Já definiram: Now and Then, a última música de Lennon trabalhada por McCartney, Harrison e Starr, vai ser lançada dia 23. A canção é velha conhecida, embora o autor, sabiamente, não o tenha incluído no Double Fantasy. É uma balada chatinha, embora típica de Lennon, razoavelmente datada em alguns trechos. A capa do compacto é de uma mediocridade impressionante. Seria melhor usar as capas clássicas dos compactos ingleses nos anos 60, apenas um papel preto com um buraco no meio.
Now and Then acompanha o relançamento das duas grandes coletâneas da banda, conhecidas desde 1973 por Álbuns Vermelho e Azul, agora inflacionadas em 50% e e transformadas em álbuns triplos.
Em seu tempo, foram coletâneas importantes, porque ofereciam um resumo razoável da música da banda. Como efeito colateral cristalizou no imaginário do público a divisão da carreira da banda em duas fases distintas, o que não corresponde exatamente à realidade nem, certamente, era sua intenção original. Hoje, sua única utilidade é garantir mais uns tostões para a gravadora e para a banda. Mas sejamos benevolentes: são o acompanhamento adequado a uma canção pela qual McCartney briga há quase 30 anos. Eu achava que o Get Back fecharia para eles a porta das lembranças, e com chave de ouro, mas os danados sempre acham um alçapão.
Por coincidência, dia desses entrei num grupo de Facebook dedicado a bootlegs dos Beatles. É impressionante o número de pessoas que ainda colecionam e vendem e trocam discos piratas, mesmo em um tempo de assombros e maravilhas em que grande parte das gravações estão disponíveis gratuitamente e com melhor qualidade de som na internet, ou mesmo em lançamentos oficiais como os Live at the BBC.
Não recrimino ninguém por isso. Um dos primeiros discos dos Bealtes que comprei foi um pirata, o Decca Tapes. Durante anos, busquei sofregamente por qualquer versão alternativa ou inédita em que pudesse pôr as mãos. Até me imaginei um colecionador e um completista por vocação, sem saber que estava muitos, muitos níveis abaixo sequer do aceitável. Eu não tinha muito, mas queria ter, e isso me fazia achar que estava nesse barco.
Mas a chegada da internet e do compartilhamento fácil de arquivos me ajudou a ter uma perspectiva mais estoica diante desse comportamento. Me fez lembrar, em última análise, que o importante é, sempre, a música.
Não eram os discos em si que eu queria. Era a música que eles continham. Todo o resto — capas, encartes, badulaques — era dispensável. Diziam respeito à indústria musical. Libertar a música dos suportes físicos foi revolucionário.
Tudo o que eventualmente é realmente interessante nesse material está disponível na internet há muito tempo; para mim, por exemplo, é o bastante. Mas cada um faz o que quer, ninguém tem nada com isso.
Confesso apenas que costumo rir de colecionadores de vinil que ficam horas discutindo a superioridade do vinil sobre o CD, e isso e aquilo. Primeiro porque essa tara rediviva pelo vinil não passa muito de uma maneira de se diferenciar da choldra que ouve CDs ou mp3 bovinamente. Segundo porque quando a música fez diferença, quando ajudou a tocar o mundo para a frente, ela era ouvida mesmo era em rádios AM.
É mais ou menos como baixistas que juntam em fóruns da internet para discutir qual encordoamento é melhor, a vantagens mínimas de um baixo de 5000 dólares sobre outro de 5,500: nessas horas sempre lembro de Paul McCartney, o homem que revolucionou o papel do baixista. Quando perguntado sobre quais cordas usava, respondeu: “umas compridas e brilhantes”.
A Apple tem feito um dinheiro bom com esse pessoal. Pelas minhas contas, só nos últimos 40 anos esse grupo, que espero ser muito restrito, comprou os mesmos discos pelo menos nove vezes — a remasterização de 1988, os CDs mono, as remasterizações mono e estéreo, de 2009, os CDs mono e estéreo dessas remasterizações, os CDs americanos da Capitol, e agora es caixas de aniversário. Comprar uma coleção remasterizada de uma coletânea, no entanto, quando qualquer um pode montar a sua num pen drive ou no Spotify, me soa excessivo até para esses padrões e para estes tempos tão loucos. Não é a toa que Now and Then será lançada também em fita cassete — a prova derradeira de que essa necrofilia musical passou absolutamente dos limites.
Mas estou curioso. E não apenas para saber qual vai ser o lado B. Nas mãos de McCartney, Now and Then tem potencial para se elevar acima de si mesma. Mas posso esperar para que ela vaze nas redes.