Receita de Mulher II

Comentário recebido a um antigo post:

Uma linda nulher meu caro, vai muito além de seus clichês…o que proucura é uma mulher culta, que por sinal hoje em dia está em oferta nas prateleiras…Beleza pode até ser catalogada em livros,revistas,tv…mas a verdadeira beleza ,essa sim, ñ tem como ser descrita facilmente, pq está além do que podemos ver, enumerar, classificar… ela simplesmente invade ,integra,enfeitiça…
Padronizar a beleza ,seja ela feminina ou masculina,à meu ver,só é justo para aqueles que vivem e se alimentam de senso comum,o que é muito triste ,pois às vezes tenho a impressão que vivemos num grande curral…ironias à parte…
Beleza todos temos ,agora , o difícil é encontrar pessoas que saibam perceber a Beleza propriamente dita.

Comentário feito, obviamente, por uma mulher feia porém esperançosa de que, algum dia, alguém reconheça que à parte isso ela tem em si todos os sonhos do mundo.

Sobre o Oscar 2009

Depois de anos assisti a uma cerimônia do Oscar. Eu estou ficando velho ou ele está mesmo menos brega? Eu não sei. Mas me pareceu uma cerimônia mais agradável, mais rápida, e mais elegante do que aquelas a que eu estava acostumado.

Foi engraçado ver Anthony Hopkins cochilando. Ou ver que a Sophia Loren está a cara da Elza Soares, tão esticada que seu umbigo já deve estar se aproximado do pescoço.

Talvez a melhor surpresa da noite — para mim, pelo menos, que não vinha acompanhando absolutamente nada sobre o assunto — tenha sido o prêmio honorário dado a Jerry Lewis. Lewis merece todo e qualquer prêmio que queiram lhe oferecer. Na verdade, este que lhe foi concedido hoje é pequeno diante de sua grandeza. Lewis é um dos grandes comediantes da história do cinema, e é um tanto triste vê-lo aos 82 anos, torto por causa dos seus problemas de coluna, e sabendo que tem um problema grave de pulmão, resultado dos anos fumando talvez até mais que eu. Ver os americanos, que sempre o acharam pouco mais que um careteiro, finalmente lhe dar um prêmio, por menor que seja, já é um pequeno consolo.

Por outro lado eu não sabia que Jules Dassin tinha morrido, e isso me deixou triste.

Não posso comentar a maior parte dos Oscars concedidos, porque não vi boa parte dos filmes e, principalmente, não vi Slumdog Millionaire, o grande campeão da noite. Mas posso dizer que houve alguns pequenos equívocos. Eu teria dado o Oscar de Edição de Som a “WALL-E”, pela delicadeza com que o som é tratado naquele filme, que não tem diálogos até quase a sua metade; The Dark Knight poderia ficar com o de Melhor Som.

Não tenho certeza de que Sean Penn merecia o Oscar por Milk; Frank Langella é um ator fantástico, apesar de subestimado, e poderia ter ganho, assim como Mickey Rourke. Mas Sean Penn é provavelmente o nome mais palatável entre todos eles — com exceção de Brad Pitt, que mesmo com toda a simpatia e verba de publicidade investida tem um desempenho tão ruim como Benjamin Button que simlesmente ter sido indicado é uma grande vitória do seu estúdio.

Cerimônia encerrada e, no fim das contas, é tão bom ver que nem todo mundo é idiota e “Benjamin Button”, aquela pequena celebração incompetente da mediocridade, ganhou apenas três Oscars menores — e dois eles questionáveis, porque The Dark Knight merecia o de Efeitos Visuais, e o de Maquiagem poderia ter ido para Hellboy II sem problemas.

10 anos atrás eu fiquei irritado ao ver um filme mediano como “Shakespeare Apaixonado” ganhar o Oscar de melhor filme, uma atriz medíocre como Gwyneth Paltrow derrotar uma atriz soberba como Fernanda Montenegro, um palhaço como Roberto Benigni ganhar o Oscar de melhor ator e uma baba puxa-saco como “A Vida é Bela” vencer “Central do Brasil”. Mas hoje, ao deixar “Benjamin Button” no lugar que lhe é de direito, o Oscar me deixou com uma sensação de justiça feita.

Uma leitura errada das coisas

O Leitor” é um ótimo filme. Dirigido por Stephen Daldry, diretor de “As Horas” e Billy Elliot, é uma daquelas poucas boas obras produzidas por Hollywood nos últimos anos — talvez por apresentar qualidades estéticas típicas do cinema europeu, talvez por partir de um roteiro enxuto baseado em um livro que se presta bem à adaptação cinematográfica.

Não há excessos na direção de “O Leitor”: não há longos travellings, cenas propositadamente melodramáticas. Stephen Daldry desempenha a sua função com concisão e economia admiráveis, sem que em nenhum momento isso possa ser confundido com pobreza estética. Kate Winslet, como Hannah Schmitz, a ex-guarda de campos de extermínio que tem um caso amoroso com um garoto 20 anos mais jovem, está esplendorosa. É uma atriz de coragem, essa Winslet. Sua personagem consegue passar a dureza e a pobreza espiritual de sua personagem sem maniqueísmos nem pieguice.

Mesmo assim, nos últimos dias o filme vem sendo alvo de uma pequena polêmica. Ron Rosembaum, em artigo na Slate, pediu que não se dê um Oscar a “O Leitor” e o classificou como o pior filme já feito sobre o Holocausto.

Rosembaum, aparentemente pronto a defender com unhas e dentes a propriedade inalienável da Solução Final, não consegue sequer entender que o filme não é sobre o Holocausto.

“O Leitor” é, antes de tudo, um romance de formação em tempos difíceis, uma espécie de Billy Bathgate sem o lirismo idílico de “Houve Uma Vez Um Verão”. Mas é também, e principalmente — e é isso que lhe confere grandeza –, um filme sobre o desconforto alemão em lidar com o próprio passado nazista.

Esse desconforto está explícito na dificuldade com que Michael Berg, interpretado na idade adulta pelo ótimo Ralph Fiennes, lida com a mulher que foi o seu primeiro amor, a partir do momento em que conhece o seu passado. Aquela relação o marcaria para sempre, e sobre ela pode-se ter várias leituras. Uma delas, no entanto, é a que realmente interessa: o garoto incauto e ingênuo como representação do povo alemão, seduzido por algo maior e incompreensível — Hannah como materialização do nazismo — e os dilemas que enfrenta diante da necessidade de, mais tarde, encarar esse passado.

