Os melhores álbuns dos Beatles, pela ordem

Parei para pensar que nunca fiz uma lista ordenando os discos dos Beatles por ordem de preferência. Talvez porque isso não signifique muito para mim; ouvi esses discos por tanto tempo que é quase impossível fazer um ranking. Mas eu gosto de listas.

Em primeiro lugar é bom lembrar que mesmo o pior álbum dos Beatles é melhor que 99,7% dos discos já lançados neste vale de lágrimas e de música ruim. Nenhuma outra banda conseguiu lançar tantos discos seguidos com tamanha qualidade, de maneira tão consistente.

Mais que isso, ninguém mais conseguiu fazer tantas gravações que, mesmo com o passar dos anos, não perdem sua atualidade. É talvez a sua principal qualidade, e o que reafirma a cada dia sua genialidade. Num livro meio estranho lançado recentemente, Their Lives: Great Writers on Great Beatles Songs, Chuck Klosterman definiu com perfeição o que os faz grandes:

The Beatles’ songbook is a neutral charge. It’s a self-reflexive reality. Every other guitar band of the past sixty years has made a kind of rock: blues-rock or prog rock or folk rock or acid rock or punk rock or grunge rock or art rock or [pick a modifier] rock. But not the Beatles. The Beatles made “Beatles Music,” which became the working definition of “rock music,” which became the working definition of “popular music.” Black Sabbath worked within a genre; Blue Cheer worked within a subgenre. The Beatles had no such parameters. They could do whatever they wanted, and whatever they did became normative. If the Beatles had prominently employed the accordion on Revolver, we’d all be able to walk into any local Guitar Center and stare at a wall display of accordions, most of which could be plugged into Marshall amplifiers. Anything the Beatles did immediately became something that could be plausibly attempted by other artists. The Beatles “invented” heavy metal to the same degree they “invented” the notion of a pop band breaking up in public: they weren’t the first people to have the idea, but they were the first materialization of that idea in a context that collectively mattered. “Helter Skelter” ratified metal. Had Mötley Crüe covered “Smoke on the Water” or “Children of the Grave,” the unspoken message would have been “We like metal, so we play metal music.” By covering the Beatles, the unspoken message was “We like music. Metal is just the way we play it.”

Foi dentro desse contexto que fiz essa listinha boba. Ela não inclui alguns dos maiores clássicos da banda, já que os Beatles costumavam reservar suas melhores canções para os compactos, posteriormente reunidos no Past Masters. Se ele pudesse ser incluído seria um dos melhores, sem dúvida. Mas coletânea e disco póstumo não valem.

Yellow Submarine
Talvez seja injustiça colocar este disco aqui, porque na prática ele não é um álbum, é um EP. É praticamente uma obra de George Martin, que assina todo o lado B com a trilha orquestral do desenho animado; das seis músicas dos Beatles que compõem o lado A, apenas quatro são inéditas — duas delas escritas por George Harrison, e não particularmente inspiradas. Mas a verdade é que gosto de todas essas canções, especialmente Hey Bulldog, e até já ouvi o lado B algumas vezes.

Beatles For Sale
Final de 1964. A banda está exausta devido a uma rotina absolutamente estafante, e a obrigação de lançar um novo disco antes do Natal aqui se revela um fardo quase pesado demais, fazendo-a começar a se repetir. Até Beatles For Sale, cada álbum representou um passo adiante em relação ao anterior, retratando uma evolução constante e sem paralelos — ainda mais diante da pressão mercadológica para que eles fizessem mais do mesmo (pressão a que os Beach Boys, por exemplo, não sobreviveram). Mas aparentemente tudo tem limite, e Beatles For Sale é uma interrupção abrupta nesse processo, ou ao menos uma pausa para descanso; não é à toa que este é o disco mais “acústico” dos Beatles. O resultado é uma volta a covers tocadas nas longas noites em Hamburgo, a canções velhas que sempre tinham sido preteridas, como I’ll Follow The Sun, e algumas músicas novas que dificilmente poderiam ser qualificadas como obras-primas. Este é o disco de uma banda competente, talentosa, mas aparentemente estagnada. Relativamente pouca coisa se destaca aqui.

