Balada do Andarilho Ramon

É simples.

Os acordes, como eu aprendi há quase 30 anos, são G / Em / G / Em / Am / C / D, repetidos em cada estrofe (e aí você pode, se quiser, brincar um pouco com os acordes de You’ve Got to Hide Your Love Away, D#4 / D / D#9 / D.

A letra é a seguinte:

Balada do Andarilho Ramon
(Braulio Tavares)

Vou lhes falar sobre um amigo
Que tornou-se andarilho
E a sua mãe ainda hoje
Espera a volta desse filho
Que antigamente era tão
Obediente e tão bom.
A sua infância foi cercada
De ternura e de carinho
Tudo fizeram pra que ele
Se tornasse um cordeirinho
Foi batizado na igreja
Com o nome de Ramón.

Todas as noites ao dormir
Fazia sua oração
E aos sete anos de idade
Fez a primeira comunhão.
Velas de cera, terno branco,
Flores de papel crepon.
Foi sempre o melhor aluno
No curso ginasial
E até hoje os professores
Do Colégio Estadual
Inda recordam o talento
E a disciplina de Ramón.

Mas ao chegar os quinze anos
Tudo muda de repente
Pois ninguém sabe o que se passa
Em cuca de adolescente
E haja gíria extravagante,
Barba grande e muito som.
Ele lê livros e jornais
Com uma linguagem esquisita
Passa a sair com moças feias
Que ele diz que são bonitas
Ninguém em casa compreende
O que se passa com Ramón.

O pai acende um charuto,
Traça as cartas do baralho
E diz que o problema do filho
É só falta de trabalho
E esses LPs dos Beatles,
Bob Dylan e Rolling Stones.
Ele esbraveja pela casa,
Diz que a coisa é muito séria.
E que vai falar com um amigo
Oficial da Força Aérea
Que é pra ver se arranja vaga
Pra alistar o seu Ramón.

Mas sua mãe ainda acha
Que são as más companhias
Pois se não fossem os amigos
O seu filho poderia
Ser um bom pai de família
Ser católico e maçom.
Ela ouve nomes esquisitos
Cineclube, diretório
Rock and roll, latinoamérica
E corre pro oratório
Rezando um terço pede a Deus
Que cuide bem do seu Ramón.

O pai rugindo, a mãe chorando,
A casa era um pandemônio
E no fim de sessenta e oito
Foi guilhotinado o sonho
Dos estudantes marselheses
A cantar marchons, marchons.
E então quando foi mil novecentos
E sessenta e nove
Deixou na porta um bilhete
Em que dizia peace and love
E desde então ninguém mais soube
O que foi feito de Ramón.

Me disse um cara que vai sempre
Ao Rio Grande do Sul
Que foi tomar umas cervejas
Lá no bar Danúbio Azul
E viu um cabeludo estranho
Trabalhando de garçom.
Ele sorria e cantava
Enquanto servia as mesas
E enganava o patrão
Quando cobrava as despesas
O cara nunca perguntou,
Mas pensa que era Ramón.

Mas me disseram que um dia
Ele foi visto numa esquina
De um pequeno vilarejo
Lá em Santa Catarina
Onde as mulheres usam anágua,
Espartilho e califon.
E logo ali o idiota
Acabou se apaixonando
Pela filha de um antigo
Imigrante italiano
Que sustenta ainda hoje
Os quatro filhos de Ramón.

Teve também um cabeludo
Que foi visto em Cabedelo
Usando um chapéu de palha
Para esconder o cabelo
E embarcando num navio
Com destino a Hong Kong.
No bolso levava a gaita
E nas costas a mochila
Tinha um sorriso irônico
E a cuca muito tranquila
E só por essa descrição
Eu penso que era Ramón.

Mas me contaram que ele andou
Um certo tempo na Argentina
Lá se casou com uma chilena
E foi pai de uma menina
Que nasceu no dia exato
Do regresso de Perón.
Ele andou nas passeatas
Pintou versos sobre os muros
Mas depois chegou Videla
E os tempos ficaram duros
E nem mesmo a chilena
Tem notícias de Ramón.

Me disseram que um dia
Ele foi preso na fronteira
Quatro guardas o pegaram
Lhe rasparam a cabeleira
E o deixaram vários meses
Na cadeia de Assunción.
Mandou mais de dez bilhetes
Para o cônsul brasileiro
E uma noite foi levado
A passear — com o carcereiro
E quem me diz onde é que fica
A sepultura de Ramón?

A sua mãe ainda o espera
Quer esteja vivo ou morto
O pai diz “pau que nasce torto
Não tem jeito, morre torto”
E o irmão mais novo está viajando,
Mas no Projeto Rondon
Vocês desculpem se a história
Vai ficar inacabada
Não vou dizer se a escolha dele
Estava certa ou errada
Tem os que ficam como eu
E um que parte, que é Ramón.