostitutas, homens calmos em sátiros insaciáveis. Eles não falam com todas as palavras, mas parecem acreditar que uma fábrica de camisinhas é comandada pelo próprio Belzebu, um instrumento para levar a humanidade ao abismo negro do inferno.

É uma postura obscurantista, típica do que um segmento mais alucinado do cristianismo vem fazendo há milhares de anos. A diferença é que hoje a Igreja tem menos capacidade de coerção e já não consegue mandar feiticeiras para a fogueira. Mas a mentalidade obtusa continua a mesma.

Por causa desse post, o blog foi invadido por beatos e olavetes, povo que, sem brincadeira, me enche de medo; eles conseguem fazer com que eu, um humanista convicto, veja a minha fé nas gentes vacilar — coisa que nem as pesquisas no Google conseguem. Não havia discussão, mas os sujeitos mostraram um tom triunfalista dizendo que mais um ateu tinha sido esmagado pela clava de Deus, coisa assim. Fui promovido a ateu, porque os idiotas fundamentalistas não conseguem ver além de seus próprios antolhos. Isso só não me magoou mais do que ver o pessoal me chamando de — ai! — feio.

Foi quando descobri, graças ao Marcelo Camanho, que apesar da sua devoção católica, do respeito exacerbado ao velho sibarita Bento XVI e da defesa acalorada da castidade pré-nupcial, o Pedro 7 era astrólogo semi-profissional (ele fez questão de dizer também que tinha uma noiva; apesar de não gostar de entrar nas intimidades de ninguém, fiquei me perguntando o que ele era, se hipócrita e fazia sexo antes do casamento com ela, ou o “donzelão” de que ele me chamava).

Mais: o Marcelo me indicou um post delicioso do sujeito. Foi um dos textos mais engraçados que li em toda a história da blogoseira. Era algo incrível: ali ele dizia como a astrologia podia revelar, antecipadamente, se você ia conseguir pegar ou não determinado filme numa locadora de vídeo. Isso mesmo.

Eu estava diante do fundador de uma seita que, acreditei, fazer-se-ia ouvir falar pelos tempos que virão: os Astrólogos de Maria. Imagine a força desse pessoal, provavelmente formado na venerável Congregação Mariana de Astrólogos, no Mosteiro de Santa Cruz, em Segovia, Espanha (lar de outro bom católico, São Tomás de Torquemada): eles não somente têm Deus ao seu lado, como ainda sabem o que vai acontecer no futuro. Como num antigo gospel, têm o mundo inteiro em suas mãos. Não ia ter para mais ninguém.

Se astrologia é uma bobagem, esse tipo de aplicação da “ciência” é quase demente. Nenhum astrólogo que se pretenda sério é capaz disso — pelo contrário, prefere ficar em aspectos mais gerais, em traços de personalidade, coisa vaga assim. Dessa forma é mais fácil criar um sistema plausível. O Pedro 7, no entanto, encarou o desafio. A verdade é que, para que se consiga acreditar numa baboseira dessas — a astrologia como uma espécie de I Ching, ou cartomante de quinta — é preciso um tipo especial (especial como quando a gente fala de um menino com sérias deficiências mentais: “ele é especial”) de fé. É exatamente o mesmo tipo de fé que possibilita o tipo de catolicismo professado pelo Pedro 7.

A astrologia é condenada pela Igreja Católica — como, de resto, qualquer outro método de divinação, entre os quais um que me parece bastante simpático, a veneromancia. Para alguém que se pretende um fiel devoto e estudioso, era mais que uma simples contradição: era uma prova viva de hipocrisia e confusão teológica. Num caso muito grave, essa confusão pode dar em aberrações como o Olavo de Carvalho; em outros mais brandos, resulta no Pedro 7 e em tentativas de mascarar sua fé numa bobagem atrás de justificativas históricas sem pé nem cabeça. Esse tipo de católico, na verdade, tem problemas quando tenta conciliar história e religião. Geralmente, quem sai perdendo nesse conflito é a verdade; nesse caso, é o juízo.

Isso foi há muito tempo, mais de dois anos. Mas nesta Semana Santa resolvi mostrar o post a uma amiga, porque ela, que já passou por quase todas as religiões, não acreditou no que o Pedro 7 propunha. E cliquei no link.

Foi com uma certa surpresa que vi que o link havia mudado. Pode ter sido coincidência. Talvez. Mas foi justamente o post linkado — em que tínhamos a Grande Revelação de como a Astrologia pode lhe confirmar se você assistirá a “Marcelino, Pão e Vinho” — que foi substituído pela arenga em que o Pedro 7 explica por que deixou de ser astrólogo.