Let it Be
O amontoado de jóias nesse álbum não obscurece o fato de que todo ele soa estranho, como algo destinado a ser grandioso mas que ficou no meio do caminho: não é nem o projeto original, interessante em princípio, nem um disco tradicional de estúdio. Para piorar, o som é estranho, abafado, resultado dos estúdios vagabundos onde foi gravado. Em qualquer outro momento, um disco que enfileirasse Let it Be, Get Back, Across the Universe e The Long and Winding Road seria uma obra-prima, e é só por isso que ele não está em posição mais baixa. Mas o que os Beatles entregaram depois de passar a régua na banda é um disco decepcionante, se analisado no conjunto. Se eles tivessem se reunido para refazer esse álbum com seriedade, o resultado seria um disco perfeito. Mas em vez disso eles acabaram, e Let it Be é apenas Terry Malloy dizendo a você: “I coulda’ been someone! I coulda’ been a contender!” Mais sobre ele aqui.

Please Please Me
Fosse outra a banda e talvez esse disco fosse considerado um clássico absoluto. Basta olhar em volta e ver quantas lançaram um disco de estreia excelente e nunca mais conseguiram repetir o feito, sofrendo para lançar os seguintes. A partir da contagem de abertura, Please Please Me é um disco forte, personalíssimo, executado por uma banda absolutamente coesa que consegue capturar a energia dos pós-adolescentes que seus integrantes ainda eram e, se se contar a canção que lhe dá título (que já tinha sido lançada antes), revolucionário. De uma força impressionante, e com um som muito próprio, Please Please Me é excelente para o seu tempo e seu lugar, sendo fundamental para definir a música que viria a seguir. Mas aí você olha o que os Beatles fizeram depois, pede desculpas e manda o disco achar seu lugar na ordem cósmica das coisas.

With The Beatles
Depois do Please Please Me fizeram este, por exemplo. Para muita gente pode soar uma escolha estranha, colocar este álbum acima dos anteriores. Mas With the Beatles é um disco excelente de rock, coeso, de uma banda mais à vontade no estúdio e buscando horizontes novos enquanto mostram tudo o que aprenderam até ali. É fácil desconsiderar este álbum por ser relativamente fraco em grandes canções originais, embora tenha All My Loving, mas a verdade é que o conjunto, mais que as canções individuais, faz deste um grande disco de rock and roll, executado por “a great little rock band”, como se orgulhava John Lennon.

A Hard Day’s Night
A consolidação absoluta da beatlemania e do “beatle sound”, é o único disco composto apenas por canções de Lennon & McCartney. Aqui está cristalizado o som dos Beatles, de maneira definitiva — até o álbum seguinte, pelo menos. Em que pesem uma ou outra canção mais fraca, aqui e ali, sua essência é de uma consistência e qualidade impressionantes. A Hard Day’s Night representa também a ascensão definitiva de Paul McCartney à linha de frente como compositor. A partir daqui, ele ofereceria regularmente composições solo de qualidade absoluta, consolidando definitivamente sua posição de poder dentro da banda e possibilitando os avanços que se veriam nos anos seguintes. Alguém já disse que os Beatles não chegariam ao topo se não fosse por John Lennon, mas não se manteriam nem avançariam se não fosse por McCartney. É uma avaliação válida.

Help!
Um álbum que em alguns momentos é brilhante, com alguns clássicos eternos (Yesterday, que seria naturalmente um single, foi lançada apenas aqui porque McCartney não queria algo que parecesse um compacto solo) mas com uma quantidade alta, para os padrões da banda, de canções medianas — fillers, como eles as chamavam. Musicalmente, e se avaliado no conjunto, Help! não oferece em número suficiente os avanços musicais a que os Beatles acostumaram o mundo em cada um de seus três primeiros discos; em vez disso, aqui eles aparecem como uma banda satisfeita em apresentar suas canções, algumas extremamente inovadoras, como Ticket to Ride, dentro de uma fórmula já consagrada.

Magical Mystery Tour
Se fossem apenas os EPs originais talvez ele ficasse numa posição mais baixa. Mas a versão americana (em que a Capitol colocou os EPs originais no lado A e os compactos lançados mais recentemente no lado B, como Penny Lane, All You Need is Love e Strawberry Fields Forever) era mais sólida, e a partir de 1976 foi institucionalizado mundialmente como o disco oficial. Não foi à toa. Normalmente os americanos destroçavam os discos dos Beatles, tirando deles significado e mesmo sua unidade. Mas até um relógio quebrado está certo duas vezes ao dia, e aqui a Capitol conseguiu fazer um álbum maravilhoso, superior ao original inglês. Pode não ser o disco pensado pela banda, mas o que Harrison disse sobre Ringo (algo como “Ringo sempre foi o quarto beatle, ele só não tinha entrado no filme ainda”) vale para este disco.