No entanto, em nenhum momento o filme pretende desculpar os alemães pelo nazismo. Isso não tem desculpa, e a essa altura ninguém espera que tenha. Sob essa ótica, “Operação Valkyria” é um filme muito mais nocivo, ao retratar aristocratas alemães como combatentes valorosos do nazismo (sobre isso já escrevi aqui: minha posição é a de que a esses “super-homens” alemães falta o estofo necessário aos verdadeiros heróis). Mas é preciso entender como o nazismo se desenvolvia em seus muitos níveis. Ninguém é estúpido o suficiente para achar que o que motivava a colaboração de um camponês era o mesmo que motivava Albert Speer — que por sua vez não estava lá pelas mesmas razões de Goebbels.

Ao mostrar uma mulher que não abriu as portas de uma igreja em chamas porque era preferível que os prisioneiros sob sua guarda morressem em vez de ter uma chance de fuga, Daldry não está pedindo que simpatizemos com ela. Pelo contrário: em nenhum momento a personagem de Kate Winslet é mais desprezível e abjeta. Mas nós podemos compreender a lógica simplória do seu raciocínio. E com isso, Daldry apenas retrata a estupidez e a crueldade de uma parte do povo alemão em um momento atroz de sua história.

O equívoco desse pessoal que acusa o filme de leniência em relação ao nazismo é que eles não conseguem compreender que o problema aqui não reside em ela aceitar em levar a culpa isolada pelo crime. Está no fato de que ela participou daquele ato, fez uma escolha aterrorizante, ainda que coletiva, e isso não é desculpável. A decisão de Hannah em assumir a culpa pela morte daqueles prisioneiros para não revelar que é analfabeta é, provavelmente, o momento mais fraco do filme. Mas o analfabetismo de Hannah não entrou em questão quando ela cometeu o seu crime. É irrelevante.

Como a ficcional Hannah Schmitz, milhares de alemães colaboraram em atrocidades de guerra sem muitos questionamentos morais. Em certa medida, isso é parte do próprio caráter germânico; em outra, maior e mais importante, é representativa do anti-semitismo generalizado na sociedade alemã. Eu e milhares de outras pessoas conseguimos compreender isso. Rosembaum não consegue porque sua agenda limita sua capacidade de ver a realidade.

Um dos grandes méritos de “O Leitor” está no fato de abordar o fenômeno do nazismo, do ponto de vista da sociedade alemã, de maneira razoavelmente objetiva, com uma compreensão razoável do caráter germânico e reconhecendo determinadas nuances da sua concretização. Um filme como esse deve incomodar pessoas com a mentalidade que se vê em Rosembaum porque admite a complexidade humana e tenta fugir de raciocínios simplistas.

O mais curioso é que essa linha de pensamento acaba fomentando o obscurantismo, ao evitar a discussão de complexidades daquele momento histórico. Eles não entendem que não basta admitir a maldade intrínseca e a excepcionalidade do fenômeno nazista. É preciso também admitir que o nazismo foi maior que o Holocausto, e tentar compreender os mecanismos que levaram àquela atrocidade. Olhar o nazismo como um fenômeno extemporâneo e isolado é um equívoco.

O Oscar pode ser negado a Kate Winslet e a “O Leitor”, claro. Mas que seja pelos seus defeitos como atriz e filme ou pelo interesse da indústria cinematográfica americana, e não porque alguns bobos acreditam que o filme não é panfletário o suficiente.

Salman Rushdie, 20 anos depois

Tenho a impressão de que esse pessoal mais novo não sabe de verdade quem era o Aiatolá Khomeini.

Na minha época Khomeini estava nos jornais praticamente todos os dias. Era o equivalente ao Osama bin Laden de hoje. Foi o sujeito que derrubou Reza Pahlevi, que humilhou os Estados Unidos na crise diplomática com os reféns na embaixada americana em Teerã (e indiretamente ajudou a eleger Ronald Reagan presidente). Khomeini era o cão chupando manga. Sua imagem era a de um contraponto sombrio e quase diabólico a outro velho: de um lado, o simpático vovô atleta João Paulo II, trazendo um sopro de renovação à imagem da Igreja Católica; do outro, o Khomeini malvado de turbante, pregando a revolução islâmica e levando o Irã, antes tão ocidentalizado, a uma nova era de trevas. Pelo menos era essa a imagem que tínhamos dele.

Mas o mais importante, mesmo, é que ele era o homem que declarou uma fatwa contra Salman Rushdie.

Foi há 20 anos, completados no último sábado. Rushdie tinha acabado de lançar um livro polêmico, The Satanic Verses — que imediatamente ficou conhecido aqui, graças a uma imprensa pouco afeita a pequenos detalhes da língua do bardo, como “Os Versos Satânicos”. O aiatolá Khomeini achou o livro ofensivo à figura de Maomé e decretou uma sentença de morte sobre Rushdie. Essa foi a grande notícia internacional do início de 1989. Não houvesse a queda do muro de Berlim e a implosão dos regimes socialistas no Leste Europeu, no fim daquele ano, e talvez ela tivesse sido a grande notícia de 1989.

(Essa foi a grande sacanagem de Khomeini: lançar a fatwa e morrer logo depois. Fatwas só são revogáveis por quem a decretou. Embora já há mais de 10 anos o governo do Irã venha desencorajando o cumprimento da sentença, em tese Rushdie continua condenado à morte. Felizmente o tempo passa e juras enfraquecem; hoje, e já há algum tempo, o próprio Rushdie vive uma vida bem razoável, embora eu tenha a impressão de que ele ainda acorda com medo à noite.)

Aqueles eram os tempos de antes da Amazon e, no Brasil, nenhuma editora quis lançar o livro. Talvez por dificuldades na negociação dos direitos autorais; talvez por uma bem justificada cautela. A primeira edição brasileira só seria lançada, pela Companhia das Letras e com o título que já tinha sido consagrado pelo uso popular, aí pela metade dos anos 90, quando a comoção já tinha passado e ninguém mais levava a sério a fatwa de Khomeini — ou, melhor dizendo, ninguém mais achava que corria o risco de ir pelos ares pelo crime de editar um livro.