Se fosse só isso, era aceitável. As pessoas têm direito a mudar de opinião. Se o Pedro 7 tinha deixado de ser astrólogo porque tinha percebido o conflito teológico que aquilo representava e se viu obrigado a escolher, tudo bem. Provavelmente seria um sujeito mais infeliz, mas talvez a sensação de ser coerente compensasse. Há algo de belo na renúncia, no ascetismo.

O problema é que o texto da entrevista que o Pedro 7 faz consigo mesmo é de uma hipocrisia de matar de rir. Ele não deixa de acreditar em astrologia. Não deixa de estudar os livros que tem. Não os empresta, que mulher e livro a gente não empresta a ninguém; mas indica onde os interessados podem comprá-los. No fim das contas, ele só deixa de alardear que acredita, realmente, que nascer em determinado dia e em determinado lugar define a sua vida porque um diacho de planeta a milhões de quilômetros estava em tal posição naquele momento. Deixa também de tentar descolar um trocado com isso. O Pedro 7, ao mesmo tempo, consegue ser desonesto consigo, com seus leitores católicos e com seus leitores que acreditam em astrologia.

O texto é uma maravilha de subterfúgios, de tergiversações. Não interessa quantas condenações a astrologia receba da Igreja: ele vai procurar uma saída. E vai fingir que encontrou.

Eu fiquei chocado. Sinceramente acreditava que os Astrólogos de Maria, como cruzados medievais em cota de malha e espada em punho, iriam conquistar o mundo e levar este rebanho insensato de pecadores ignorantemente felizes ao caminho da Salvação. Infelizmente, o Pedro 7 desistiu.

Mas essa foi só a primeira impressão. Vendo o amontoado de tentativas confusas de justificar o injustificável, de repente passei a admirar o Pedro 7. É preciso coragem para insistir na baboseira, mesmo de maneira tão coleante, mesmo quando a realidade lhe é jogada na cara. Como dizia o Borges, somente as causas impossíveis interessam a um cavalheiro. O Pedro 7 é um sujeito antigo em suas crenças e em sua hipocrisia; um típico cavalheiro vitoriano. Ele avocou para si uma tarefa muito difícil: conciliar cristianismo e astrologia. Não vai conseguir. Mas isso faz dele um rapaz de coragem. Queiram ou não, Pedro 7, o Astrólogo de Maria, é quase um poema. É a versão beata de Galileu, resmungando entre dentes: “E ainda assim, o sol está na quarta casa de escorpião!”

Republicado em 22 de agosto de 2010

Crônica de um cotidiano que quase passou

Continuando a cruzada religiosa deste blog, um livro lido no ano passado continua na minha memória Chama-se “Vida no Brasil” e foi escrito por um sujeito chamado Thomas Ewbank.

Ewbank era um americano que passou alguns meses no Brasil, em 1866. Suas anotações sobre o cotidiano da Corte se transformaram em livro, cujo subtítulo é “Diário de uma visita à terra do cacaueiro e das palmeiras”.

Por alguma razão, “Vida no Brasil” não é um livro lembrado com entusiasmo por gente como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Hollanda, os inventores do Brasil. Há pouquíssimas referências à obra de Ewbank em seus principais livros. Eles preferem outros viajantes, como Saint-Hillaire e Debret (embora Freyre faça ressalvas em princípio a outros franceses, que costumam exagerar e mentir em seus relatos). Essa lacuna chama mais a atenção em “Sobrados e Mucambos”, livro de Freyre que trata especificamente do período em que Ewbank esteve no Brasil. Eles mencionam “Vida no Brasil” em suas obras, claro. Mas é sempre com parcimônia, ilustrando temas secundários e de maneira acessória.

É uma pena. O livro de Ewbank é um relato fantástico do cotidiano da capital do país em meados do século XIX. É o tipo de livro que pode ser escrito apenas por um estrangeiro, para quem tudo que nos parece normal e óbvio é estranho e diferente. É justamente por não estar inserido no cotidiano, por não estar acostumado a ver tudo aquilo todo dia, desde sempre, que as pequenas coisas lhe chamam a atenção.