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
“O melhor disco de todos os tempos”, de importância inquestionável. É um disco absoluto. E mesmo 50 anos depois, mesmo depois de tanta água sob a ponte, defende confortavelmente e com brio sua posição. Mas como disse Ringo Starr, outros discos tinham canções melhores, o que cria um paradoxo curioso: o melhor disco pop da história não é necessariamente o melhor disco dos Beatles. De qualquer forma, o Sgt. Pepper’s mostra a importância do substituto do finado Paul McCartney (dead, man, miss him, miss him) no salto quântico dado pela banda.

Revolver
Para muita gente é o melhor disco dos Beatles. É um álbum revolucionário, sim. Mas na minha lista ele não fica lá na frente por algumas razões. O engenheiro de som dos primeiros discos dos Beatles tinha ido embora, e um garoto novinho tinha assumido os botões na sala de controle: Geoff Emerick, na minha opinião, ainda não tinha o domínio técnico necessário para dar a essas gravações a qualidade que elas precisavam, e algumas canções soam como se pudessem ter sido mais bem mixadas, melhor produzidas. Ou talvez tudo aquilo fosse novo demais para que se soubesse como lidar adequadamente com aquilo — o que, definitivamente, aprenderam no álbum seguinte. Fico imaginando o velho Norman Smith diante desse material. Finalmente, um dos títulos que foram considerados para o álbum me parece mais adequado, resumindo o que estava sendo revelado ao mundo: Abracadabra.

The Beatles
Muita gente não gosta desse álbum. Em parte porque é extremamente variado, em parte porque Lennon, como faria várias vezes, convenceu o mundo de que este disco era “John e banda, Paul e banda” (o que é uma bobagem infelizmente repetida ad nauseam: este disco é claramente dos Beatles, por mais que os estilos individuais de John e Paul como compositores venham se afirmando cada vez mais claramente). George Martin, que não produziu o álbum inteiro, morreria dizendo que teria sido melhor se eles tivessem feito um álbum simples. E é aqui que eu discordo dele. É justamente por isso que este é um dos melhores discos de todos os tempos. É vibrante, multifacetado, forte; uma cornucópia de estilos, de vitalidade, de brilhantismo e de maturidade. Você pode achar Wild Honey Pie e Can You Take Me Back? fracas — mas dentro do álbum elas adquirem um novo contexto, reforçam a sensação de uma surpresa depois da outra. Até Revolution #9 faz algum sentido.

Rubber Soul
Esqueçam o Revolver: para mim é aqui que está a verdadeira segunda revolução. Antes de mais nada, esta é a prova definitiva da fertilidade absurda da banda: o Help! tinha sido lançado em 6 de agosto, Rubber Soul foi lançado em 3 de dezembro, menos de quatro meses depois. Havia um abismo entre eles; em Rubber Soul, a banda praticamente realiza uma revolução — melódica e harmônica, claro, mas mais notavelmente ainda em termos líricos. Os Beatles de Rubber Soul já não são os mop tops do ié ié ié, suas letras vão além de She Loves You. Ao mesmo tempo, eles conservam muito daquela banda forjada nas horas infindáveis de Hamburgo, um certo frescor que a sofisticação e ambição dos discos posteriores enterraria. Talvez seja o melhor disco pop do anos 60. É magnífico, com uma sonoridade redonda, canções brilhantes e uma alegria que raramente se veria depois, em qualquer banda. Muita gente diz que é um disco de transição; imagino quantas bandas não gostariam de poder ficar trancadas nessa transição para sempre.

Abbey Road
Essa é uma das tantas razões pelas quais os Beatles já em sua época eram saudados como algo sobrenatural. Qual outra banda se despediu do mundo com a sua obra-prima? Porque este disco é perfeito. É a síntese da trajetória de uma banda que sintetizou a música de um tempo e apontou os caminhos que ela seguiria. Um diamante perfeitamente lapidado. De certa forma, ele tem algo em comum com o Kind of Blue de Miles Davis: a compressão em algumas dezenas de minutos de toda a história da música pop.

I hope we passed the audition.