Mas uma editora portuguesa teve a coragem de lançar o livro no meio de todo esse furacão: a Publicações Dom Quixote lançou o livro no final de 1989, inclusive com uma sobrecapa igual à original inglesa. Sabe-se lá por que vias, essa edição chegou ao Brasil. Comprei a minha no final de 1990. Foi quando passei a ver o livro e Rushdie com outros olhos.

O principal problema do livro estava explícito já nas primeiras páginas: ele era realmente ofensivo. Deliberadamente ofensivo. Basicamente transformava um personagem que era indiscutivelmente inspirado em Maomé em um demônio, com pés de bode e tudo. Era ainda mais ofensivo quando lembramos que a edição portuguesa traduzia corretamente o título do livro: “Os Versículos Satânicos”.

Viver costuma ensinar algumas poucas lições realmente importantes. Uma delas é a de respeitar os valores do próximo, ao menos quando ele está próximo, e nunca cutucar onças com varas curtas. Rushdie sabia o que estava fazendo ao escrever aquele livro narrando a queda de Maomé. Não é como se um sujeito do interior da Paraíba xingasse o marido de Kadidja. Aquela era a sua cultura, ele sabia exatamente do que falava, e sabia ao que estava exposto.

É facil falar em liberdade de expressão e em valores ocidentais, quando se está no Ocidente. Essas garantias são tão inquestionáveis para nós que acabamos pensando que são universais. Eu posso xingar Jesus e o máximo que vou receber em troca serão reclamações e ofensas — no máximo uma excomunhão, que hoje em dia não vale absolutamente nada e poderia até ser ostentada como prêmio por alguns. Mas “Os Versículos Satânicos” não está inserido nesse contexto isolado, e por isso ofender deliberadamente um povo que é, digamos, bastante suscetível a palavras ditas por ocidentais é não ter aprendido a lição da vara curta. Talvez não seja exagero achar que o Alex concordaria comigo: quem sabe da ofensa é o ofendido.

Não é que Rushdie merecesse a fatwa, ou que nós, ocidentais, não tivéssemos o dever de defendê-lo. Mas ele sabia com o que estava brincando, e isso deve ser sempre levado em consideração.

Toda a polêmica, toda a indignação, no entanto, deixaram de lado um detalhe importante: ninguém dizia se o livro era bom ou ruim. Até porque a qualidade do livro não parecia importar àquela altura. E é por isso que eu devo muito a “Os Versículos Satânicos” e a Salman Rushdie.

O livro era ruim.

Até uma bela noite do início de 1991, eu tinha um comportamento um tanto calvinista calvinista em relação à leitura. Se tinha comprado um livro, eu deveria chegar até o final, não importava se fosse bom ou ruim. Nem sempre eu conseguia, claro; mas quando era forçado a abandonar um livro, eu o fazia com uma sensação de culpa e de fracasso.

“Os Versículos Satânicos” foi o primeiro livro que joguei de lado com convicção e com a alma leve. Foi com esforço que superei as primeiras 100 páginas; mas o esforço, depois que desisti do livro, valeu a pena. Aquela seria a primeira vez em que eu disse para mim mesmo “Eu não vou ler esta merda”, e não me senti mal por isso — pelo contrário, me senti aliviado, livre de um peso que, a cada página, se tornava cada vez maior.

De vez em quando penso em retomar “Os Versículos Satânicos”. Ele coleciona tantos elogios por aí que de vez em quando me pego admitindo a possibilidade de que eu é que não consegui ver as qualidades do livro, ou que a tradução portuguesa me causou alguma estranheza. Mais de 18 anos depois, talvez eu conseguisse ver o que tanta gente parece ver no livro: as qualidades de um grande escritor. Mas quando penso nisso, é por pouco tempo: porque o que devo a Rushdie é muito maior que isso: é o desenvolvimento de uma capacidade que até então eu não tinha. E isso vale mais que um livro provocador e mal intencionado.

Sobre o Windows

O Doni escreveu há algumas semanas um post dizendo que o Linux é o melhor de todos os sistemas operacionais.

Eu gosto do Windows. Acho os computadores da Apple uma gracinha, as coisas mais lindas que existem; mas são computadores caros demais que só fazem sentido em nichos específicos, particularmente edição de vídeo e, como me lembrou a Lucia Malla uma vez, edição de imagens muito grandes. Todo o resto um PC com Windows faz, mais rápido e por metade do preço. O MacOs é um excelente sistema operacional, mas com péssima relação custo/benefício.

Quanto ao Linux, eu prefiro nem começar (e antes que alguém diga que é só antipatia, eu gostaria de lembrar que já instalei algumas versões do Linux no meu computador, do Red Hat 8 às últimas versões do Ubuntu). Ao lado estão os programas que mais uso no computador, com exceção do Word. Para alguns deles, o Linux certamente oferece algumas alternativas quase razoáveis. Para internet e aplicativos de escritório, por exemplo, o Linux pode quebrar o galho — embora qualquer comparação do OpenOffice com o Microsoft Office seja, principalmente, um exercício de boa vontade.

Mas para praticamente todo o resto, eu preciso do Windows. Tenho a impressão de que se as pessoas passassem menos tempo inventando versões diferentes para o Linux e se concentrassem em aplicativos realmente úteis, e melhores que os da Microsoft, o cenário seria um pouco melhor. O mundo do Linux é confuso, excessivamente variado para quem, como eu, não quer perder tempo brincando com um sistema operacional. O melhor exemplo que posso dar é a página de download do VLC, o melhor media player disponível: uma versão para o Windows, uma para o MacOS — e uma porrada de versões para as porradas de versões do Linux.

O Doni que me perdôe, mas definitivamente o Linux não é essa maravilha toda. Se fosse, a essa altura os computadores de todo o mundo estariam usando esse sistema operacional. Mas as pessoas preferem o trabalho de comprar ou piratear o Windows do que simplesmente passar pela pequena tortura que é fazer as coisas funcionarem no Linux. É um raciocínio simples e lógico: se alguém prefere o trabalho de piratear alguma coisa em vez de simplesmente utilizar o que é gratuito, é porque o objeto pirateado lhe traz mais vantagens.

Eu já vi bastante gente comprar computadores que vêm com o Linux pré-instalado e passar para o Windows. E não é gente com alguma necessidade específica em informática: pessoas que simplesmente querem acessar internet, usar programas de escritório e jogar um pouquinho.