Aquele era um momento importante na história do Brasil. O século XIX foi o da reeuropeização do país. Depois de dois séculos de isolamento, em que forjamos a base da nossa identidade nacional mesclando elementos europeus, negros, indígenas e, acessoriamente, asiáticos — herança da tradição navegadora portuguesa –, o Brasil insular voltava a ter contato com a civilização européia. E mudava rapidamente seus costumes, adotando conceitos e costumes inteiramente novos — como a cerveja que substituía o aluá, as casacas pretas quase onipresentes e o pão de trigo que botava a mandioca para escanteio. Ewbank não pode ter consciência desse processo em andamento; mas ao contar o que via, fornece dados importantes para a sua compreensão.

O melhor em “Vida no Brasil” é resultado do espanto de Ewbank diante das tradições religiosas do Brasil. A escravidão, por exemplo, não lhe parece hedionda: afinal, ele vinha de um país que tinha libertado seus negros havia pouco tempo. É por isso que, com exceção de menções feitas quase de passagem, não é o regime escravocrata no Brasil que chama a sua atenção, o fato de um Estado aceitar a servidão de um homem. Se algo lhe revolta não é propriamente o sistema jurídico: são os abusos dentro desse sistema. Apenas no final do livro se encontra uma condenação um pouco mais contudente à escravidão — mas dirigida principalmente aos donos de escravos que os exploram em excesso, especificamente os do Norte (que, curiosamente, mostram ainda lembranças claras da Revolta dos Malês, em seu quase respeito aos escravos muçulmanos), e não quanto ao regime jurídico que permitia que uma pessoa possuísse outra.

Se, por exemplo, menciona o fato de os mesmos monges beneditinos que rezam as mais belas missas do Brasil terem centenas de escravos em suas fazendas, não é exatamente por indignação contra a escravidão, mas por notar a ironia religiosa e a contradição no discurso. Seu alvo não é a escravidão: é o catolicismo. Isso não impede, no entanto, que ele note as deformidades físicas que o trabalho forçado inflige aos negros, nem tampouco a beleza das escravas, ou ainda que não se espante com os castigos infligidos.

Se o fato de ser criado dentro de uma tradição que tolera a escravidão lhe torna complacente em relação a exploração dos escravos brasileiros, com a religião a conversa é outra. Ewbank foi criado em um país definido pela tradição puritana.

É isso que torna o seu livro realmente interessante: seu espanto diante da tradição católica brasileira — ritualística, hipócrita, sensual e exuberante — e o modo como ela se insere de maneira quase onipresente no cotidiano do brasileiro. O catolicismo pátrio, principalmente pelo que tem de teatral e obscurantista, fascina Ewbank: tudo aquilo é absolutamente exótico para ele. E o americano é perspicaz o suficiente para perceber a extensão da influência da Igreja na definição do caráter nacional. Ewbank acaba fazendo um relato preciso da relação do brasileiro com a religião e com a sociedade.

Aqueles eram outros tempos. Procissões se sucediam, assim como paradas, e as pessoas beijavam estandartes e bandeiras com devoção ou, mais provavelmente, respeito a uma conjuntura social. Caixas de esmolas se espalhavam pelas ruas. Em todas as igrejas, as pessoas podiam pegar suas medidas dos santos e fingir uma devoção que, já ali, misturava doses semelhantes de fé, hipocrisia e oportunismo. Os padres que não fugiam com suas fiéis tinham uma importância enorme em suas comunidades. Superstições que ainda hoje sobrevivem tinha uma força quase inimaginável.

Ewbank estava no Brasil quando se iniciou aqui o culto a Santa Prisciliana. Ele descreve com riqueza de detalhes o processo que criou, a seu ver artificialmente, um novo objeto de culto. Não esconde a indignação com o que julga, acertadamente, ser um grande embuste; mas faz questão de, antes, descrever o que se passa.

É óbvio, desde as primeiras páginas do livro, que o olhar de Ewbank não é imparcial. Ele é, definitivamente, um protestante americano. No Rio de Janeiro de 1866, Ewbank poderia passar perfeitamente por um bom inglês, com suas roupas escuras e sua incapacidade de se misturar ao povo local, demonstrando mesmo um certo horror pela barbárie que presenciava ao mesmo tempo em que é sensibilizado pela hospitalidade brasileira. Definitivamente, o catolicismo brasileiro não era “limpo” como o puritanismo americano. Como bom anglo-saxão, Ewbank mostrava total falta daquela qualidade plástica portuguesa que possibilitou esta que é a mais bem sucedida civilização européia nos trópicos.

