A verdade não está lá fora

O History Channel era uma das razões pelas quais assino TV. A outra, provavelmente, é o TCM. O resto — programas como o do Anthony Bourdain e os peitos da Nigella Lawson, um ou outro filme mais novinho, Charlie Sheen nas reprises de Two and a Half Men — é brinde que vem de graça.

Mas isso foi há algum tempo. Sobrou o TCM. Porque um canal que deveria se dedicar à história (e que já exibiu excelentes programas, como uma bela série sobre Roma) passou a me brindar com programas que ultrapassam com várias cabeças de vantagem a idiotice: “Alienígenas do Passado”, “MonsterQuest”, “Caçadores de OVNIs”.

Isso faz com que eu perca tempo me perguntando: por que será que em pleno século XXI, este em que deveríamos estar usando roupas prateadas e veraneando na Lua, ainda há gente que acredita em monstro do lago Ness? Por que qualquer luzinha estranha no céu é uma nave espacial? Por que toda hora que um cachorro sarnento e pelado aparece morto surge também um idiota para dizer que é o Chupa-Cabras? Por que alguém, em plena era de satélites cobrindo cada centímetro quadrado da Terra, acha que um bicho do tamanho do Abominável Homem das Neves poderia continuar existindo sem ser visto por quase ninguém?

Eu não sei as respostas para isso e duvido que alguém saiba — ou, pelo menos, que alguém possa responder a essas perguntas com um mínimo de civilidade e sem uns três palavrões bem ofensivos. De qualquer forma, essas coisas me incomodam, sim, mas não são o pior.

São os programas sobre ufologia que realmente me tiram do sério.

Não se trata de negar a possibilidade de vida inteligente fora da Terra. É até improvável que ela não exista (embora Carl Sagan, em seu “Cosmos”, tenha calculado que vida inteligente pudesse existir em uns 10 planetas, se tanto; é um cálculo muito conservador, talvez, mas mais próximo da realidade que as federações intergalácticas dos filmes de ficção científica). O problema é outro: é acreditar que eles venham sistematicamente para cá, para este planetinha simpático, a despeito de todas as impossibilidades.

Imagine o tanto de trabalho e recursos necessários para mandar uma nave espacial através de um sem-número de dobras espaciais até esta bolinha azul. Por que alguém viria para cá, olharia escondido para nós como um voyeur excessivamente tímido e voltaria para o buraco de onde saiu é algo que me foge à compreensão. Mas eu tenho uma pista.

Sempre desconfiei que ufologia é basicamente uma espécie de deísmo atualizado para a era atômica — e é por isso que ETs sempre parecem com a gente, têm cabeça, tronco e membros. Assim como obrigamos Deus a nos criar à Sua semelhança, criamos ETs parecidos conosco; ultimamente Deus anda fora de moda, então arranja-se outra coisa inexplicável em que ter fé. Essas nossas criações, por definição, precisam ser maiores do que nós, algo que fuja à nossa compreensão e que tenha poderes mágicos — e quer mágica maior que andar por aí em velocidade superior à da luz, feito um neutrino despirocado?

Essa não é a única semelhança entre ufologia e outros tipos de fé. Não importa, por exemplo, que visitas de extra-terrestres sejam uma implausibilidade física. É justamente nessas horas que a malucada apela para a fé, para a ignorância: “Claro que é possível a uns ETs com cara de fuinha viajar 300 milhões de anos-luz para nos saudar com um ‘Klaatu barada nikto’ nas fuças. É que eles têm tecnologia que a gente não conhece.” Ou para o fuxico puro e simples: “Não, eu nunca vi um ET, mas um primo do amigo de meu cunhado foi abduzido.”

É exatamente como dizer que Deus existe porque existe, e fim de papo. É o tipo de argumento que, como qualquer teoria de conspiração, se baseia na ignorância.

