O Google me trouxe esse presente ontem: historia branca de neve contada pelo anao. OK. Foi você quem pediu.
Naquela noite a gente chegou tarde. Cansado pra caralho, puto porque o Soneca não parava de peidar.
Quando a gente entrou em casa, e viu tudo arrumado, foi um tal de um olhar pro outro, desconfiado. Macho não perde tempo arrumando casa. Muito menos macho velho. A gente tem uma história, sabe? Tem uma reputação a zelar. Aquilo só podia ser coisa de viado. Aí a gente olhou pro Dengoso, que foi logo dizendo que não tinha sido ele.
É claro que a gente ficou com a pulga ficou atrás da orelha, né? Não deu outra: o Atchim ouviu uns barulhos estranhos lá em cima, então a gente subiu as escadas na maciota pra não fazer barulho — quer dizer, só o puto do Soneca que não parava de peidar. A gente entrou no quarto e viu aquela cena: um monte de passarinho, esquilinho e veadinho, e então não dava mais pra ter dúvida: a gente comeu o Dengoso de porrada pra ele parar com essas frescuras.
Foi quando o Atchim viu uma menina dormindo. A gente deixou o Dengoso estiradão lá no canto e foi olhar pra ela.
A menina era muito branca e tinha cabelos bem pretos, curtinhos. Eu não gosto muito de branquela, sabe? Sou chegado é numa negona, com aquele bundão bom de pegar, peitão farto pra fazer espanhola. Mas rapaz, ela até que tinha uns peitinhos interessantes. Peitinho de menina, sabe como é, de menina-moça. Durinho. Ela era toda organizadinha, toda gostosinha. O Soneca levantou a saia dela e a gente viu que ela tinhas umas pernas de respeito. Só não deu pra ver mais nada porque ela usava umas calçolonas de velha. O Feliz, que é sonso pra caralho, foi logo apalpando a menina. Você precisava ver o jeito como ele tremia. O Feliz tava babando, bicho, tava babando mesmo.
Aí ela acordou. Tomou um susto quando viu aqueles anões de pau duro olhando pra ela — você já ouviu essas histórias sobre anões? Pois é verdade. É tudo verdade. Quer ver? Tudo bem, tem problema não, eu entendo.
Onde é que eu tava, mesmo? Ah, sim. Aí ela acordou, viu a gente e tomou um susto. O Dunga tava mamando o dedão do pé dela, aquele mané sempre foi apressadinho. Com o susto a menina deu um chute na boca do Dunga e quebrou um dos últimos dentes dele. Puta que pariu, a gente riu pra caralho. A gente ria, o Dunga sangrava e o Soneca peidava.
Ela disse que o nome dela era Branca de Neve. Porra, a única Branca de Neve que a gente conhecia era a tal princesa. Você acha que uma princesa ia dar uma sopa dessas, deitadinha na cama da gente, só esperando a gente chegar, suadão, pra cair matando? Nem fodendo. O Dengoso sacou logo a dela: “Essa aí tá é fazendo doce pra cobrar mais caro.” Mas o Soneca já tinha visto a menina pegando água no poço e disse que era ela, mesmo. Aí a gente acreditou.
Branca de Neve disse que sua madrasta, uma coroa gostosa que eu já tinha visto uma vez, tinha mandado o caçador dar um fim nela, mas que ele era um homem bom e tinha deixado ela fugir. Fala sério, você acredita numa história de joão sem braço dessas? Pois é. O Zangado falou na hora: “Sei. No mínimo ela pagou um boquete pro sujeito e se livrou”.
A gente então ficou sem saber o que fazer. Aquela menina era chave de cadeia. A gente tinha ouvido falar que a Rainha era chegada nuns candomblés, batia tambor pra Angola, de vez em quando apareciam uns ebós nas encruzilhadas. Ela recebia santo e tudo. Se aquela macumbeira soubesse que a Branca de Neve tava com a gente eu não quero nem imaginar o tanto de merda que ia dar.
Foi quando o Atchim, que sabe das coisas, chamou a gente num canto e bateu a real: “Olha, vai ser meio complicado, mas ela é mais gostosinha que o Dengoso”.
Aí a gente se tocou. A gente nunca tinha reclamado do Dengoso antes. Não tinha por quê, né? Era o que a gente tinha à mão; quem não tem cão caça com gato, você sabe. Mas com a Branca de Neve ali, deitadona, peitinho subindo e descendo, foi como se a gente finalmente descobrisse que tinha coisa melhor no mundo. A rainha que se fodesse, quem não arrisca não petisca.
Só quem implicou foi o Dengoso, disse que aquilo ia dar em confusão. Na hora a gente não entendeu a parada, pensou que era medo da bruaca velha. Era medo da concorrência, isso sim. Ele sacou que a gente ia deixar ele de lado.
Aí a gente fez o seguinte: propôs um trato pra Branca de Neve. Ela arrumava a casa e cozinhava e em troca a gente dava casa e comida pra ela. Na hora o Zangado disse “De dia você come cobra, de noite a cobra te come”, mas ela não ouviu, ou se ouviu fingiu que não. Ela topou e a gente saiu rindo escondido, porque a última empregada que a gente tinha tido ganhava tudo isso e mais uns 300 paus pra parar de se virar. Sem contar uns presentinhos quando fazia favor, sabe como é, né? Olha, a gente tinha feito um puta de um negócio. E ainda ia ganhar uns agrados, entende, eu pelo menos tinha certeza disso. A gente até apostou quem ia comer primeiro.