Os 10 melhores seriados de todos os tempos

E daí que resolvi fazer uma lista de melhores seriados da história. É que pareço não ter o que fazer, e à medida que vou ficando velho as lembranças de tempos há muito idos parecem mais sólidas do que as de uma ou duas semanas atrás. Além disso, há algum tempo a Rolling Stone publicou uma lista que, calhordamente, desprezou alguns dos seriados mais caros para mim. Isso não se faz e merece uma resposta.

O meu critério não é exatamente técnico, nem totalmente pessoal. Se fosse técnico, não poderia deixar de incluir, por exemplo, I Love Lucy, que inventou o sitcom com três câmeras — e que, 60 anos depois, ainda é um grande seriado. Além disso, um seriado como Law & Order SVU, que anda por aí há quase duas décadas, tem que ter alguma qualidade. Se fosse só pessoal, como deixar de incluir “O Homem de Seis Milhões de Dólares”, “O Homem do Fundo do Mar”, “Viagem ao Fundo do Mar” ou “Tarzan”?

Mas é uma lista pessoal quando seriados aclamados como Seinfeld, que nunca me disseram absolutamente nada, ficam de fora, enquanto entram outros pelos quais ninguém dá dois tões, como “Daniel Boone”; e técnica quando reconhece a importância de Twin Peaks, embora os 26 anos passados me tenham feito esquecer quase tudo. A ignorância crassa também desempenha cá seu papel: entre tantos outros, eu não vi os dois responsáveis pelo que andam chamando de segunda era de ouro da TV, The Sopranos e The Wire.

Como sempre, a lista está em ordem cronológica.

Além da Imaginação
Hoje ele pode ser visto num site chamado Oldflix. Vale a pena. Porque a obra de Rod Serling é uma daquelas grandes maravilhas que a TV já produziu, e mais de meio século depois, sua qualidade continua inegável. Um seriado que apresentava ficção científica, fantasia, terror, The Twilight Zone (que título lindo, o original) foi das coisas mais inteligentes que já se fez na TV, e uma das mais instigantes. É daquele material atemporal, excelente em qualquer momento que você assista a ele.

Daniel Boone
Preferido meu desde a infância, andei revendo alguns episódios há algum tempo. Do ponto de vista da verossimilhança histórica, “Daniel Boone” é uma tragédia: para aproveitar o sucesso de David Crockett nos anos 50, com o mesmo Fess Parker, vestiram Daniel Boone com um chapéu de guaxinim que o original não usaria nem bêbado. E juntam episódios da história americana distantes entre si para efeito dramático. Mas é o tipo de programa que não é mais feito: simples, direto, repleto de bons e tradicionais valores americanos — contra os quais eu, pessoalmente, não tenho nada. De um tempo em que seriados para a família podia ser mais doces.

Jornada nas Estrelas
O mais curioso é que, quando era criança, eu não gostava desse seriado. Anos mais tarde, vendo os episódios com calma e atenção, finalmente entendi. Quero escrever mais sobre isso, então fico por aqui, por enquanto.

O Túnel do Tempo
Durou apenas uma temporada. Mas quem assistiu às aventuras de Tony e Doug na Ilha do Diabo, em Cracatoa, no Titanic ou na França revolucionária, jamais esqueceu. E, ainda que de maneira torta e às vezes equivocada, aprendeu um bocadinho sobre história. O TCM exibiu o seriado há algum tempo, com a dublagem original da AIC, e uma boa alma disponibilizou o danado na internet. É a que eu tenho em casa.

A Gata e o Rato
Bruce Willis (ainda com cabelo) e Cybill Shepherd (ainda bela): acho difícil que tenha havido em algum tempo um casal com mais química na tela. Aos 15 anos eu queria ser David Addison e namorar a Maddy Hayes — obviamente, não consegui nem um, nem outra; e hoje eu não queria nenhum dos dois. Moonlighting foi um seriado inovador: com diálogos fantásticos e quebrando a quarta parede regularmente, com inteligência, manteve durante duas temporadas um equilíbrio admirável entre comédia e romance nunca concretizado. Até que Cybill Shepherd engravidou e tudo foi por água abaixo.

Married… With Children
Nunca, jamais, em tempo algum alguém foi capaz de conceber um seriado mais canalha que esse. Já escrevi sobre ele aqui, então não vale a pena me alongar. Mas, quase 30 anos depois, ele continua tão engraçado quanto da primeira vez que vi Al Bundy enfiar as mãos nas calças para assistir a mais um episódio de Psycho Dad. Não seria produzido hoje, obviamente; que pena para o mundo.