Mas mesmo parcial, ou talvez por isso, Ewbank era dono de um olhar acurado. Homem de boa cultura clássica, é capaz de perceber as origens orientais em tradições brasileiras como o entrudo, que daria origem ao carnaval. A arquitetura colonial privada — que naquele momento de crescente urbanização começava a desaparecer, com rótulas e gelosias nas janelas dando lugar a vidraças e venezianas — lhe chama a atenção, e ganha em sua comparação com o amor setentrional à madeira e ao estuque. Mas mesmo admitindo a superioridade da arquitetura brasileira, ele não deixa de se horrorizar com um dos principais traços da nossa cultura: o total descaso com a rua, com a comunidade. Um traço que define a personalidade do brasileiro e compreendido com facilidade por Ewbank, ao notar que enquanto os americanos tinham calhas que traziam as águas das chuvas dos telhados para as calçadas, as casas brasileiras simplesmente jogavam a água no meio da rua, e os transeuntes que se virassem como podiam.

Quando voltou para os Estados Unidos, Ewbank levou consigo uma preguiça. O animal morreu durante a viagem. É bem possível que tenha morrido de sede: preguiças não bebem água. E esse fato simples talvez mostre a natureza de uma relação norte/sul que se perpetua até os dias de hoje. Ewbank era capaz de ver o que estava à sua frente, mas era incapaz de compreender, de verdade. Mesmo assim, o livro que escreveu a partir de sua experiência na terra das palmeiras é um relato importante da rotina na capital do império brasileiro. E, o que talvez seja mais importante, permite uma comparação razoavelmente precisa e fornece elementos importantes para que se compreenda um passado que, ainda hoje, continua no Brasil moderno.

Republicado em 20 de agosto de 2010

Rimas ricas e rimas pobres II

O Bear implicou com as rimas que arranjei para Jesus, num gesto de boa vontade e de sincera contribuição à riqueza poética da música popular brasileira. Sugeriu mais uma, “seduz”. E o pessoal reclamou da tendência pia que este blog, outrora tão pouco religioso, anda ostentando.

Então é a hora de fazer um poeminha.

Glória a Vós, ó Jesus!
Amor eterno que me seduz
E pelas veredas da morte me conduz:
Mas que pela manhã, ao lado de brucutus,
Deixa que eu coma só cuscuz,
Cercado por urutus,
Observado pelos urubus,
E insultado por homens nus.
Deixai-me dizer, num momento de luz,
Que esses putos, cada um com sua cruz,
Deviam todos tomar nos olhos dos seus cus.

Rapaz, eu devia ser poeta.

Rimas ricas e rimas pobres

No livro “Roberto Carlos em Detalhes”, que agora pode ser lido livremente por aí, Erasmo Carlos comenta que Jesus é palavra complicada para colocar numa música, porque é difícil achar uma rima e fica-se restrito às mesmas: luz, cruz, conduz.

Bobagem.

Jesus rima com cuscuz, brucutus, urutus (dava uma boa letra na época da ditadura) e urubus.

Rima também com cus. Assim, no plural.

Os trabalhos evangélicos de Lucia e Tony

Uma moça chamada Lucia Atagiba deixou um comentário num post antigo sobre o Cine Tamoio, um dos últimos cinemas de rua de Salvador a fechar. O comentário foi bloqueado, porque não entendi o que ele tinha a ver com o tema; mas faz um apelo que merece ser ouvido, e é tão bom que merece ser publicado com algum destaque:

Estou alugando uma chacara na cidade de Alagoinhas Bahia para fazer trabalhos evangelicos.
Caso aja interesse procurar Tony neste telefone(71)32594531

E aí está o telefone de Lucia e de Tony. Por favor, ligue. Se você precisa de um intermediário para a indefectível conversa que tantos acabam tendo com Deus, ligue. Conheça a chácara de Lucia e Tony, onde trabalhos evangélicos são feitos para aproximar o Senhor de pobres mortais que, não sabendo ou não podendo laborar por conta própria, incumbem Lucia e Tony desses trabalhos. Não sei quanto custa, e nunca coloquei os pés em Alagoinhas; mas se morasse ali, ou pelo menos perto, eu não deixaria de ir.

Lírico que quase sou, quase vou às lágrimas ao imaginar Tony e Lucia fazendo um trabalho evangélico. Mugunzá para Nosso Senhor dos Passos. “Tá amarrado!”, diz Tony, e Lucia ergue os braços para o céu e diz “Aleluia!, mizifio!”

É com um sorriso grande no rosto que imagino a Lucia numa encruzilhada à meia-noite. Não faz pedidos malévolos para Exu, claro, que até o sincretismo absoluto tem seus limites éticos, mas quem sabe uma pipoquinha para Gabriel? Mesmo arcanjos gostam de um agrado, de um sinal de respeito e de carinho. Arcanjos são seres solitários em sua faina divina.