A essência da fé mais burra e a da ufologia são as mesmas. É a idéia de que necessariamente existe algo acima da nossa capacidade de compreensão, algo no qual acreditamos apesar da falta de provas. Ou seja, Deus e ET são a mesma pessoa; a diferença é que antigamente Deus era mais batuta, mandava um povo inteiro andar quarenta anos no deserto para ver um terreno; hoje, no máximo telefona para lá. Por outro lado, antigamente jogava fogo, sal e enxofre em uns cusdemundo como Sodoma e Gomorra, coisa vagabunda com que um Deus que se respeite não deveria perder tempo; hoje, a gente vive sob a ameaça d’Ele invadir a Terra em astronaves gigantescas criadas em CGI e destruir o mundo inteiro.

E aqui está a pista para entender por que tanta gente acredita nessa estultície: porque isso nos dá a impressão de importância, remetendo a um tempo em que achávamos que éramos o centro do universo. Se não somos mais a criação predileta de Deus, vamos procurar alguém que nos valorize e respeite como merecemos.

Esse pessoal dos discos voadores só não parece perceber o quanto esse tipo de bobagem, e especialmente os indícios que eles alegam serem provas de suas teorias lisérgicas, são obscurantistas e anti-humanistas. Negam acima de tudo a capacidade de imaginação e de realização do ser humano — para eles, um egípcio de 4 mil anos atrás não poderia construir uma pirâmide; uns incas de merda (aquele povo incompetente que levou um cacete memorável de Pizarro) jamais poderiam construir Macchu Picchu.

A desumanidade desse pessoal é tão grande que eles parecem duvidar que o ser humano sequer pudesse criar a idéia de Deus — os deuses, dizia o Von Daniken, eram astronautas. É a síndrome do “not invented here” adaptada ao homem. Ou ao menos um grave exemplo de baixa autoestima existencial.

É verdade que a situação já foi pior, durante aquele período da história humana que cheirava a patchuli e em que se acreditava que adentrávamos a era de Aquário (Deus do céu, isto é a era de Aquário?). Essas idéias, por mais mirabolantes, por mais ilógicas, se mostravam adequadas àquela nova consciência telúrica, àquela coisa cósmica meio odara em que tudo era tudo e nada era nada — e você ainda tinha que mastigar 50 vezes cada garfada de arroz integral. O tempo passou, o sândalo saiu de moda, nos acostumamos à tecnologia, à fissão do átomo, ao Concorde e aos ônibus espaciais, e então passamos a pensar menos nessas coisas.

Mas vaso ruim não quebra e eles continuam por aí. É difícil para mim entender a razão, mas há milhares de ufólogos no Brasil. Há até associações que juntam esse pessoal. Tem gente que se ressente da existência de crentes? Eu me ressinto da existência de ufólogos — e diabo, ninguém nota a ironia contraditória nesse nome? Porque ufologia é obscurantismo disfarçado de pseudo-ciência.

Para piorar, ufólogos tendem a acreditar em conspirações malucas. Eles realmente acreditam que os governos sabem que somos visitados cotidianamente por ETs vindos de quadrantes aos quais nem a Enterprise chegou, e escondem isso de nós. Se não vemos ETs por aí não é porque eles não estão na Terra, mas porque há um grande complô do governo, qualquer governo, para esconder a verdade.

E isso é o que mais me impressiona: a idéia de complô, de uma grande conspiração orquestrada pelos governos para nos manter na ignorância. Para mim é ainda mais difícil acreditar que o SNI e sua sucessora Abin tenham competência para esconder esse tipo de fato da população do que acreditar na existência de ETs congelados como picanha num açougue. O que prova a imbecilidade desse pessoal é a crença na hipótese absurda de que esses governos, que sequer conseguem esconder as trapalhadas cotidianas que cometem, poderiam guardar um segredo de tamanha grandeza. Na verdade, a Nasa sequer consegue guardar as amostras espaciais que possui; como conseguiria guardar segredos como picolés de ETs, que escapam mais fácil, é coisa que me foge à compreensão.