Anos Incríveis
Quase a antítese de Married… With Children, “Anos Incríveis” é uma das coisas mais doces que a TV já fez, e provavelmente a melhor recapitulação da infância e pré-adolescência que já apareceu na TV. Situando no final dos anos 60, e acompanhando a formação de Kevin Arnold, um eterno otário como todos nós, “Anos Incríveis” estava perfeitamente adequado a seu tempo: embora pareça ser destinado a crianças e adolescentes, é um seriado cujo público óbvio era aquele que, na virada dos anos 90, chegava aos 30 anos.

Twin Peaks
Twin Peaks não era a série policial comum, não era o drama comum, não era nada comum. É provavelmente um dos seriados mais revolucionários de todos os tempos. “Quem matou Laura Palmer” não era a pergunta real a ser feita: era “como é que se pode subverter algumas regras da televisão dessa forma?”

Mad Men
O mais interessante é que essa novela — porque Mad Men é basicamente uma novela das oito — não tem quase nada sobre propaganda: é um seriado de escritório com uma abordagem extremamente dos personagens principais. O final do seriado, em que a canalhice de um dos melhores anti-heróis da história da TV americana, Don Draper, é finalmente recompensada e ele reencontra o seu lugar no mundo, é fascinante — e, finalmente, uma ode aos bons tempos da publicidade, que chegou a ser quase uma forma de arte.

Game of Thrones
Mesmo que a atual temporada, a penúltima, esteja recebendo uma série de críticas, o fato é que esse é uma dos seriados mais empolgantes de todos os tempos. Eu, pelo menos, não tenho notícia de outro seriado que, em sua sexta temporada, conseguisse mobilizar o mundo inteiro, coisa que GoT consegue facilmente. O sucesso dele faz com que esqueçamos que este foi um dos melhores seriados políticos de todos os tempos, ao mesmo tempo em que se recusou a se manter em um só gênero.

Niemölleriana

Primeiro vieram buscar os negros, mas como eu não estava no meu lugar de fala, eu tive que me calar.

Depois vieram buscar as mulheres, mas como eu era homem cis hétero estuprador opressor, eu não pude protestar.

Então vieram buscar os trans, e como eu não era gay, fiquei calado para não entrar em treta.

Depois vieram buscar os comunistas, mas como eu insistia que não era golpe, eu achei foi pouco.

Então vieram buscar os sindicalistas, mas como eram todos pelegos, eu fiquei calado.

Depois vieram buscar as moças com turbante, e achei bom porque aquilo era apropriação cultural.

Então, quando vieram me buscar, eu fiz um post lacrador no Facebook.

Duas palavrinhas para o Serge

O Serge postou um comentário sobre o lamentável histórico deste blog, e em vez de comentar o comentário achei que ele merecia uma resposta mais elaborada. Obviamente, como qualquer post neste blog de um preguiçoso, isso fez com que ela demorasse muito mais para ser escrita do que devia. São os percalços da vida.

O comentário do Serge me lembrou de outros tempos, um período que era o auge não apenas deste blog, mas de toda a blogoseira. Os diarinhos, mais ou menos nos moldes de boa parte do Facebook de hoje, estavam dando lugar a abordagens mais complexas. Aos blogs do Hermenauta, do Alex, do Marcus, do Doni, do Idelber, do Milton, do Bia, do Ina, condomínios como o Verbeat, o Interney e O Pensador Solitário — um bocado de gente que tinha o que dizer e tentava fazê-lo de forma razoavelmente elaborada. Acho que ali se criou ao menos o embrião de uma comunidade heterogênea e eventualmente conflituosa, mas empolgante. Li muita gente boa ao longo daqueles anos; gente criativa, talentosa, engraçada e séria. Fiz alguns amigos para sempre. Mas, principalmente, ri muito.

Com o tempo, a maioria de nós cansou de escrever potoca e foi arranjar coisa melhor para fazer na vida. Virtualmente todos os blogs que compartilhavam o mesmo ecossistema deste desapareceram. A profissionalização da plataforma também fez com que a maior parte dos blogs se tornasse cada vez mais redundante. O fato é que há um bocado de gente falando de coisas com mais propriedade do que eu — menos Beatles, claro, mas tem gente boa o suficiente para me fazer pensar duas vezes antes de escrever qualquer coisa sobre o assunto (o melhor blog do mundo sobre os Fab Four, a propósito, é este aqui: A Moral to This Song). Mas acho que esses tempos passaram, mesmo, porque as tecnologias mudaram. Twitter e Facebook suplantaram os blogs.

