O tubarão cabeça-chata é comum em todo o Brasil, em especial na costa nordestina, e mais especificamente no Ceará. Mede até 3 metros e meio e sua dieta é composta principalmente de surfistas pernambucanos. É considerada uma espécie alegre e amigável, e tem mania de contar piadas. Se ameaçado, costuma reagir com um “arre égua, macho!”.
Monthly Archives: June 2012
Magnatas
Um post antigo do Inácio Araújo sobre o cinema canta, incidentalmente, loas aos bons tempos em que os estúdios eram dirigidos por gente que amava o cinema, ao contrário dos tempos de hoje quando é tudo pelo dinheiro:
Que os produtores atuais são, em geral, nefastos, nenhuma novidade. São negociantes. Não entendem de cinema como os velhos magnatas e nem estão aí para o desgaste que causam. Mas a proporção absurda de gastos é novidade. O dinheiro não está na tela (de fato, eu vivo me perguntando onde estão os alegados não sei quantos milhões gastos).
O Inácio Araújo é um dos melhores críticos de cinema brasileiros, e seu blog é leitura cotidiana. Mas eu não faço idéia de que tempos foram esses em que os velhos magnatas entendiam tanto assim de cinema. A mim parece outra lenda, como aquela de que na Depressão os estúdios cresceram, quando na verdade, além de precisarem desesperadamente do auxílio do Governo, sofreram muito no início da crise e apenas acompanharam a retomada econômica pós-New Deal.
Se se falar de gente como Irving Thalberg, cujo talento e capacidade de trabalho viabilizaram o surgimento do studio system, na Universal e posteriormente na MGM, tudo bem. Mas Thalberg não era exatamente um magnata — era basicamente um produtor muito bem pago, e perdeu bastante poder pouco antes de morrer.
Magnatas de verdade eram os donos dos estúdios, que aliás ficavam em Nova York. Ou, ao menos, os executivos como Jack Warner ou Louis B. Mayer.
O fato é que, mesmo no auge do studio system, os estúdios eram comandados basicamente por administradores. Era um pessoal que estava no negócio de teatros e cinemas e fugiu para Hollywood para não pagar royalties a Thomas Edison. O negócio de Hollywood, no fundo, sempre foi fazer dinheiro, muito mais do que filmes.
Os Laemmle, pai e filho, quebraram a Universal quando tentaram ir além dos filmes formulaicos, mais apropriados à TV do que ao cinema como o entendemos hoje, e que eram o material com que a Universal trabalhava. Jack Warner? Pouco mais que um açougueiro — e isso se refletia nos produtos da Warner, normalmente de qualidade inferior em valores de produção (o acabou dando no cinema noir). Louis B. Mayer era tão incompetente que após a saída de David Selznick da MGM criou uma tal de “gerência por comitê”, em que diluía responsabilidades, diminuía riscos e limitava criativamente a MGM, passando a depender de uns poucos produtores de talento como Arthur Freed. Mais tarde, esse modelo levaria à derrocada da MGM, que se notabilizaria por custos elevadíssimos mas produção pouco acima do medíocre.
Além disso, Hollywood sempre gastou muito. Sempre, e isso não deveria ser surpresa. Sonhos custam caro — e está aí o Jaguar que eu quero que não me deixa mentir. Filmes classe A sempre tiveram orçamentos milionários, mesmo na era do cinema mudo. Os padrões orçamentários de Hollywood sempre foram desproporcionais. “…E o Vento Levou” custou cerca de 3,9 milhões de dólares em um ano em que uma casa custava cerca de 3.800 dólares e um carro novo, 700. E ainda assim custou menos que a primeira versão de “Ben-Hur” (3,9 milhões em 1925).
Nem sempre se vê o resultado nas telas, é verdade. Mas isso é tão verdadeiro hoje quanto ontem. Os custos de Hollywood são necessariamente altos porque precisam sustentar um grande ecossistema. E porque qualquer atividade criativa precisa de um grande investimento para resultados incertos.
Por tudo isso, esse mito de que antigamente é que era bom é só isso: mito. Hollywood sempre foi uma grande indústria, é que o dizem. Nesse caso, a presidência ficava em Nova York e a Califórnia era, basicamente, o chão de fábrica. O que fazia a diferença, mesmo, eram as circunstâncias. A indústria cinematográfica obedecia a uma lógica diferente nos anos 30 e 40. A ausência de televisão fazia com que se exigisse não apenas os filmes “de prestígio”, como “Grande Hotel”, mas filmes B em proporção muitas vezes maior. Centenas de filmes eram produzidos anualmente porque as pessoas precisavam assistir a um, dois filmes por semana, e os cinemas eram os únicos lugares onde isso era possível. Essa enxurrada de filmes era necessária para sustentar as redes de cinemas e atender a uma população cada vez mais ávida por entretenimento.
Claro que, havia, sim, alguns poucos magnatas do tipo que as pessoas mencionam com saudades desses tempos dourados que nunca existiram, os grandes independentes: Selznick, Sam Goldwin, mais tarde Darryl Zanuck — gente que trabalhava mais ou menos à margem do sistema, se concentrando em filmes de alta qualidade e alta rentabilidade. Mas não eram eles que definiam a indústria, até porque dependiam do studio system; afinal, esse era um sistema sofisticado — ainda que canalha e monopolista — de financiamento, produção e distribuição.
