King Richard eu ainda não vi.
West Side Story é, em absolutamente todos os aspectos, inferior ao original de Wise e Robbins. Talvez possa apreciar o filme quem não conhece ou não lembra do original de 1961, mas acho muito improvável. O que aquele tinha de moderno, inventivo, de grandioso e de arrebatador, este tem de medíocre e covarde, pasteurizado até mesmo em seu discurso. Os números de dança são poucos e pobres, preguiçosos, a música se atola em um limbo temporal que a impede de ser relevante. Aposto que até Baz Luhrman faria melhor. Só não é o pior entre os concorrentes do ano porque nem mesmo Spielberg conseguiria estragar totalmente material tão bom. (Mentira: é o pior, sim, e por isso abre a lista.)
Deve haver alguma razão para Licorice Pizza estar concorrendo ao Oscar, mas eu ainda não consegui descobrir qual é. Talvez apele para o corporativismo da Academia por ser inspirado nas memórias de um produtor, talvez o pedigree do diretor lhe possibilite dar uma carteirada digna de promotor de justiça. Não dá realmente para saber. Fora isso, é só um filminho que em seus melhores momentos apenas consegue parecer remotamente com os mais chinfrins de Cameron Crowe. Curiosamente, me lembrou um israelense antigo, cujo nome esqueço e não faço questão de lembrar, mas que tem Lollipop ou Popsicle no título, e o indefectível “O Último Americano Virgem”. Só não sei por quê.
Se não sei como Licorice Pizza está nessa disputa, sei como CODA entrou: pelas cotas, como Sound of Metal ano passado. É o maior amontoado de clichês que alguém vai ver nesta fornada, e mesmo que se tente, é impossível não saber o que vai acontecer na cena seguinte. Para agravar ainda mais as coisas, essa é uma refilmagem. Mas a verdade é que o filme tem qualidades: as atuações são muito boas, a direção é eficiente embora sem imaginação, arranca gargalhadas sinceras em um ou dois momentos e consegue engajar o espectador, que pode se identificar facilmente com a protagonista. Sian Heder tem o mérito de fazer um filme simples e extremamente agradável. E fez a opção sagaz de não legendar ou traduzir os diálogos em linguagem americana de sinais. Ou seja, tudo o que um bom filme de Sessão da Tarde faz.
Dune, de certa forma, é quase Star Wars feito da maneira certa, com roteiro escrito por um cidadão minimamente letrado e um leve molho de Game of Thrones. É um bom filme para o gênero, claramente pensado para ser trilogia (ou enealogia, se Deus der bom tempo), formalmente correto como os filmes de Villeneuve normalmente são. Filme bem razoável, não faz vergonha, mas nada de outro mundo.
Nightmare Alley é o filme em que eu votaria se fosse da Academia, mesmo sendo uma refilmagem, que num mundo ideal jamais deveria sequer concorrer. Não porque é o melhor, porque não é. Mas noirs e westerns ainda são meus gêneros preferidos, e este não nega a raça: um belo filme noir que consegue evocar toda a atmosfera de uma era sem parecer um pastiche, e ainda é melhor que o original por evitar o final conciliador.
Uma boa linhagem inglesa precede Belfast, que às vezes passa a impressão de ser o mesmo filme inglês de memórias que a gente vê de vez em quando sob nomes diferentes: Hope and Glory ou Still Lives, Distant Voices. Parecem todos saídos do mesmo útero. Mas que isso não pareça um demérito: é um filme excelente, forte, coeso, humano, e acerta ao narrar o mundo pelos olhos do menino Buddy, dando a tudo um tom onírico, irreal, a memória recriada. A fotografia é excelente, um filme com Judi Dench e Ciarán Hinds em bons papéis não pode ser ruim, e o uso da cor para indicar a importância do cinema e do teatro em um mundo que insistia em tentar ser preto e branco pode não ser o beta de Rumble Fish, mas funciona.
The Power of the Dog é um belíssimo filme. Denso, conduzido de maneira soberba, com atuações memoráveis, especialmente de Benedict Cumberbatch. E no entanto tem um final que diminui o filme, quase óbvio, absolutamente anticlimático. Toda a narrativa que se construía até ali prometia, quase implorava por uma complexidade que o final simplório não consegue entregar. E o filme desperdiça as chances de explorar a relação entre os dos protagonistas. Triste, isso.
Don’t Look Up é uma sátira deliciosa ao mundo americano em que vivemos, perceptiva, inteligente, sem deixar de ter no seu miolo o que move um filme desde quase sempre: a decadência e redenção do personagem de Leonardo DiCaprio (em atuação excelente, no ponto certo). É quase o Dr. Strangelove dos anos 2020. O mais curioso é que a trajetória do filme seguiu o mesmo roteiro que ironiza: gerou um burburinho imenso nos dias posteriores ao seu lançamento e agora ninguém mais fala nele, porque temos que seguir em frente, sempre, tem sempre um filme novo a ver, alguma besteira nova a falar. A única coisa realmente fraca no filme é a coda, mesmo engraçadinha — codas são, em 99,99% das vezes, desnecessárias.
Doraibu Mai Kā é surpreendente e de uma beleza estonteante, e supera todos os outros por mundos de distância. Uma teia intrincada de sentimentos admiravelmente bem tecida em sua relação com o tempo, dirigido de maneira singular e idiossincrática, é o melhor filme entre os concorrentes. E embora eu entenda que essa leva de filmes orientais se devem à busca de Hollywood por mercado, desta vez o filme selecionado realmente merece o Oscar que “Parasita” ganhou indevidamente. Devem fazer com ele o que fizeram com “Roma”, mas além de ganhar o Oscar de melhor estrangeiro ele ainda pode entrar para o Guiness como prólogo mais longo da história. E eu realmente não entendo por que traduziram por estas plagas botocudas o título japonês pelo inglês.
Quatro refilmagens concorrendo ao Oscar. Quatro. Isso deve significar alguma coisa, mas tenho medo de saber o que é.