O virtual monopólio do Windows, antigamente, era explicado pela base instalada de programas. As pessoas usavam o bicho porque os outros usavam. Mas à medida que mais necessidades são resolvidas na internet, com a consolidação do cloud computing, essa explicação se torna mais insuficiente. Infelizmente, os defensores do Linux não explicam esse pessoal. Provavelmente porque sua mentalidade é excessivamente técnica. Vêem as qualidades intrínsecas do sistema operacional, com mentalidade de engenheiro, e esquecem da vida real. Não é isso que as pessoas querem. Eu, pelo menos, quero um sistema operacional que simplesmente possibilite as coisas que eu preciso fazer. O MacOS é suficientemente bom, mas caro demais. O Linux é barato, mas não resolve os meus problemas. Me resta o Windows.

***

O post do Doni me lembrou que à medida que o tempo passa vou ficando cada vez mais burro nessas coisas de computador. E gosto disso.

Já vão longe os tempos em que eu mexia no config.sys e no autoexec.bat do Windows 3.1. Hoje quero basicamente usar o que já vem pronto. O jeito como aprendi a usar um computador, há cerca de 15 anos, ainda é o meu preferido. Gosto de cada coisa em sua pasta. Não gosto dessas coisas virtuais, desses atalhos que a Microsoft insiste em fazer em nome de uma tal “usabilidade” tipo “Meus Documentos”. Prefiro coisas mais cartesianas e mais óbvias. Talvez por isso ainda use tanto o Windows Explorer.

Antigamente, a primeira coisa que eu fazia quando comprava um computador era particionar o HD em dois (com o velho FDisk do DOS). Hoje meu computador já vem com dois HDs, e assim separo um disco para programas e outro para arquivos. É mais prático assim, porque tenho mania de formatar o HD de vez em quando: acredito piamente que o Windows é biodegradável e estraga com o uso. Um HD externo faz com que eu não precise mais gravar constantes DVDs de backup. Mas gravo assim mesmo, do que é mais importante. Seguro morreu de velho. Não gosto dessas coisas de backup na internet. Sou um velho que guarda dinheiro no colchão.

Uso o Firefox desde as versões 0.x. Nunca usei o Internet Explorer (com exceção de uns meses malditos entre o Netscape 4.74, ruim de doer, e o lançamento do Netscape 7, substituído logo em seguida pelas primeiras versões realmente funcionais do Mozilla). Já experimentei o Opera, muito tempo atrás, mas nem me dei ao trabalho de olhar o Google Chrome.

Durante muito tempo usei o Zone Alarm e o Norton Antivírus. Hoje uso o Avast!, e o firewall do Windows quebra bem o meu galho. O PGP garante que os dados mais importantes para mim continuem seguros.

Não costumo rodar jogos no computador, que instalava eventualmente para minha filha, apenas — ela gosta de arrebentar alienígenas e de mandar pingüins para o espaço. Mas o Chess Titans, que vem com o Vista, é perfeitamente adequado para mim: eu, que sou um jogador de xadrez abaixo do medíocre, vivo ganhando do computador porque no Chess Titans dá para roubar. Já joguei, no entanto — e até hoje, considero os melhores jogos da história –, SimCity, Civilization e Quake I, os dois últimos por mais de dez anos. Nunca gostei de video-games (Atari ou Nintendo não me dizem absolutamente nada) e não sei pegar num joystick. Nunca vou saber.

Já houve um tempo em que virtualmente todos os programas do meu computador eram pirateados, a começar pelo Windows. Hoje, com exceção do próprio Windows, que já vem instalado, e do Office, que compro porque me evita dor de cabeça, dou preferência a programas open source. Não porque me incomode com a filosofia por trás deles, mas porque são bons, gratuitos e simplificam minha vida. A Adobe, no entanto, ainda continua me incitando à marginalidade.

Alguns programas não entram no meu computador. O Nero, por exemplo — há uma infinidade de programas gratuitos e infinitamente mais leves que fazem a mesma coisa. No meu caso, um já vem instalado de fábrica, e eu fico com ele mesmo. De modo geral, a exuberância de programas gratuitos à disposição não me diz muita coisa. Eu não gosto da maioria dos programas incensados por aí. Acho o Picasa, por exemplo, uma coisa meio tosca que só emporcalha o computador. Minhas fotos eu resolvo com o Photoshop e o Windows Explorer.

Olhando para trás, vejo que há poucos programas que abandonei ao longo do tempo. Troquei o CuteFTP pelo Filezilla, Eudora pelo Thunderbird, ICQ pelo Windows Messenger. Com o surgimento do DivX experimentei um bocado de players: mas nada bate o VLC. Já usei o iMesh para trocar arquivos, fiquei com o eMule durante muito tempo, mas o µtorrent é bem razoável e quebra o galho, embora eu baixe poucos arquivos hoje em dia. Não tenho mais paciência.

Outros programas foram embora porque não são mais necessários. WSGopher, Secret Agent (um leitor de cache da web, algo bem útil há 15 anos), Trumpet WinSock, Free Agent (leitor de newsgroups Usenet que o excesso de informação me fez abandonar), mIRC. Usei tudo isso. Não uso mais, e já há algum tempo.

Não me imagino com uma página no Twitter. Tenho perfil no Orkut e no Facebook, mas entro ali só de vez em quando, quando alguém me adiciona. Não consigo me comunicar através daquilo. Prefiro o Messenger, e gosto muito de e-mail. Gosto ainda mais do meu e-mail no meu computador, embora o Gmail seja tão bom que quase me faz acostumar com webmail. Perdi a conta do número de e-mails que já tive; mas o tempo passou e hoje uso basicamente duas, além do e-mail do trabalho.

Resumindo, eu sou um velho que gosta das coisas do jeito antigo.

Novamente o cinema brasileiro

A lista de 10 melhores filmes de Moniz Vianna publicada pelo André Setaro, crítico baiano de cinema, me fez perceber uma coisa: Moniz Vianna, assim como eu e o Bia, também não via lá grandes coisas em “Limite”, de Mário Peixoto Humberto Mauro.

