O Projeto Gutemberg (para quem não conhece, uma das mais antigas e mais louváveis iniciativa da internet, em que se disponibiliza textos clássicos — de Shakespeare a Ésquilo — que tenham caído em domínio público para download) está sendo processado pelo espólio da autora de “…E o Vento Levou.”
O Projeto Gutemberg Austrália está disponibilizando uma cópia do livro para donwload, porque lá ele já caiu em domínio público. No entanto, os advogados argumentam que o livro pode ser baixado nos Estados Unidos, onde essa conversa de DP é cada vez mais ficção.
É uma questão interessante, e é só a ponta do iceberg sobre o que eu considero um dos grandes problemas culturais deste começo de século: a maneira como direitos autorais estão acabando com o progresso da cultura. Detalhes aqui.
É mais um episódio da luta que envolve o direito autoral e o domínio público. Editoras e gravadoras vêm se mobilizando contra o compartilhamento de arquivos e contra o acesso livre a obras de domínio público há algum tempo. Dizem que isso está destruindo o ganha-pão dos artistas. E que destrói também acultura e a motivação para que se crie arte.
Artistas sempre existiram. Sempre vão existir. As pessoas não escrevem livros exatamente porque os querem publicados; escrevem porque precisam. Se o mercado cultural dependeu, durante muito tempo, das distribuidoras de conteúdo, a cultura em si nunca dependeu de nada além de talento.
O problema com o direito autoral extrapola a idéia de que um artista deve poder ganhar dinheiro com sua obra. Ninguém discute isso. Mas quando esse direito se perpetua décadas após sua morte, quando se transforma cultura em mais uma commodity de um mercado meio insano, a coisa muda de figura. O atual estágio do direito autoral caminha em uma direção: a de que as pessoas terão que pagar para pensar.
Uma coisa é garantir que um artista viva de sua obra; outra coisa é tentar controlar a forma como a cultura se expande e se transforma. É só imaginar um mundo em que Ticiano não pudesse pintar seus quadros porque fulano já tinha usado aquele tom de amarelo antes e se tem uma idéia até razoável do que querem que este mundo se torne.
Já disseram que se as regras que regulam o direito autoral americano hoje existissem há algumas décadas, Walt Disney jamais poderia ter produzido Branca de Neve.