A reação nacional à morte de Jô Soares não podia ser diferente. Capa dos maiores jornais, elogios fartos à sua genialidade e à sua erudição. É assim mesmo, e é justo que seja; eu, que provavelmente serei lembrado com um suspiro de alívio, gostaria muito de ser lembrado assim.
Sempre tive dificuldade para julgar Jô Soares como humorista, porque ele foi contemporâneo de Chico Anysio, um gênio absoluto não apenas do humor, mas da própria televisão. É verdade que seus personagens e tipos eram extremamente populares, em muitos aspectos até mais que os de Chico Anysio. Captavam e traduziam bem o humor e o preconceito brasileiros, o gosto popular, e alguns de seus tipos, como o Capitão Gay, Rochinha, Padilha, o Exilado, o Reizinho, Bô Francineide e o “Muy Amigo”, são antológicos. Seus bordões ganhavam as ruas com facilidade invejável.
Mas em comparação, seu tipo de humor sempre me pareceu mais rasteiro, mais óbvio, mais pobre, mais efêmero. E o que talvez seja o problema mais grave, a persona de Jô Soares, quase sempre, se sobrepunha às de seus personagens, ao contrário dos de Chico Anysio, que desaparecia debaixo dos seus.
Jô Soares também teve a sensibilidade de ver o esgotamento daquele formato de humor oriundo do rádio e do teatro de revista, antes que qualquer outro — e por isso foi para o SBT, porque sabia que um tipo diferente era possível e valia a pena tentar. Novamente é tentadora a comparação com Chico Anysio, que continuou fazendo, com cada vez menos brilhantismo, o que sabia fazer como ninguém e terminou sua carreira fazendo ponta em um programa ruim como o Zorra Total.
Ao estrear, o programa de entrevistas do Jô Soares podia ser descrito como revolucionário para os padrões brasileiros, que não conhecia o Johnny Carson. No final dos anos 80, o Jô Soares Onze e Meia (ao menos em algum lugar do mundo, porque nunca era exibido no horário) foi uma febre e um sopro de inteligênciana TV brasileira. Seria imitado ad nauseam depois, mas ainda hoje é imbatível.
Não é à toa que um homem de tantos talentos — dramaturgo, escritor, compositor, diretor, roteirista, ator, sei lá mais o quê — parece ser lembrado principalmente por esse programa.
Jô Soares nunca foi “o melhor entrevistador brasileiro”, como andam dizendo porque na morte todos crescem uns dez centímetros. Longe disso. Muitas vezes falava tanto ou mais quanto seus convidados, e seu narcisismo e vaidade às vezes atrapalhavam. Alguns entrevistados eram chamados para serem humilhados, pelo pitoresco ou alguma excentricidade; outros, dependendo do seu grau de intimidade ou poder, eram injustamente louvados. Imagino que fosse essa a proposta do show: entreter, menos que informar. Antes de tudo, ele era um showman, e esse era o verdadeiro espírito do seu programa.
Mas mesmo antes de completar dez anos o Jô Soares Onze e Meia já estava se esgotando. Os melhores entrevistados já tinham passado por ali. O impacto que as suas entrevistas tinham na sociedade diminuiu. A coisa degringolou de vez, mesmo, quando Jô se transferiu para a Globo. Esgotado, em um horário ingrato, o programa praticamente se reduziu a um portfólio de releases dos artistas da Globo, entrevistados repetidas vezes mesmo quando não tinham nada a dizer. Nos seus últimos 15 anos, o Programa do Jô parecia um posfácio redundante a uma obra que, em seu contexto, tinha sido brilhante.
E com tudo isso, eu fiquei triste com a sua morte. Passei horas assistindo ao seu programa e dei gargalhadas sinceras, às vezes incontroláveis, até aprendi algumas coisas. Ele já tinha morrido antes, quando seu programa acabou, depois de claudicar por anos e anos; morreu antes mesmo que a TV aberta, que também vive uma longa agonia. Mas agora é definitivo. É uma era da TV brasileira que acaba definitivamente, um modo de fazer humor que se foi porque seu tempo passou. Não haverá mais artistas como ele, com a sua dimensão, com o seu impacto na sociedade. O século XX morre aos poucos, mas algumas dessas mortes são mais tristes, como a do Jô.