São trabalhos limpos, os trabalhos evangélicos de Lucia e Tony. Chega de galinhas se esvaindo em sangue, chega de cachaça. Uma hóstia no lugar de um bode, agora; e antes de começar a realizar o trabalho evangélico que você encomendou, Tony vai derramar um pouco de vinho canônico para Exu.

São belos, também. Na chácara de Lucia e Tony os trabalhos evangélicos são feitos ao som ritmado dos atabaques, em vez de histéricos com as mãos para o alto. Você não verá uma mulher convulsa possuída pelo demônio enquanto Tony, com a mão em sua cabeça, ordena que o demônio que está dentro dela abandone esse corpo que não lhe pertence. Em vez disso, mulheres dançam enquanto mexem suavemente os ombros, caindo para lá, caindo para cá. Suas mãos fazem desenhos no ar, suaves, quase sensuais, desenhos que parecem carícias na cabeça de Deus.

Procure o Tony. O telefone está ali, é 3259-4531, o código de área é 71. Ele vai te receber com um galho de arruda numa mão e um incensório na outra. E vai curar seus males de amor, vai lhe contar que aquela sua grande amiga tem inveja de você, vai trazer de volta a pessoa amada, e vai abrir os seus caminhos com a graça de Deus e de Iemanjá.

It runs in the family

A todos aqueles que, ao longo dos quase quatro anos em que este blog esteve no ar, chamaram este pobre escriba de ateu, zoófobo, troglodita, direitista, ignorante, guru, macho alfa, quase-lindo, comedor de mulheres casadas, tio sukita, paraíba, viado, medíocre, putanheiro, mineiro, comunista, palhaço, escorregadio, maria-vai-com-as-outras, burro, americanófilo, guei, gênio, gordo, baiano, voyeur, polígamo, glossolálico, menino, impostor, pornógrafo, demônio, chapa-branca, broxa, petista, doce, chato, corno, teimoso, bocó, cruel, amassadinho, sergipano, fedelho, velho, cachorro, punheteiro, ditador, feio, donzelão, “pretencioso”, xenófobo, misógino, culto, carioca, grosso, esquerdista, indecente, imbecível, cumpre comunicar que a verdade acaba de ser estabelecida.

Amanhã minha família passa a ter outro santo.

***

Comentário do Cláudio a este post:

Desculpe-me, mas ô santinho mais chinfrim…! Não foi capaz nem de obter um feriado no dia da canonização…e no próximo ano o dia cai no fim de semana. Só fazendo como um antigo personagem do Chico Anísio, o Bento Carneiro: puá! santinho brasileiro…! cuspe…

Que injustiça, meu Pai. Cláudio, você vai arder no inferno por isso. São Galvão II já fez o seu primeiro milagre em terras brasileiras.

Impediu que um bando de canalhas (os mesmos que aproveitam que o povo é idiota, e fica babando só porque o velho sibarita está aqui, para aumentar seus salários — o que apenas reforça a minha teoria de que o papa é um ser nocivo, até involuntariamente) cometessem um atentado contra a produtividade nacional declarando o 11 de maio feriado nacional.

A gente somos bom, rapaz.

As alegrias que o Google me dá (XXIX)

fotos de bebes saindo da vagina
Moleza. Agora quero ver você achando fotos de bebês saindo do cu.

meninas do recife atrás de sexo sem dinheiro
Como elas vão conseguir, as coitadas? Sem dinheiro para pagar um homem, como elas vão conseguir aliviar o desejo que queima sua carne?

a vaca que plantava maconha
AS vacas finalmente entenderam que havia um nicho a ser explorado. Antigamente os malucos fumavam bosta de vaca achando que era maconha. mas não era só isso. Agora, junto com os flatos que espalham metano em nossa atmosfera, eu tenho certeza de que essa plantações são parte de um plano para as vacas de dominarem o mundo, tornando a Terra um lugar absolutamente fedorento.

vida do maycon jackson
Você chama aquilo de vida? O sujeito nasce nos cafundós do Cariri e é batizado por um pai que é fã de Michael Jackson. O tabelião ainda tenta convencer o pai a colocar um nome mais bonito, algo como Givanílson, mas o velho Gerardo está definido: vai ser Maycon, ponto final. Na escola todo mundo debocha dele. Na adolescência, nenhuma menina quer dar para ele. Adulto, todo mundo olha para ele como se olhasse para um pedófilo. Tudo isso morando nos cafundós do Cariri. Ah, bicho, vai sacanear outra pessoa, tá?