Aproveitei para passar os olhos nos comentários ao post dos 25 melhores filmes por mim e pelo Bia, e uma coisa me impressionou, acima de todas as outras: a seriedade e a bile com que um bocado de gente comentou sobre o cinema brasileiro. Para muitos, o fato de eu ou o Bia não gostarmos de um ou outro filme é considerado uma ofensa grave que merece uma resposta malcriada à altura. Se eu tivesse xingado suas genitoras, aquelas senhoras de libada reputação, provavelmente não teria recebido respostas tão irritadas.

Mas vamos ser francos: o cinema brasileiro é inferior a outras cinematografias, como a americana. Sempre foi. 90% dos filmes incluídos nas listas de filmes brasileiros jamais conseguiriam entrar numa lista universal, que abrangesse cinematografias mais maduras como a americana, a italiana e a francesa. A gente já olha para os filmes brasileiros com um pedido de desculpas e uma mãozinha condescendente na cabeça.

No início do século, quando o cinema iraniano entrou na moda, eu ficava impressionado como as pessoas tomavam o “choque” causado pelo contato com uma cultura diferente por sinônimo de qualidade cinematográfica. O cinema iraniano então adquiriu um status maior que o merecido. Não que fosse ruim; mas os critérios que baseavam esse entusiasmo eram basicamente sociológicos, não cinematográficos.

De certa forma, acontece o mesmo com o cinema brasileiro. O critério que normalmente se usa para julgá-lo é subjetivo e condescendente. Um olhar que se esforce para ser objetivo vai ver um bocado de falhas em absolutamente todos os filmes brasileiros. “O Cangaceiro”, por exemplo, tem diálogos que parecem tirados de um poeta barroco ruim. “Cidade de Deus” tem uma narração em off que beira o amadorismo. A lista pode seguir ad infinitum.

Eu sempre achei que país pobre tem a tendência a estabelecer uma espécie de estética da pobreza. É praticamente uma questão de sobrevivência, e absolutamente louvável. Mas assim que o país sai do barraco e se muda para um dois quartos na Barata Ribeiro esquece isso; basta ver a evolução estética de um Visconti, por exemplo. Isso, no entanto, aconteceu conosco em aparentemente muito menor medida. E continuamos a sobrevalorizar em excesso aspectos que são importantes, mas que não são únicos e que, do ponto de vista da produção em si, não são sequer essenciais.

Sob esse aspecto, a ideologia cinemanovista de “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão” — que não define o Cinema Novo, claro, mas que acabou se tornando a égide sob a qual o movimento se desenvolveu — foi uma das coisas mais deletérias que poderiam ter acontecido ao cinema brasileiro. A idéia de que cinema tecnicamente bem feito era uma coisa burguesa e dispensável era, desde o início, perniciosa. “Terra em Transe” é o melhor filme brasileiro, como acham alguns? Pode até ser. Mas que ninguém venha me dizer que o filme não se beneficiaria de uma produção mais esmerada. Locações. Cenários. Figurinos. Sonoplastia. Nada disso é supérfluo. Uma coisa é fazer Dogville em um cenário inexistente para defender um conceito; outra é enfiar um país inteiro, ainda que metaforicamente, em uma casa porque não se tem dinheiro para recriá-lo.

Também seria importante lembrar a decadência técnica do cinema brasileiro a partir dos anos 60. O Cinema Novo foi conseqüência e, de certa forma e em menor grau, causa dessa decadência. Mas cinema não é literatura e não é teatro. Precisa, sim, de certas condições de produção. O Cinema Novo e outros subverteram esse preceito por necessidade, porque ignorá-lo era a única maneira de se fazer cinema nas condições impostas. Mas ao teorizar sobre isso, numa tentativa talvez necessária de legitimação, criou uma certa escola de pensamento que é, definitivamente, um passo atrás. O cinema tradicional americano sempre deu o valor devido a esses critérios de produção (e em temos de indigência criativa tenta transformá-lo no único valor válido, uma espécie de inversão dos valores do Cinema Novo e igualmente nociva), e a indústria que criou, apesar dos bichos-grilos que ficam procurando um filme obscuro da Chechênia para aclamar como a nova obra-prima da sétima arte, continua fazendo na média o melhor cinema do planeta.

***

E tem os comentários sobre a lista propriamente ditos.

Acima de tudo, eu e o Bia tentamos ficar o mais longe possível daquelas “listas cabeça” que sempre foram o mainstream do cinema brasileiro. A razão é simples: essa mentalidade, conjugada à ação da Embrafilme, arruinou o nosso cinema. Tornaram-no coisa de certa elite cultural dirigida a si mesma, utilizando seus próprios códigos e conceitos, e cinema não pode existir dessa forma; acima de tudo, precisa ser popular. Porque é indústria e precisa de dinheiro para ser feito, e esse dinheiro só aparece se houver público. Os fãs do Cinema Novo que me perdoem, mas “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite” fizeram mais pela indústria cinematográfica brasileira do que dois Glaubers, sete Sganzerlas e quatro Reichenbachs juntos.

Muita gente lembrou de bons filmes que não entraram na lista, por uma ou outra razão. “Eles Não Usam Black-Tie”, “O Homem da Capa Preta”, os filmes do Person, etc. Tem o Andrea Tonacci de quem tanta gente lembra e sobre quem confesso a minha total ignorância. Uma lista não pode contemplar todos os filmes, claro, e tenta buscar uma média aceitável. Elas são feitas para isso mesmo, para excluir.

Mas entre os bons filmes brasileiros não estão incluídos, por exemplo, “Carlota Joaquina”. Me desculpem, mas “Carlota Joaquina” é um filme horrível, muito inferior ao seu roteiro — que já não é exatamente genial. Seu valor é meramente histórico; e ainda assim pode-se argumentar que vale menos que o chatíssimo “O Quatrilho”, que ao concorrer ao Oscar representou para o cinema brasileiro o que a Copa de 1938 foi para o nosso futebol.

“Auto da Compadecida” não é um grande filme. É acima de tudo uma grande peça de teatro, que deu origem a uma grande minissérie de TV. O filme é pouco mais que uma versão resumida, sem toda a força do que foi ao ar na TV. Já “Olga” é apenas TV filmada, nada mais que isso — o que vale para praticamente todos os filmes feitos por diretores egressos da TV. Cinema e televisão têm linguagens diferentes, e aquela não era uma lista de ficção para TV — se fosse, eu incluiria “Hoje é Dia de Maria”, mais inventiva que esses dois exemplos aí.

E tem também o pessoal que sentiu falta da pornochanchada.