Mas a guria era osso duro.
A gente tentava umas entradas, a Branca de Neve fingia que não era com ela, e aí a gente ia se resolver na mão. Porque ela atiçava, sabe? Vestia aquela sainha amarela, deixava ver um pedacinho de coxa aqui, um peitinho pulando ali, deixava até a gente passar a mão, dar umas encoxadas como quem não quer nada. Aí, quando a gente achava que ia se dar bem, ela se saía de fininho, parecendo que não tinha percebido.
O máximo que ela deixava era a gente passar à vera a mão nela quando dormia. De vez em quando ela se mexia e a gente dava uma parada, mas eu aposto que ela via a gente descascando uma ali. Era ela dormindo e a gente lá. Toda noite.
O que eu sei, mesmo, é que ninguém ganhou o dinheiro da aposta. A sacana deu uma volta na gente direitinho.
Mas eu vou te contar uma coisa: eu acho que aqueles putos me enganaram. Se quer saber, eu acho que pelo menos o Feliz comeu. Aquele filho da puta é sonso pra caralho, quem vê não diz. Ele vivia rindo, ria o tempo todo. A gente lá, morrendo na mão, e ele rindo. Porra, não tinha do que rir. Mas o Feliz ria. Então ele comeu.
E acho que o Dunga comeu também. Acho que a Branca de Neve deu pra ele por pena, sabe? Careca, desdentado, aquele estrupício ia comer quem? Dizem que mulher tem dessas coisas, dá por pena. Pois eu nunca comi ninguém por pena.
Não, o Zangado eu não sei. Só sei de uma coisa: eu não comi. E é claro que o Dengoso também não comeu.
Como é que é? Ah, porra, é claro que o filme conta a história diferente. Você acha que a Branca de Neve ia contar a vida dela como foi, de verdade? Porra nenhuma. Ela conta do jeito dela. Eu vi o filme. Ela mostrou a gente como uns retardados. Aquela puta.
Bem, pra encurtar a história, a gente viveu um tempão assim. Foi foda. De vez em quando rolavam uns paus, o Zangado até apelou pra umas cabras que tinha por ali, a gente tava meio ouriçado. Mas dava pra viver. A casa pelo menos tava arrumada. E dava pra bolinar a Branca de Neve, desde que bolinasse com jeitinho, que não desse muito na vista.
Aí deu aquele revertério todo de que você já sabe.
Andaram contando uma história de um espelho aí, uns malucos disseram que foi o pai de santo daquela puta velha, mas isso é tudo invenção. Certeza, certeza eu não tenho, mas filho da puta se não foi o Dengoso que foi lá no castelo, dedurar a gente. Ficou com ciúme da Branca de Neve, sabe como é. Tava se achando rejeitado, a moça.
Aquele escroto ainda por cima é um ingrato. Foi a Branca de Neve quem ensinou ele a se maquiar. Antes ele parecia uma pombagira, puta de quinta, sabe? Hoje não, hoje ele tá até ajeitadinho.
Mas eu não posso dar certeza, então é melhor eu fechar o bico. O que rolou é que a vagabunda da rainha se vestiu de bruxa e levou uma maçã envenenada pra Branca de Neve. A Branca de Neve comeu e aí, bau-bau. Se fodeu direitinho.
Ei, não! Nada disso! Quem foi que te contou essa história? A gente não teve porra nenhuma a ver com o sumiço da velha! A gente tava na mina, tava lá, ganhando o pão da gente — e o filho da puta do Soneca peidando –, a gente não teve merda nenhuma a ver com o sumiço da velha. Sei lá como ela morreu, porra! Sei nem se ela morreu, vai ver fugiu com o circo. Sei lá. Tenho cara de fiscal de bruxa? Vá se foder. A história que tão contando por aí não tem nada a ver. Nada a ver. A gente tava na mina e só foi saber do que tinha acontecido quando chegou em casa e viu a Branca de Neve esparramada no chão, é isso. Tô falando sério.
Você quer ouvir a história ou não? Então vamos. A gente construiu um caixão de vidro pra poder continuar olhando a Branca de Neve. Era como nos bons tempos: ela dormia e a gente batia uma. Pra falar a verdade não tinha muita diferença. De vez em quando a gente abria a tampa do caixão pra passar a mão nela, e fechava de novo e voltava pra mão. Era como nos velhos tempos.
Aí apareceu aquele mauricinho escroto e a Branca de Neve foi com ele. Aquela vagabunda. Só foi porque o filho da puta era rico. Como? Não, nada disso. Jovem um cacete. Eu sou velho mas dou no couro, entende? Naquela época não tinha Viagra, mas você acha que eu precisava? Porra nenhuma. Ela foi com aquele filhinho de papai porque ele era rico. Você acha que ela ia trocar sete por um só assim, de graça? Aquela piranha regula a gente um tempão e dá pro primeiro menino que aparece? Grana, bicho. Ele era novinho. Não sabe metade do que a gente sabe. E eu dou o rabo se o meu pau não for maior que o dele.
Aí a gente teve que voltar a pegar o Dengoso. Tô reclamando, não, é melhor que nada. Mas de vez em quando eu lembro dos tempos da Branca de Neve e olha, eu juro: se eu não fosse macho eu chorava.
Caralho, que saudade daquela menina.
Originalmente publicado em 17 de outubro de 2004