simpatias para homem ser só seu
Arranje um homem feio, burro e pobre. Você deve ser do tipo que prefere comer um prato de bofe sozinha a dividir uma porção de caviar.

pensamentos pequenos
É.

você precisava ver como ela tremia
Pois é. É nisso que dá comer velhinhas com Mal de Parkinson.

omenagem amae
O melhor presente que você pode dar a sua mãe neste Dia das Mães é tão simples, meu filho: um diploma do Mobral. Ela vai chorar de emoção, você vai ver.

se vc pensa que é um derrotado você será um derrotado se não pensar quer a qualquer custo não conseguirá nada mesmo que você queira vencer mas pensa que não vai conseguir a vitoria não sorrirá para você
Ou “Pérolas do Curso Sylvester Stallone de Auto-Ajuda”.

pesquisar sobre a igreja católica em especial sobre coroinhas e suas vestes
O moço aí quer ser coroinha, é? Então deixa isso aí de lado. O importante, mesmo, é saber agradar o padre. Fazer um chazinho de boldo pra ele, massagem nas costas, carinhos e beijinhos sem ter fim…. A Igreja Católica tem avançado muito e os padres estão ficando mais exigentes em relação aos coroinhas que os servem. Chega de sexo pelo sexo. Eles agora querem carinho, também.

basicamente o que é o racismo brasileiro
Basicamente é o seguinte: branco sacaneando preto. E se você não percebe nem isso, você está basicamente com um sério problema.

como ser gigolo
Primeiro você tem que especificar o tipo. Gigolô michê ou gigolô cafetão? Para ser gigolô cafetão você só precisa arranjar umas meninas que estejam dispostas a alugar o que é delas e, por alguma razão, lhe dar uma parte. Agora, para ser gigolô michê você precisa de talento. Não parece ser o caso.

motivos para a revoluçao russa
Homens passando fome? Mulheres revoltadas porque só a família real recebia o portento do Rasputin? Ah, quem vai saber uma coisa boba dessas?

quero saber amelhor posse de sexo que o homem gosta
A pose que, no Kama Sutra, está sob o título “dando para ele”.

flagras de civis sem calcinha e fazendo sexo
Tempo demais na caserna dá nisso. O sujeito abandona a sentinela e vai descascar uma nos computadores do Exército. Depois ele deflagra a III Guerra Mundial e ninguém vai saber por que foi.

menina que fazem sexo por mixaria
Aí, não. Sexo é coisa séria. Ou você faz de graça, ou então cobra caro. Não há meio termo. Fazer por mixaria é um desrepeito às colegas e desvalorização da saliência.

tem homem bonito em goiania?
Tem, mas quando não é viado, é michê.

posição sexual melhor para mulher gorda
No escuro.

como a igreja católica pensa sobre o uso de preservativos?
Ela pensa que camisinha é coisa do diabo e que, por ter uma no bolso, você vai imediatamente se tornar uma máquina de fazer sexo, e as mulheres vão cair aos seus pés, e você vai passar o resto da vida em uma orgia infindável. Compra duas dúzias ali para mim, por favor.

tecnicas japonesa para aumentar o penis
Me diz uma coisa, você está mesmo falando sério? Técnicas japonesas para aumentar o pinto? Ô, amiguinho… Daqui a pouco você vai estar pedindo aula de português a analfabeto.

quando um homem faz punheta para onde ele esporra?
Em qualquer lugar, menos onde ele queria.

como fazer para sair fogo no escapamento
Coma muita pimenta.

teste para saber se sou ninfomaniaca
Olha, eu atendo a partir das 15 horas, tá?

este blog foi criado para quem gosta de misterios
Nào. Este blog foi criado para eu rir de você.

homens dando o cú e supando penis
Ah, deve ser lindo. Imagine o pessoal ali, fazendo um belo dum ménage, e o gaguinho que está recebendo o tal boquete dizendo: “Supa, caçorro!”.

significados do nome jarlene
Significa que o seu pai é um escroto que merecia uma porrada por fazer uma sacanagem dessas com a própria filha.

sexo seboso
É por esses momentos que eu vivo. Pelo momento em que vou achar uma frase nas estatísticas, e pensar em algo para dizer, e não vir com nada decente, e ficar rindo da frase maravilhosa que algum demente, mais doente que eu, foi capaz de pensar.