O fato é que o governo sequer esconde de mim a existência da Ana Maria Braga; por que iria esconder a existência de um disco voador é coisa que, sinceramente, jamais vou conseguir entender.

Jesus Manero

Eu sei que tem gente por aí, gente desocupada que redundantemente não tem o que fazer, que diz que não levo religião a sério.

Na verdade eu levo. Levo tanto que até hoje tento descobrir como é que o puto do Moisés atravessou o Mar Vermelho. Se parar para pensar numa bobagem dessas não é levar a sério, eu não sei mais o que é.

Quem não leva essa merda a sério é o pessoal do Jesus Manero — o site mais abençoado da internet. O mané aqui nem sabia que essa pérola existia. Agora estou rindo há horas enquanto passo o arquivo do site em revista.

Disney e o passado

Um site magnífico para quem lembra das revistinhas Disney de eras passadas: o Vila Xurupita’s Brazilian Covers apresenta todas as capas das revistas Disney publicadas no Brasil nesses pouco mais de 60 anos, de maneira bem simples e organizada.

Mas há outro ainda mais completo, o InDucks, um banco de dados abrangente com cada história incluída em cada revista Disney publicada em vários países, o que inclui o Brasil. É um trabalho hercúleo de documentação, e um tesouro de informação ao mesmo tempo pouco importante e inestimável. Pouco importante porque são só revistas em quadrinhos de algumas vidas atrás, útil apenas para sessões sem sentido de nostalgia; inestimável porque para muita gente que não tem medo de sessões sem sentido de nostalgia é um documento acurado de parte de suas vidas.

Deve ser o meu caso. De muitas dessas capas lembrei imediatamente. Algumas apenas sei que tive, pela época em que foram publicadas, embora não lembrasse delas. Mas lembro bem, por exemplo, dos números 1470 da Pato Donald e 1471 da Zé Carioca, quando as suas logomarca foram mudadas depois de 30 anos. Comprei a Mickey 340 e a 341, agora também com logomarca diferente. Foi lendo a Zé Carioca comemorativa de 20 anos da revista, em julho de 1981, que fiquei sabendo do torpedeamento do Lusitânia — infelizmente, só fui descobrir quando, e que diabos aquilo tinha significado, muitos anos depois. Li a Tio Patinhas 170, em 1979, e descobri a palavra “sarraceno”. Na Tio Patinhas de Ouro 2 ouvi falar de uns sujeitos na Pérsia — que já não existia àquela época — chamados dervixes.

Era o tempo em que as revistas traziam impresso um pequeno aviso na capa: “Manaus, Santarém, Boa Vista, Altamira, Macapá, Porto Velho, Rio Branco, Jiparaná (via aérea): Cr$ 00,00 – CÓD. 0051” — e isso significava, basicamente, um aumento de cerca de 30% no preço de capa. Era um Brasil diferente e a região Norte ficava mais longe. Tão longe que até hoje eu não sei onde fica Jiparaná.

O site avivou algumas lembranças antigas, mas também corrigiu outras. Sempre achei que a primeira Almanaque Disney que eu havia comprado tinha sido a 90; na verdade foi a 76, em setembro de 1977. Há muitos anos comecei um post neste blog dizendo que “Ainda lembro do dia em que comprei o meu primeiro Almanaque Disney. Foi em agosto de 1977.” Eu estava errado. Na verdade foi em setembro, e comprei porque, de brinde, vinham umas moedas douradas; crianças, macacos e corvos gostam de coisas que brilham. A confusão vem porque nesses meses eu morava num hotel em Salvador. Também achava que tinha comprado a “Anos de Ouro do Mickey” no final daquele ano, mas isso aconteceu dois anos depois — mas do local eu não esqueci: na banca do Renato, um sujeito que me lembrava o Emerson Fittipaldi, banca que fica ainda hoje no Largo da Barra.

