Bunda

Sabe aquelas bundas que passam na sua frente e deixam você pensando “que bunda, meu Deus?”

Era daquelas. Passou na minha frente há poucos instantes, e depois de dizer “que bunda, meu Deus”, parei para pensar na razão pela qual um belo depósito de gordura, aparentemente concebido com o fim prosaico e pragmático de acumular energia para dias difíceis, cresceu tanto no coração das gentes, cresceu tanto no meu coração, e hoje chama tanto a atenção, a minha atenção ao menos, e faz com que sua boca se encha d’água involuntariamente, e lhe faz tecer comentários que não podem e não devem ser publicados.

É claro que sacanagem e raciocínio não combinam — talvez sejam até mutuamente excludentes. Cá entre nós, parar para pensar nas razões pelas quais a visão de uma bunda deflagra reações fisiológicas em determinadas pessoas é perda de tempo, é consolo de pobre coitado que não tem a bunda ao seu dispor. E eu sequer sou esse fã absoluto de bunda; lembro de tantas namoradas sem bunda, tadinhas delas. Bunda não define caráter.

Mas bunda é algo belo, é algo que transcende. Talvez não aquelas bundas criadas à base de anabolizante de cavalo, ou arredondadas artificialmente em anos de academia — tá, eu estou exagerando, na falta de coisa melhor vão essas mesmo, que é melhor bunda esforçada que bunda nenhuma; mas a bunda bonitinha é aquela bunda natural, mesmo quando xoxinha, mesmo quando tímida. Não, ela pode ser o que quiser, só não pode ser bicho do mato e se esconder da visão de todos, ela precisa ao menos existir.

E quando ela quer mais que existir, quando quer ficar bela para o seu amado, então ela se veeste de celulite, um pouquinho que seja. E que delícia é ver as moças reclamando de suas celulites, e tentando se livrar delas, quando a celulite é quase pré-requisito para a beleza de uma bunda; bunda sem celulite é bunda de travesti, e essas não me interessam, por belas que sejam.

Bunda, rebolado e celulite; nem mesmo o diabo conseguiu inventar trio melhor, e olha que o canhoto inventa coisa de que até Deus duvida. Mas isso não interessa agora — o diabo invente o que quiser, que a visão da bunda passando em rebolado discreto na minha frente ainda não saiu da minha retina, eu a vejo nitidamente quando fecho os olhos, acompanho o ritmo discreto do seu cai pra lá, cai pra cá. Não quero saber de Deus nem do diabo. Eu agora não quero filosofia nenhuma: quero só continuar sentindo a felicidade estética de ver uma bela bunda passar diante de mim, e que bunda, meu Deus.