Programas tipo “mundo cão” existem desde sempre; Wilton Franco, por exemplo.
Mas houve um momento decisivo em que esse tipo de programa saiu da área de serviço da TV e se refestelou na sala de estar. A história da TV nos últimos 10 anos, com algum exagero, pode ser definida entre antes e depois do “Aqui, Agora”.
Eu adorava o programa, ainda que em pouco tempo ele tenha perdido o encanto para mim. Ele tinha conseguido transferir para a TV a linguagem do Notícias Populares, o jornal que tinha as melhores manchetes de todo o país. Era o pior de São Paulo disponível em cores e em movimento para todo o país.
Havia algo mais genial do que Gil Gomes? Ele parecia a coisa menos adequada à linguagem televisiva que poderiam escolher. Camisas tiradas do baú de algum surfista dos anos 60, um rosto parecendo areia mijada, uma voz mais adequada ao rádio AM que à TV — e no entanto ele era perfeito.
Cito até hoje uma frase de Gil Gomes: “um bom, dois bons, três bons — mas um morreu!”
Essa frase é a mais representativa do que é TV popular no Brasil. É quase o “Poema em Linha Reta” em edição abreviada. É como se Hamlet, em vez de perder tempo declamando “Ser ou não ser, eis a questão; acaso é mais nobre…”, simplesmente dissesse “Tá foda!”.
O “Aqui, Agora” virou a TV de cabeça para baixo, numa época em que a Globo se via acossada como nunca antes. “Pantanal” e “Carrossel” vinham tirando o sono de muitos executivos da Vênus Platinada porque pela primeira vez roubava share de maneira que parecia — e era — consistente.
A linguagem rápida, a urgência, a escolha adequada dos temas que combinavam baixaria e interesse humano — ainda que no que ele tivesse de mais perversamente voyeur e sádico –, a estereotipização do sujeito que fazia os comentários internacionais (qual era o nome dele?), tudo isso fazia do “Aqui, Agora” um programa inovador, por pior que parecesse. Não no conteúdo, mas na forma. Esse era o principal atrativo do programa.
Mas mesmo no conteúdo o “Aqui, Agora” tinha sua força. No fim das contas, o programa prestava serviços ao cidadão, tanto que Celso Russomano fez carreira política a partir daquele programa: “Se está bom para as partes…” O envolvimento com a comunidade era muito maior que o oferecido pela rigidez fria do Jornal Nacional. Dava ao povo a informação que ele queria.
O “Aqui, Agora” deixou algumas lições. Mas não parece que até agora tenham sido aproveitadas. A idéia é: certamente há espaço para TV popular com qualidade. Forma e conteúdo não são tão intrinsecamente ligadas assim. Talvez a receita da forma tenha sido dada ali; basta agora saber como adequar o conteúdo a ela. No dia que conseguirem isso, talvez a TV aberta tenha alguma chance de voltar a significar algo.