Além disso, ver a palavra “Bingola” — um joguinho de tabuleiro com tampinhas de Coca-Cola, se não me engano — nas capas de várias revistas me lembrou que eu brinquei com isso, o que quer dizer que comprei, ou pelo menos li, outras revistas antes da tal Almanaque Disney 76. (Uma busca por “Bingola” mostrou que há por aí gente mais maluca do que eu, gente que guardou suas tampinhas até hoje. Ano passado um sujeito estava vendendo sua coleção por 1.500 reais no Mercado Livre.)

É impressionante que eu ainda consiga lembrar de capas de revistas que li mais de 30 anos atrás. É difícil saber se a minha fascinação por elas — e o valor que lhes dou — vem do seu valor real ou porque elas simplesmente fizeram parte de minha vida e de minha formação — ou seja, no final das contas essas revistas não eram tão boas assim, eu é que era suficientemente ignorante para julgá-las excelentes. Talvez seja uma mistura dos dois; reler as histórias publicadas nessa época mostra que, se minha memória afetiva talvez tenha aumentado sua importância, ao mesmo tempo elas são infinitamente superiores ao que se tem publicado da Disney ultimamente, com exceção das histórias de Don Rosa.

O melhor nessas revistas é que havia um universo variado de personagens e temáticas. Não eram apenas os personagens tradicionais de Disney, aqueles que até hoje vivem em Patópolis; mas havia uma variedade de elementos paralelos — as histórias das Aristogatas, de Banzé, Hawita e tantos outros, e quadrinizações dos filmes das Disney — que emprestavam àquelas revistas uma abrangência que outras não têm. Além disso havia uyma seção aparentemente retirada da série True-Life Adventures, com informações sobre o mundo animal, e os cartuns da Zoo Disney. Havia também um bom núcleo de histórias brasileiras, especialmente as do Zé Carioca e do 00-ZÉro.

E algo de que eu tinha esquecido: um bando de meninos e meninas maluquinhos, na faixa dos 8, 10 anos, que queriam se corresponder com outras crianças e davam seus endereços publicamente — algo impensável nos tempos paranóicos de hoje, em que a meninada não vai mais à esquina sozinha.

O site também acaba sendo uma crônica visual da decadência dos quadrinhos Disney no Brasil. Quem conhece as revistas feitas há 30, 40 anos lembra da impressão com cores sempre chapadas, os defeitos da colorização manual e das tecnologias de impressão disponíveis; lembra das variações de letras a cada história, também feitas à mão. De lá para cá houve imensos progressos técnicos. Tudo, da finalização à colorização e às letras, é feito no computador. As impressoras trazem cores mais ricas, com mais nuances tonais e mais controle sobre o resultado final. O tempo operou suas mudanças também na lingua, e hoje ela se apresenta mais coloquial.

No entanto basta uma olhadela superficial nas capas para ver que, paralemente ao avanço técnico, houve um retrocesso terrível no campo das idéias.

Cada capa trazia uma gag visual significativa, piadas simples e muitas vezes excelentes. A novas capas das revistas Disney, ao menos as poucas que ainda se sustentam, perderam isso. Ficaram mais parecidas com as revistas de super-heróis, puro lixo pouco criativo, artesanato que se faz sem pensar, e com vistas apenas a chamar a atenção do eventual comprador. As capas refletem um pouco a pobreza das histórias mais novas. A julgar pelo pouco que vejo aqui, a Disney não conseguiu se atualizar sem perder sua essência — algo que eventualmente conseguiu nos longa-metragens animados, como “A Bela e a Fera” e “Rei Leão”.

E há a questão do negócio em si.