Pessoalmente, tenho um grande apego à pornochanchada. É um apego quase tão grande quanto o do Ina. A pornochanchada é, para mim, o melhor retrato dos anos 70. Eu consigo me enxergar nesses filmes — é o único momento em que consigo ver imagens em movimento de uma época que, afinal de contas, eu vivi. Em “Essa Gostosa Brincadeira a Dois”, por exemplo, eu não apenas revejo uma Bahia e um tempo que não existem mais; eu sei também a quem pertencia um dos carros usados ali.

Além disso, a pornochanchada atingia o que deveria ser o objetivo básico de qualquer filme: ser visto. A dicotomia que se criou na época entre “cinema de qualidade” e “cinema comercial” foi ruim e desnecessária. Mas acima de tudo acho que a pornochanchada é a melhor herdeira do espírito das chanchadas, que foram tão esculhambadas em seu tempo e posteriormente adquiriram status de quase arte — o enfoque em um aspecto fundamental da alma brasileira, a brejeirice, a cordialidade mal-entendida de Sérgio Buarque de Holanda. Sob esse ponto de vista, é um cinema mais brasileiro do que muita coisa que se fez por aí — “O Quatrilho”, por exemplo, poderia ser ambientado em absolutamente qualquer lugar do mundo sem nenhum prejuízo de sua estrutura narrativa.

Mas infelizmente não há uma única pornochanchada que possa ser considerada bom cinema, se formos avaliar todos os critérios necessários. Talvez alguns deles, se refilmados hoje, dessem filmes razoáveis. Mas dificilmente resultariam em obras primas.

O Jurandir lembrou de “Oh! Rebuceteio”. É uma grande lembrança. Eu já tinha escrito sobre o filme, mas acima de tudo, não o considero um filme pornô. No máximo, é uma “meta-pornochanchada”, se esse termo existe. Eu gosto. Mas eu, como o Bia, gosto de umas coisinhas bem esquisitas. E nem por isso tento convencer as pessoas de que elas são grande sobras de arte.

Benjamin Button, Despereaux e o estranho estado das coisas cinematográficas

Há algo de estranho na crítica cinematográfica, e essa estranheza pode ser percebida quando alguém se debruça sobre a recepção dada a dois filmes diferentes que ainda estão em cartaz, “O Estranho Caso de Benjamin Buttom” e “O Corajoso Ratinho Despereaux”.

“O Estranho Caso de Benjamin Button” é um filme medíocre e sem imaginação. É “Grandes Esperanças” estrelada por Forrest Gump. Não Tom Hanks; Forrest Gump, mesmo, o personagem idiota.

Inspirado em um conto mediano de Fitzgerald com cerca de 20 páginas, o filme dirigido por David Fincher (bom diretor de alguns excelentes filmes, como Se7en e “Clube da Luta”) só traz do original a idéia de um homem que nasce velho e morre criança, e mais nada. O resto é uma coletânea frouxamente amarrada da experiência de 100 anos de clichês cinematográficos em filmes para pessoas que choram fácil no cinema. Mesmo isso talvez já seja demais: em nenhum momento há um mínimo de possibilidade de identificação com a situação do personagem vivido inexpressivamente por Brad Pitt; nem sequer um olhar surpreso pelas situações que a a inversão da ordem das coisas pode causar.

O conto original não é um dos melhores de Fitzgerald. Na introdução a ele em The Short Stories of F. Scott Fitzgerald, Albert Bruccoli lembra que Fitzgerald encontrou dificuldades para vendê-lo. Inspirado por Mark Twain, Fitzgerald não conseguiu ir além do óbvio, e o conto acaba sendo simplista em excesso. Mas ainda assim é uma obra superior ao filme que inspirou — e, o que é melhor, bem mais curta. Enquanto Fitzgerald usava a parábola do “homem ao contrário” para fazer algumas observações sobre a sociedade americana e suas expectativas acerca de seus membros, e não atingia seu intento, Fincher consegue fracassar de maneira muito mais retumbante, e gasta quase três horas falando sobre nada. Não se aprofunda nas perguntas sobre a sociedade que o tema levanta; mas tampouco consegue mostrar quem é Benjamim Button, intepretado de maneira particularmente ruim por Brad Pitt. Benjamin Button passa pela vida como Forrest Gump, com a diferença de não ter alterações no QI ou comportamento aos 70 ou aos 15 anos. Fincher não tem imaginação, e não parece ter percebido as possibilidades que tinha em sua mão. O resultado é um filme vazio cujos melhores momentos são propiciados por um velho que conta, ao longo do filme, que foi atingido sete vezes por raios — provavelmente porque essas cenas têm tão pouco a ver com o filme que nos oferece um merecido alívio daquela modorra sub-dickensiana que são os encontros e desencontros de Brad Pitt e Cate Blanchett.

“Benjamin Button” é um filme ruim, falso, em que não shá verdade. Poderia ter sido uma boa comédia besteirol, dessas dirigidas pelos irmãos Farrelly; e Fitzgerald percebeu esse potencial, dando-lhe um tom de farsa que está ausente no filme. Fincher não percebeu que o único caminho para o absurdo seria a comédia, ainda que narrada seriamente, e realizou uma bomba de um sentimentalismo manufaturado e artificial.

Mas mesmo sendo um filme tão ruim, “Benjamin Button” vem colecionando críticas elogiosas por onde quer que passe. Um bocado de indicações ao Oscar, que é no mínimo um bom termômetro da indústria cinematográfica americana. Elogios de muita gente.

Então tá.

Do outro lado, há “O Corajoso Ratinho Despereaux”, desenho animado da Universal que está sendo exibido sob uma acolhida morna da crítica. Morna porque ela está mais preocupada em louvar as qualidades de outros dois desenhos deste último ano: “WALL-E“, da Pixar, e “Bolt”, da Disney.

“WALL-E” foi aclamado ano passado como uma obra-prima. É um excelente desenho, é verdade; mas jamais uma obra-prima. É apenas mais um, como os tantos que saem a cada temporada de férias. A Pixar, assim como sua co-irmã Apple de Steve Jobs, parece trabalhar sob um signo de infalibilidade presumida. Não há um novo lançamento seu, por medíocre que seja, que não seja objeto de elogios hiperbólicos da crítica. No entanto, se formos olhar para os desenhos que fizeram realmente diferença nesta década, veremos que não saíram de seus computadores, como “Shrek” — com a exceção provável de “Os Incríveis”, que na época chamei de “o melhor desenho infantil feito para adultos da história”.