Isso não é uma confissão de ludismo; porque reclamar disso é como o dono de cinema que reclama da Netflix, e porque embora use hoje muito pouco, já houve um tempo em que eu estava quase viciado naquela miséria. Mas não dá para negar que o Facebook tornou os blogs obsoletos. Blogs como este aqui — essencialmente ensaísticos, sem escopo definido, basicamente conversa jogada fora, uma espécie de bar virtual — foram perdendo o sentido, até porque Facebook e Twitter são muito mais eficientes nesse aspecto.

É por isso que a maior parte daquelas pessoas que escreviam blogs pode ser encontrada hoje no Facebook; mas num fenômeno curioso, poucas, pouquíssimas escrevendo algo remotamente bom quanto seus blogs d’antanho.

Acho que funciona assim: o sujeito pensa em algo sobre o que gostaria de escrever. Nos tempos do blog ele escreveria um texto mais longo e mais pensado. Hoje ele simplesmente joga imediatamente no Facebook ou no Twitter uma ideia concisa, excessivamente simplificada do que gostaria de dizer. E daí não há mais motivo para escrever.

A impressão que tenho é que o que se escreve no Facebook são essencialmente comentários que buscam o simplismo, links para alguma coisa, autopromoção descarada, essas coisas. Parece haver uma busca pela frase definitiva, o aforismo “lacrador” que vai ser compartilhado mais vezes, o que por si só condiciona qualquer debate a pouco mais que uma batalha de slogans. Posts — hoje chamados “textões”, o que já indica a má vontade com que são vistos — nem são raros, mas sofrem de um mal inevitável: estão soterrados em uma imensidão de outros textões e textinhos. Não têm a dignidade que sua posição de destaque em um blog lhe dava. Mais que isso, o grande problema é que ao mesmo tempo outras 10, 20 pessoas estão escrevendo essencialmente a mesma coisa, com maior ou menor grau de raiva.

Eu não tenho muitas dúvidas de que o Facebook é um dos responsáveis pelo estado psicológico atual do mundo, pelo aumento da ansiedade, da irritação, da intolerância: para o bem ou para o mal, uma certa hierarquia de vozes se perdeu, e o resultado, ao menos por enquanto, é um mal-estar generalizado, um recrudescimento de confrontos que eram apenas latentes ou estavam disfarçados.

Mas o pior, mesmo, é que ele acabou com os blogs.

Este blog mesmo “acabou” em 2010, e não pode culpar as redes sociais; tinha virado uma obrigação que passava a me incomodar, porque já não fazia tanto sentido. O fato de saber que há leitores exerce uma influência que pode ser positiva ou deletéria, porque por mais que a gente negue isso lhe obriga a escrever, de certa forma, e é positiva quando você está com vontade e deletéria quando o saco está cheio. Além disso, depois de quase dois mil posts é meio difícil achar algo que lhe interesse e que você não tenha escrito. Os comentários razoavelmente despretensiosos sobre quaisquer bobagens que eu fazia aqui no começo começaram a parecer insuficientes, à medida que gente que se levava mais a sério, com mais gana, começou a escrever o que eu teria escrito.

Finalmente, a “facebookização” do debate, o crescimento do processo de “guetização” impulsionado pela ascensão desses movimentos identitários de todos os tipos, quase invariavelmente infantilizados, ajuda. Dia desses teve uma passeata da mulher negra. Uma moça disse que, se você não fosse negra, que ficasse em casa. Tem discussão possível nesse caso? Eu não tenho tempo nem estômago para esse tipo de debate. Na verdade, não tenho mais para quase nenhum, nem os bons. Os tempos em que eu me divertia com as pseudo-feministas passaram.

Mas a verdade é que, depois de tantos anos, ele tinha passado a ser parte da minha vida; por isso voltei, mas sem a obrigação que eu mesmo me impunha. E ele vai ficar por aqui para sempre, acho (ou pelo menos até eu morrer, se é que vou morrer um dia, e deixar de reservar o domínio); às vezes com um texto, às vezes não. Não acho que precise de mais que isso. Ele já está vivendo em um tempo emprestado, mas que bom; a este blog, que me deu alegrias, raivas e amigos, basta apenas continuar existindo. Não porque é ou deixa de ser lido: mas porque é parte indissociável de minha história.