Mesmo hoje é só olhar a lista de produtores de boa parte dos filmes de Hollywood para ver que, no final das contas, o pessoal que gosta de cinema está lá, como sempre esteve. Scorsese, por exemplo, é um cineasta acabado, mas ninguém jamais poderá negar seu amor obsessivo pelo cinema. Spielberg, Lucas, Jack Rollins, Johnny Depp que produziu “A Invenção de Hugo Cabret”, todos esses estão aí. A indústria cinematográfica continua dando espaço para seus amantes, para gente que gosta de cinema como redatores publicitários em início de carreira amam a publicidade. Mas eles são, como sempre foram, a minoria. O resto são aqueles cujo negócio, ontem como hoje, é fazer dinheiro.
Eu gosto de Facebook.
Até então eu não gostava tanto assim de redes sociais. Sou um mastodonte para essas coisas, passei batido pelo Orkut, Twitter nem sei quem tu és. Mas do Facebook eu gosto.
E gosto mais porque descobri também que amo ver as pessoas reconstruindo seus passados com frases bem escolhidas, de maneiras mais ou menos sutis, porque a história da gente é a gente que faz, e o passado é uma obra em eterna construção. O sujeito que como eu não comeu ninguém a vida inteira passa a ser fodão; o moço que ninguém respeitava se comporta de maneira superior a todos, esperando que afinal de contas esse negócio do mundo ser dos nerds seja verdade. O bullying na escola passou a não existir, os tapas não doeram, e a foto na Europa esconde a bolsinha da CVC.
É assim mesmo, e talvez isso seja bom: as pessoas merecem ser felizes e ter a história que gostariam de ter, porque aquilo em que a gente acredita muito se torna realidade em nossas lembranças, quem vai dizer que não? E agora o que é verdade em nossas memórias pode ser verdade também nas memórias dos outros, porque o poder agora está em nossas mãos, longa vida à internet. E se a gente consegue convencer os outros, talvez consiga convencer a nós mesmos.
É por isso que gosto tanto ver as declarações de amor eterno e tão grande de casais que, eu sei, fora do Facebook se pegam de porrada, fazem troca de casais e às vezes se apaixonam pelos outros, corneiam o marido ou esposa amados — não é interessante como a gente sempre sabe da intimidade dos casais, a intimidade verdadeira? E isso me ensinou muito: aprendi que mesmo rolando na cama com outra pessoa eles ainda amam suas mulheres. E daí que ela deixa o amante lhe dar na cara, mas não o marido, se é dele que ela gosta, e a brasileira é mineira com marido e sueca com os outros?
A única mudança, menos sutil do que parece, é que antigamente a gente achava que as outras pessoas eram mais felizes por omissão. Ou seja, a gente achava que o casal tal era feliz porque não os via brigando, porque eles não lavavam sua roupa suja diante de nós, não se estapeavam na nossa frente; e por isso nos surpreendíamos quando se separavam: “mas eles pareciam tão felizes!” Hoje isso mudou, as pessoas passaram a mistificar as outras de forma ativa, e agora a gente acha que o casal tal é feliz não porque não os vê brigando, mas porque eles dizem que são felizes o tempo todo, sem que ninguém pergunte. E fulano que não vê o filho há seis meses mostra aqui e ali as fotos dele, os dois juntos sorrindo e meu filho, como eu te amo, gente, vê como eu sou um paizão?, e talvez, quem sabe, daqui a tantos anos o filho tome isso como atenuante, é, o puto realmente gostava de mim.
Todos dizem isso, claro, através do Facebook. E com tudo isso, com esse império de mentiras que não são mentiras, de verdades que não eram verdades, é engraçado como mais pessoas se tornam mais infelizes porque comparam a felicidade aparente dos outros com a sua própria, e vêm que suas vidas jamais serão como as vidas dos outros parecem ser, como as vidas dos outros nunca serão.
Velhices
A vida é para quem pode.
Eu, por exemplo, tinha um ideal de velhice: queria ser um velho sibarita, com um passado de pecados grandes e pequenos, um passado de vergonhas e de shhhs discretos — e na lembrança tudo de ruim que uma pessoa pode fazer na vida em nome de um hedonismo desenfreado.
Queria ter uma velhice de velhas chorando ao pé da minha cova, como um Brás Cubas moderno, e se não fosse querer demais queria umas novinhas chorando também; o seio arfando, era o seio que eu queria fazer arfar mesmo depois de morto.
Queria uma velhice desdentada mas de sorriso fácil, uma velhice de transplante de fígado, uma velhice de tosses em meio a baforadas, uma velhice de meninas dóceis diante do velho safado em troca de uns dinheiros aí.
Enquanto pude, enquanto ainda havia esperança, quis uma velhice de histórias que encantavam jovens incapazes de viver com tamanho abandono, velhice de histórias que atrás do riso escancarado mascaram sua maldade egoísta, escondem a dor que causaram — uma velhice de cínico que admite que a vida só pode ser realmente aproveitada apesar dos outros, e não se arrepende de nada disso.
Velhice de culpa se possível, de dolo se necessário.
Uma velhice de tornozelos inchados pela cachaça e de memórias esquecidas, memórias boas, que as memórias ruins a gente tenta enterrar e finge que não existem.
Enquanto pude: uma velhice de gente errada, que essa é a velhice que vale a pena, quando nada mais funciona direito, quando a gente percebe que a velhice não é um bicho de sete cabeças, tem apenas duas e nenhuma funciona direito.
Sei não, mas deu tudo errado, eu não sabia que as lembranças do futuro tinham que ser agora, e é, não vai dar mesmo, a preguiça não deixa e a ressaca é dura de aguentar, e minha filha já disse que vai vender meus livros quando eu morrer e quer saber o preço de cada um deles para não ter prejuízo.