como se tornar uma mulher bonita apos os 30 anos
Exemplos clássicos como esse de que a esperança é a última que morre me emocionam. Então eu respondo: gastando muito dinheiro para que o cirugião plástico conserte a sacanagem que a natureza fez com você.

na giria dos torturadores dos anos 70 o que significava omelete
Não sei, mas pelo nome acabou de me dar uma dor esquisita no baixo ventre.

otos de homens acima de 50 anos com outros da mesma idade transando
Essas fotos devem ser extremamente raras.

tudo sobre abelardo e heloisa
As cartas de Heloísa para Abelardo estão entre as mais belas páginas da literatura mundial. São mais bonitas até do que os sonetos de Elizabeth Barrett Browning. O que pouca gente sabe é que, diante das respostas um tanto frias de Abelardo, que àquela altura tinha um pequeno problema de produção de testosterona, Heloísa escreveu uma última carta, em forma de poema, que os antologistas preferem deixar de fora. Este blog publica, pela primeira vez em língua portuguesa, essa carta perdida:

Abelardo, meu grande amor
Que tragédia aconteceu!
Meu tio castrou você
Bebé, você se fodeu.

Ele acabou com nosso amor
Que eu não quero homem capado:
Esse negócio de dedo e língua
Pra mim é papo furado.

Quando lembro nossas noites
Não sabes a saudade que sinto
Mas isso fica na lembrança
Porque você perdeu o pinto

Me lastimo dia e noite, Bebé,
Como é triste, esta minha sina
Mas admito que pior é a sua
Com esse vazio sob a batina

E assim seguimos nossas vidas
Tu aí com tua filosofia
E eu, rezando no convento
Fico pensando em putaria

Você não faz idéia, ó meu Bebé
De como têm sido meus serões
Aturando freiras chatas
Quase todas sapatões

Mas me consolo lembrando
Que pior foi o seu destino
Virou brinquedo dos padres
E está falando fino.

Shit

Sábado à noite, um restaurante.

Vamos para uma mesa meio afastada, mas o sujeito chega e se senta à mesa ao lado. Na verdade sentar ali não foi indelicadeza dele, foi erro nosso: a mesa já estava ocupada, mas quando chegamos ele estava perto do bar, tomando alguma coisa enquanto esperava, e sua mesa parecia vazia como as outras. Indelicadeza é ele continuar ali, sozinho, depois de ver que um casal que não quer muita conversa com o mundo sentou numa mesa afastada. Há prioridades na vida, e ele deveria respeitá-las. É como ceder o lugar a um velhinho na fila do banco; são coisas que você simplesmente sabe que deve fazer.

O fato de estar próximo já cria, automaticamente, uma certa antipatia. Disfarçadamente olhamos para o sujeito: é meio gordo, tem pouco mais de 30 anos. Usa óculos e barba por fazer, fala com sotaque paulista, embora equilibrado. E se senta sozinho à mesa do restaurante.

Sozinho. Então cai a ficha: naquele exato momento em que destrói as chances de duas pessoas de jantarem com alguma privacidade, ele está levando um cano.

Ele parece estar esperando alguém. Olha todo o tempo para o celular. Um pequeno sentimento de vingança pela sua proximidade aparece: você levou um cano, compadre, porque sentou perto de nós. É bem feito. Você mereceu. A isso chamamos justiça divina.

Pelo menos isso: ele levou um cano. Durante o resto da noite vamos ter que falar ainda mais baixo do que pede o restaurante, mas ele também teve o dele. A gente ainda comenta o assunto quando, de repente, ele olha para o celular e diz em voz alta: “Shit!

A antipatia que a sua simples existência criava aumenta e se cristaliza. Esse sujeito jamais será meu amigo. Eu tolero gente que fala todos os palavrões, mais até do que eu, e eu falo muitos. Gosto de gente que fala “pobrema” e “mulé”. Mas há um tipo de gente que me irrita. Shit em vez de merda. Oh-oh em vez de ih!, de xi!, em vez de êpa! Oops, em vez de opa — até mesmo em vez de “puta que pariu!”.

Não dá para respeitar ninguém que em sã consciência fale shit. Pior: que fale shit em voz alta, sozinho enquanto experimenta o processo doloroso de um belo de um perdido.

A entrada dele chega, um creme de aspargos. Ele toma a sopa com educação, segue bem as regras de etiqueta. É um rapaz fino. Está levando um cano inesquecível, mas não perde a classe. Depois do creme, um risoto. Ele acaba de comer — olhando para cá de vez em quando, porque talvez tenha adivinhado que falamos dele — e pega novamente o telefone. Celulares parecem ter sido inventados para dar o que fazer a quem leva um cano inesquecível, mas dessa vez ele disca e espera atenderem.