Há 30 anos — e as capas de diversas revistas mensais e edições especiais comprovam isso — esse era um negócio excelente. Hoje, diante do tamanho do império de dívidas da Abril, não tenho essa certeza. No começo deste século, por exemplo, ela não teve problemas em se desfazer dos super-heróis da Marvel e, cerca de um ano depois, da DC. No entanto se apega às revistas Disney, mesmo que pareça não mais saber o que fazer com elas. Por uma matéria lida há uns dez anos na finada Gazeta Mercantil, parece que é por razões sentimentais: o Pato Donald foi a primeira revista publicada pela editora, em 1950, e sempre foi questão de honra para o fundador, Victor Civita. Isso torna ainda mais incompreensível e injustificável o trabalho porco que realizam com essas revistas. A única coisa decente que ainda publicam é uma tal de Disney Big — mais ou menos a mesma coisa que a antiga Disney Especial, mas sem o fio temático que era a marca daquelas revistas e cada vez mais limitado ao universo de Carl Barks. O resto é lixo mal editado — e é deprimente que, com mais de meio século de histórias, eles não consigam simplesmente escolher as melhores.

Mas isso interessa pouco. Passei horas procurando as revistas que ajudaram a me formar — aquelas do final dos anos 70, começo dos 80. E a cada reconhecimento, a cada “essa eu tive”, a criança que eu fui um dia ficou mais forte e, por alguns momentos, mais feliz.

E aí, Sergio Leo, o mundo acabou?

Ontem os senadores brasileiros aprovaram em primeiro turno uma Proposta de Emenda Constitucional que traz dos mortos a exigência de diploma de comunicação social para o exercício do jornalismo, derrubada há pouco mais de dois anos num daqueles raros momentos de sanidade do STF.

Em tempos d’antanho este blog defendeu o fim da exigência do diploma. Porque jornalismo não é profissão que precise oferecer uma defesa à sociedade na forma de diploma individual; porque a lei era uma intromissão desnecessária do Estado no que essencialmente é a sociedade falando consigo própria; e pelas próprias origens da nefanda, uma lei de ditadura concebida para controlar jornalistas.

Mas já há muito tempo, uns 20 anos pelo menos, essa discussão era desnecessária e anacrônica. Sua queda ou manutenção, na prática, significava coisa nenhuma. Novos jornalistas continuariam a ser necessariamente recrutados nos bancos das faculdades, simplesmente porque a oferta é grande demais e, de modo geral, recém-formados são mais qualificados que focas vindos de outras áreas. Não consta haver muita gente vindo de fora querendo ser jornalista. E há tantos estudantes implorando por uma primeira chance que a seleção já não é feita entre os que têm e os que não têm diploma, mas entre aqueles nas multidões de recém-formados que têm algum talento e estão dispostos a trabalhar por muito pouco em nome de uma primeira oportunidade.

Não foi a exigência do diploma que criou essa situação. Foi basicamente a evolução natural do mercado. Este é cada vez mais um mundo de especialistas superficiais, cujas origens estão nas crianças que, por várias razões, são obrigadas a fazer escolhas de vida fundamentais aos 17 anos de idade. É isso que gera o excedente de mão de obra que afasta os eventuais não-jornalistas das redações. E esse fenômeno que se vê no jornalismo também se repete em outras profissões, mesmo as que não exigem diploma, como a publicidade: é nas faculdades que são recrutados os estagiários de criação, mídia ou qualquer coisa assim, porque por pior que sejam — e, também generalizando, essa meninada parece vir cada vez pior, cada vez mais ignorante —, ainda assim têm uma formação específica melhor do que quem nunca fez um layout em toda a vida. Ou seja, não é necessário diploma para garantir esse tipo de evolução socioeconômica. O mercado já se encarregou disso faz um certo tempo.

Mas para o Sergio Leo, e tantos outros jornalistas, a queda do diploma parecia significar o maior golpe que a profissão poderia sofrer. Em seu momento mais empolgado, o Sergio invocou neste blog a maldade intrínseca dos patrões, que seriam a favor da queda do diploma para ter à sua disposição mão de obra farta e barata — como se “mão de obra farta e barata” não fosse quase sinônimo de “recém-formado”.