Já “Bolt” só pode ser elogiado a partir da admissão de que a máquina de publicidade da Disney ainda funciona. Não é tão ruim quanto um “Bee Movie” ou um “Encantada”, mas está longe de ser realmente brilhante. É apenas mais um desenho animado que absorve alguns dos novos clichês do gênero — e aí, sim, pode-se dar à Pixar o seu merecido crédito por definir o novo padrão: “Bolt” deve muito a “Os Incríveis”. No entanto a crítica já viu nele o “renascimento da Disney”. Viu demais. Bolt se enquadra na mesma categoria de “Irmão Urso” ou “Nem que a Vaca Tussa”: filmes com um bom padrão de qualidade mas que acrescentam pouco ou nada.

Enquanto isso relegam “O Corajoso Ratinho Despereaux” a a um papel menor e injusto. É um crime. “Despereaux” é o primeiro desenho animado em quase 15 anos a conseguir resgatar a magia que um dia foi o playground dos desenhos animados da Disney. Há uma veracidade de conto de fadas, uma pureza narrativa, um respeito a valores universais que esão ausentes de virtualmente todos os desenhos dos últimos tempos. “Despereaux” tem elementos plásticos eventualmente brilhantes, como o estilo medieval de desenho utilizado em vários personagens, mesclados de maneira sutil com traços que remetem aos bons tempos dos Estúdios Walt Disney.

Walt Disney, o homem que criou todo um gênero — o longa metragem infantil de animação –, teria orgulho de um filme como “Despereaux”.

As reações distintas a “Benjamin Button” e a “Despereaux” mostram o estado pífio a que a nossa crítica chegou. Hoje parece pouco mais que a compilação dos releases dos estúdios. Não deve ser à toa que, na semana passada, morreu o último grande crítico brasileiro de cinema. Moniz Vianna morreu porque deve ter percebido que, dentro do estado caótico da crítica de cinema, já não fazia mais sentido.

Seis coisas que ninguém sabe sobre mim

O Sergio Leo me repassou um meme: seis coisas que não se costuma saber sobre mim.

1 – Já participei de uma peça de teatro. 1985. Eu estava com um grande amigo, Waltinho Seixas, e havia uma espécie de  festival de uma noite só no Teatro Santo Antônio, em Salvador — aquelas coisas com entrada gratuita, etc. Ele e Bertrand Duarte, um dos grandes atores baianos, acabaram participando. O título da peça, improvisada por eles, seria “Como Fazer Uma Revolução em Dois Segundos”. Eu dei uma sugestão de que até hoje me orgulho: seus personagens deveriam se chamar John Lênin e Paul McCarthy. Eu deveria entrar, no final, perguntar onde ficava Liverpool e sair platéia afora. Foi o que fiz. Foi o início e o fim de minha carreira teatral. Mas podia ser pior. Eu podia ter começado a fazer teatro infantil.

2 – Já acordei numa favela de Salvador me perguntando como tinha ido parar ali, com o Waltinho Passos. Depois de descobrir, e ainda meio bêbado, me vi discutindo o preço de um pedaço de terra ali, onde iríamos construir um loft com uma bela vista para um dos últimos pedaços de Mata Atlântica de Salvador e pertinho das mulheres do Cabula. O contrato foi redigido num bar próximo, em uma folha de caderno, mas nunca compramos o tal espaço — ou pelo menos eu não comprei.

3 – Já viajei de Aracaju a Petrópolis com 500 cruzados no bolso, equivalentes hoje a 20 reais, ou 20 Coca-Colas. Voltei uma semana depois ainda com 300 cruzados. São as vantagens de se alimentar de luz e se ter 17 anos.

4 – Já cheguei ao ponto de entrar numa agência de propaganda às seis horas da manhã de um domingo, vindo de uma boa farra, e só sair de lá às 19 horas da sexta-feira seguinte. E o pior é que o trabalho resultante nem ficou lá essas coisas.

5 – A única coisa que me fazia ir à universidade eram as cabines da biblioteca, onde se podia namorar à vontade e com discrição.

6 – Já fui várias vezes mordido, escoiceado, derrubado por cavalos — mas o que me envergonha e irrita são as vezes em que caí por culpa única e exclusivamente minha.

Beatlegs

Decca Tapes, o pirata primordialA minha primeira bíblia sobre os Beatles foi a revista Beatles Documento (ou Documento Beatles), uma edição especial da revista Somtrês escrita pelo Marco Antonio Mallagoli, do fã clube Revolution. Era 1985, uma época em que informação era difícil de achar. Minha primeira cópia se desfez de tanto uso, e comprei outra. Depois eu veria que tem muita informação errada ali. Muita, mesmo, além de opiniões bastante descartáveis. Mas independente disso, foi a revista responsável por eu querer entender um pouco mais sobre a banda. A Beatles Documento foi inestimável.

Ela foi também minha introdução na pirataria. Uma seção da revista fazia uma boa lista de discos piratas. De repente, eu ficava sabendo que além das músicas que eu já sabia que existiam — eu ainda não tinha ouvido todas — havia também uma infinidade de outras que não estavam facilmente disponíveis. Foi lá que fiquei sabendo do The Decca Tapes, o primeiro álbum pirata que comprei na minha vida, ainda naquele ano, e de tantos outros. As imagens que acompanham este post são de discos mencionados naquela revista.

Pirataria dos Beatles é coisa de fã, mesmo. A maior parte é simplesmente ruim. Não é algo que interesse realmente a ninguém, porque são geralmente canções descartadas ou incompletas. Mas mesmo levando isso em consideração, pirataria já foi mais interessante. Até há 15 anos, uma boa porção de material inédito bastante interessante era encontrado apenas em discos piratas. A Apple contornou esse problema lançando o Live at the BBC em 1994, e nos anos seguintes a série Anthology, com um montão de sobras de estúdio e algumas gravações ao vivo. Com isso, eliminaram boa parte dos atrativos desses discos. Pirataria é para completistas que se dão ao trabalho de tentar escutar tudo que a banda fez. Ou seja: para bobos.