O cardápio está à minha frente, eu tenho que escolher o meu prato, mas não leio mais. Tento prestar atenção ao que ele diz ao telefone. Imagino que vá reclamar com a mulher que o deixou ali plantado, ou que vá reclamar que isso não se faz; que pelo diga que ela deveria tê-lo avisado. Mas não consigo ouvir todas as frases. Ele fala com Sabrina. Sabrininha, é como ele a chama. Ela lhe deixa plantado no restaurante e você a chama de “inha”? Ah, você merece. Encare a verdade, amigo: foi essa a mulher que arranjou algo melhor para fazer numa noite de sábado do que ir jantar com um sujeito que fala shit em voz alta, sozinho. Ele merece, merece ainda mais, e eu me solidarizo com ela.

Ele é informado de que ela está ou esteve no salão de beleza.

“Você pode fazer as unhas, o cabelo, as pernas, o braço, faça o que quiser. Tudo bem. Eu estou aqui, no meu momento de orgia gastronômica.”

E mais antipatia ainda, porque ninguém faz orgia gastronômica com um risoto e um creme de aspargos. Uma orgia é algo mais. É feita de coisas diferentes, e variadas, e os sabores contrastam e se complementam. Uma orgia gastronômica é um exagero, sempre, é para ser cometida em meio a gargalhadas altas e ao barulho de talheres batendo incessantemente nos pratos. Orgia gastronômica implora por vinho, não pela Coca Light que ele perpetra. A palavra que combina com orgia é “pantagruélico”; e não “risoto”, muito menos “creme de aspargos”. Um risoto é só um risoto, não é sequer um ménage a trois. Um risoto é uma rapidinha na pia da cozinha.

E um homem que fala “no meu momento” precisa de orientação profissional. Parece uma moça que acabou de levar um pé na bunda se justificando perante as amigas: “Eu estou no meu momento, entende? Ficar comigo mesma, me curtir, sabe?”, enquanto o que curte é uma fossa descomunal.

Mas não é só isso, porque quando um homem começa errado ele tende a permanecer errado, errado até chegar ao precipício. Há um quase pecado quando alguém leva um cano como o que ele levou — se não pelo homem, que a mulher fosse pelo restaurante, valeria a pena — e diz que tudo bem, que está numa “orgia gastronômica” com um risoto e um creme de aspargos.

Dá vontade de levantar, pedir licença, sentar no lugar que ainda aguarda a Sabrina e contar algumas coisas ao sujeito. Contar que diante de um cano desses ele deveria se descabelar ao telefone, dizer que está sofrendo, que está triste. Dizer que não comeu nada — mesmo que nunca tenha comido tanto em sua vida, e que tenha arrotado sem nenhuma vergonha — porque a ausência dela tirou o seu apetite. Dizer que jamais superará a mágoa de ter passado um vexame tão grande. Nesta vida cachorra e injusta não há muitos momentos em que um homem pode se fazer de vítima: um cano em um restaurante numa noite de sábado é um dos poucos.

Mas em vez disso, em vez mostrar que é capaz de chorar por uma mulher que lhe destruiu o coração, ele prefere negociar:

“Não. Hoje quem vai usar o brinco é ela. Hoje é a vez de Priscila, a prioridade”.

Então tem uma Priscila também. O cano que ele levou é duplo, é uma tubulação inteira. Sabrina e Priscila.

Aí a outra ficha cai.

Sabrina é um nome bonito. Priscila é um nome bonito. Mas quando uma Sabrina anda com uma Priscila é porque as duas são putas, porque coincidências, se é que existem, são raras e passíveis de extrema desconfiança. Talvez Sabrina e Priscila morem em um apartamento na zona sul com Julia, Bianca e Momentos Íntimos, moças prendadas e de talentos vários e custosos. E juntas, rindo enquanto decidiam o que fazer naquele sábado à noite, elas decidiram que o sujeito que fala shit não vale sequer um bom jantar. A humilhação então chega ao limite máximo tolerável.

E então esse é o sujeito que sentou à mesa ao lado: um homem que, talvez por falar shit ao telefone, levou um cano de uma puta chamada Sabrina, ou de Priscila, mas como é generoso e magnânimo vai deixar uma delas usar o brinco hoje. É um homem que vai levar muitos e muitos canos na vida estranha que tem pela frente. Shit.

Republicado em 18 de agosto de 2010