Pelos bons argumentos, e pelo fato de ser um excelente jornalista, o Sergio merecia ser ouvido. Poucas pessoas escrevem tão bem sobre relações internacionais, com tanta clareza. Pessoalmente acho que isso se deve ao seu imenso talento pessoal, e não exatamente à sua formação específica em jornalismo; mas não é isso que está em questão aqui. De qualquer forma, é justamente por esse respeito que pergunto: e aí, Sergio Leo? Dois anos depois, o mundo acabou? As redações foram infestadas por padeiros ávidos por assinar seu nome em uma matéria com chamada de capa? Estagiários no seu e nos outros grandes jornais do país — e nos pequenos, também — passaram a ser recrutados nas faculdades de matemática? Os donos de jornal utilizaram os milhões de pedreiros, garis, advogados, médicos e guardas de trânsito que agora podem ser jornalistas para chantagear a classe por salários mais baixos, quase de fome?

Mais que isso: o caos reinante nas redações justifica a volta dessa exigência estranha que nos levaria de volta à companhia de bastiões da imprensa de qualidade como Congo, Costa do Marfim e Honduras — embora agora de maneira democrática, como deve ser?

***

Nos dias seguintes à derrubada do diploma, eu e muitos outros servimos como destinatários involuntários de grandes desabafos de jornalistas indignados com o que consideravam ataque à sua profissão.

Jornalistas de todo o país se manifestaram e apontaram o início do apocalipse, o fim da profissão, o desrespeito absoluto à catiguria, essas coisas. Jornalistas se revoltaram ao serem, como quiseram fazer parecer, comparados a cozinheiros — por sinal um episódio típico do modus operandi de certo segmento da imprensa brasileira, não apenas pelo elitismo e bacharelismo que parece fazê-los pensar que uma profissão é mais importante do que outra, mas pela má-fé demonstrada ao destacar uma frase de seu contexto e fazer o mais baixo sensacionalismo a partir dela.

No final das contas, a mobilização vazia de jornalistas no pós-queda acabou sendo uma prova de miopia e de incapacidade de ver o mundo como ele é — além, é claro, de prova da incapacidade da categoria de se organizar politicamente. E esse é o tipo de coisa que se pode cobrar deles mais de dois anos depois, especialmente às vésperas de uma volta ao antigo status quo.

Mas a pergunta a ser feita agora, na minha opinião, deveria ser outra: como alguém que se propõe a mostrar e explicar para mim o mundo em que vivo pode-se arrogar esse direito se não consegue sequer compreender fatos que lhe afetam diretamente? Com que moral um jornalista vai tentar interpretar um fato para mim se ele mesmo não consegue entender corretamente os sinais que o mundo lhe dá a cada novo dia? Ou, se entende — algo do que duvido, a julgar pelas manifestações vistas há dois anos —, não tem a honestidade necessária para me dizer como as coisas realmente são?

Talvez isso explique o nível geral da imprensa deste país. Não foram jornalistas sem nível universitário que perpetraram a cobertura desmoralizante das eleições do ano passado — o que por si só deveria desqualificar qualquer tentativa de justificativa do diploma como garantia ética, erro que tantos defensores da obrigatoriedade cometem. Agora, um ano depois, cabe também perguntar quem fez mais mal à profissão: Gilmar Mendes e sua alusão a padeiros ou o papel indigno que os principais jornais deste país desempenharam na cobertura da última campanha presidencial?

Eu tenho uma resposta para isso, e acho que ela está certa. No entanto, preferia estar errado. Preferia concordar com tantos jornalistas e achar que a queda do diploma iria destruir a profissão. Porque só a incompetência de gente aboletada na desculpa da falta de preparo teórico poderia explicar o que está acontecendo com a imprensa deste país.