O conselho que dou para qualquer pessoa que queira escutar isso é: não perca seu tempo. O que fez dos Beatles uma grande banda não foi o material que descartaram por considerarem ruim; é o que está nos discos lançados entre 1962 e 1970. Mas o mundo também tem lugar para malucos como eu. Então aqui vai uma breve introdução para aqueles que querem conhecer um pouco mais sobre pirataria.

Durante muito tempo, esses discos foram lançados por “selos” tão verdadeiros quanto uma nota de 3 reais. Alguns, como a Yellow Dog, Audifön, Vigotone e Great Dane se notabilizaram pela alta qualidade dos seus lançamentos. Mas até há alguns anos era extremamente difícil achar discos piratas — e quando se achava, eles eram caríssimos. A coisa melhorou muito com o surgimento do CD. Mas a grande virada, mesmo, foi a consolidação da internet como canal de distribuição. Foi quando surgiu a Purple Chick.

A Purple Chick é, provavelmente, um grupo de fãs (ou um louco só) que está realizando compilações quase perfeitas e abrangentes de todo esse material disponível e distribuindo-as gratuitamente na internet. Hoje, Purple Chick é, se me permite o paradoxo, garantia de qualidade em gravações de má qualidade.

Basicamente, os discos piratas dos Beatles vêm de seis fontes distintas: gravações caseiras, gravações de programas de rádio na BBC, shows ao vivo, outtakes das sessões de estúdio, e as sessões de gravações do Get Back/Let it Be, como o show no telhado da Apple, que na última sexta completou 40 anos.

Decca Tapes
É o meu preferido, e o único que tenho em vinil. É a gravação da audição dos Beatles na Decca, aquela que fez o diretor da gravadora, Dick Rowe, dispensá-los e dizer que “bandas de guitarra estão fora de moda”, para seu eterno arrependimento. É um bom disco. As gravações são encontradas em vários outros, hoje em dia, mas esse é o original. É um clássico absoluto.

Demos
Demos é como são chamadas as gravações caseiras feitas para não esquecer uma música que acabaram de compor ou para mostrar aos outros membros da banda. Antigamente elas estavam espalhadas por vários discos diferentes, em coletâneas como a série Artifacts, mas hoje há uma série chamada The Complete Home Recordings, que abrange desde as primeiras gravações, ainda com Stuart Sutcliffe, até o final. A maior parte é chata de doer, mas aqui e ali uma ou outra canção se sobressai. Serve também para entender que, na época do “Álbum Branco”, as canções já eram apresentadas ao resto da banda praticamente em sua forma final.

BBC
Foi uma das grandes fontes de pirataria dos Beatles durante muito tempo. Nos seus shows na BBC, eles tocavam músicas inéditas — são dezenas delas –, brincavam, etc. Durante muito tempo a melhor compilação desses shows foi o The Complete BBC Sessions; hoje, se alguém quer a mais completa, deve procurar pela edição com mesmo nome da Purple Chick. Está tudo ali. É a melhor de todas. Mas o fato é que mesmo para fãs o disco oficial Live at the BBC é mais que suficiente. Com algumas poucas exceções, praticamente tudo o que os Beatles gravaram de interessante na BBC está lá. O resto é redundante.

Shows
Os dois únicos discos ao vivo oficiais dos Beatles foram lançados 7 anos depois do fim da banda. O Live at Hollywood Bowl, uma mixagem de pedaços dos shows de 1964 e 1965, ainda não foi lançado em CD, e o The Beatles Live! At Star Club, Hamburg 1962 sempre enfrentou problemas legais, já que nunca foi autorizado pela banda. (Em 1998 eles finalmente venceram um processo judicial para tirá-lo de catálogo, e hoje é um disco pirata. Mas é brilhante. Serve, quando menos, para mostrar que os Beatles eram uma grande banda de rock and roll e que eram extremamente empolgantes ao vivo, antes da rotina dos shows da beatlemania.) A maioria dos discos de shows têm qualidade de som muito ruim, servindo principalmente como registro histórico. Mas há exceções. O Shea Stadium é o maior show da história dos Beatles (embora tenha sido “aperfeiçoado” em estúdio algumas semanas depois), e o primeiro mega-show da história. No Live in Atlanta, 1965, você pode ouvir Lennon esnobando a sua audiência, que obviamente não podia ouvir nada por causa dos seus próprios gritos. O Five Nights at a Judo Arena, dos shows japoneses da última turnê dos Beatles, tem som excelente mas mostra uma banda que já não faz o mínimo esforço em tocar sequer afinada. E finalmente há o Candlestick Park, o último show ao vivo dos Beatles, em São Francisco (e melhor que os outros shows dessa turnê).

Out-takes
Ah, qualquer um. Tem um monte por aí. A maior parte é deprimente — mixagens da sala de controle, essas coisas. Com raras exceções, são todas inferiores ao que foi liberado. Não valem a pena. Há uma série chamada “The Alternate…” (The Alternate Help, The Alternate Rubber Soul, etc.) que faz um bom resumo do que foram as sessões de gravação de cada um desses discos, e se você quer se aventurar por esse pântano, são os mais recomendáveis. Costumam ser os discos com melhor qualidade de som — afinal, foram tirados diretamente do estúdio. E sempre se pode achar uma ou outra coisa realmente interessante nelas, uma versão esquisita de alguma canção, coisas desse tipo.

Let it Be
Essa é a outra grande fonte da pirataria. Afinal, foram mais de 90 horas de gravações. Há coisas inacreditáveis ali. Acho que chegam a centenas de canções diferentes. A série Thirty Days é clássica, e foi durante muito tempo a mais completa. Mas recentemente a Purple Chick lançou a série A-B Road, baseada nas fitas do filme — um “álbum” para para cada dia, com mais de 90 faixas em cada. Nos dois casos, a verdade é que qualquer ouvinte ficaria perdido entre tantas gravações dispensáveis, redundantes ou ruins. Diálogos, afinação, falsos começos, gravações sem absolutamente nenhum interesse — é uma infinidade de bobagens que não interessa a ninguém, além de colecionadores hardcore. É por isso que eu recomendaria os 3 discos de The River Rhine Tapes. Uma excelente seleção do que saiu de melhor daquelas sessões — John cantando Get Back, Maxwell’s Silver Hammer, Something e I’ve Got a Feeling, por exemplo, as melhores versões de Two of Us, e muito mais — com qualidade de som muito boa. É definitivamente melhor que o Anthology III.