Lembrança de infância

A SENHORA BELLINGHAM (sacode o regalo e o lorgnon vindicativamente): Faça-o pungir, querida Hannah. Azorrague o bastardo até um triz da morte. O gato de sete vidas. Cape-o. Vivisseque-o.

Eu tinha 10 anos quando li isso. É um trecho de “Ulysses”, de Joyce.

Não que eu tenha lido “Ulysses” com essa idade. Fui parar aí apenas folheando o livro, que a propósito tem passagens bem mais fortes. Mas essa frase, a força do “cape-o”, a vontade quase sádica de vingança, me impressionaram de uma maneira que, mesmo após anos sem sequer tocar no livro, não esqueço da senhora Bellingham. Acho que foi o primeiro trecho de livro que decorei em toda a minha vida. E eu nem sabia o que era um gato de sete vidas; pensava que a sra. Bellingham estava se referindo ao pobre Bloom como um sujeito de sorte que se saía de enrascadas, e não a um chicote.

Até hoje a sra. Bellingham povoa meus pesadelos, pois no fundo me convenci de que, se eu fizer coisas feias como as que Leopold Bloom fez, posso ser levado à sua frente, e ela vai pedir que o gato de sete vidas acaricie minhas costas.

Falando de sacanagem

Os melhores sites sobre sexo — não de sacanagem, sobre sexo — são americanos, em sua grande maioria.

Isso se explica pela sua história puritana, que fez do país um lugar onde falar de sexo é feio, e a moral sexual dominante é extremamente repressora. Don’t get aroused.

Mas puritanismo normalmente é hipocrisia. E o resultado é a histeria sexual em que o mundo vive, quando sexo passou a se tornar mais importante que respirar ou comer. Era por isso que, há uns dez anos, eu costumava ler a Playboy americana. Ao contrário da brasileira, que se pretendia um “guia do bon vivant“, a americana tem uma agenda política e uma postura combativa de choque com o puritanismo sexual. Obviamente cansei depois de algum tempo, à medida que discussões sobre sexo foram se tornando menos chatas apenas que discussões sobre a existência ou não de Deus.

O blog Amorous Propensities é um reflexo dessa sociedade em conflito, e tem posturas “libertárias” como as da velha e boa Playboy. É um dos mais interessantes que já vi, e olha que o que não falta nesta rede é nego soltando suas taras.

O dia em que conheci John Updike

Para muita gente lá na Busholândia, John Updike é um dos grandes escritores do século passado. Em resenha no New York Times a seu último livro, uma tal de Cynthia Ozick o compara a Faulkner e a Fitzgerald. Cynthia devia parar de fumar essas coisas, porque faz mal e quem fuma fala besteiras como essas. Considero Updike um excelente resenhista, um dos melhores que já vi, mas seus romances são extremamente chatos. Seus contos também. Parece ser a “Síndrome de Gore Vidal”.

E quando conheci Updike, preferi compará-lo a um escroto qualquer.

Eu conheci John Updike em Veneza. Quer dizer, conhecer não é bem o termo. Eu tinha perdido o avião em Roma e ao chegar no brejo em Veneza não havia ninguém me esperando.

Vida de paraíba nas Oropa é fogo. Se ao sair do aeroporto eu tivesse olhado para a esquerda, veria lanchas que me deixariam na porta dos fundos do hotel em que ficaria. Mas olhei para a direita, e peguei um táxi que me deixou em um ponto de vaporetto, o ônibus deles.

Tive ainda que fazer uma baldeação. E lá estava Updike, sentado com uma amiga (feia, mas menos feia que ele) nas duas únicas cadeiras do lugar. Eu carregava uma tonelada de malas e minhas mãos ardiam. Minha ex-mulher estava grávida — mas alguém acha que Updike se levantou e ofereceu o lugar a uma pobre cucaracha em um momento de extrema necessidade?

Essa idéia nem passou pela sua cabeça. E a gente continuou em pé.

O sujeito estava alegre, feliz, com um ar de “eu – estou – no – meu – ambiente – mas – você – paraíba – não – e – além – disso – eu – estou – sentado – e – você – não”.

Algumas horas depois, já no hotel, lembrei que aquele filho da mãe mal-educado tinha psoríase. E aí, por alguns breves momentos, eu me senti em casa em Veneza, porque por alguns momentos fiquei alegre, feliz, com um ar de: “você – tem – psoríase – mas – eu – não – e – além – disso – eu – sou – bonitinho – e – você – não”.

Troféu Berzoini de Crueldade

O PFL lançou o “Troféu Berzoini de Crueldade”.

É destinado às frases mais infelizes ditas pelo governo Lula. A tentativa de “eldericídio” do Berzoini é hors concours; no páreo estão “O alarme é maior que o drama”, do Jaques Wagner analisando o desemprego, “Temos que criar emprego lá (Nordeste), porque se eles continuarem vindo para cá (São Paulo), vamos ter de continuar andando de carro blindado”, do Graziano, e outros menos cotados.

Você pode votar aqui. Os vencedores terão seus nomes inscritos no Livro do Tombo.

Tem algo de esquisito no mundo quando justamente o PFL, mastodonte fisiológico, é o autor de uma das mais bem-humoradas críticas ao governo que já se viu por estas plagas. Eu ainda estou tentando entender. Negociatas e acordões parecem mais a cara do PFL, não iniciativas sutis, embora cáusticas, como esta.

O que aconteceu com o meu velho mundo estável e previsível, onde polícia era polícia e bandido era bandido?

Vaga-lumes

Quem cresceu nos anos 80 se lembra de uma coleção de paradidáticos — nomezinho feio esse — chamada coleção Vaga-Lume.

A coleção Vaga-Lume nasceu nos anos 70. Mas foi nos anos 80 que se tornou presença obrigatória nas escolas. Até hoje é utilizada, e o número de títulos cresce constantemente, numa proporção bem razoável; progressivamente as escolas abandonaram clássicos como Machado para se dedicar a esses livros, por tudo inferiores, mas (assim julgavam eles) mais adequados à realidade dos alunos.

Eu discordo; pelo que vejo por aí, não acho que esses livros tenham formado legiões de leitores. A proporção continua a mesma, no fim das contas, com a diferença que os não-leitores antigos, de antes desses “paradidáticos”, pelo menos saíam da escola sabendo o que era o básico da boa literatura nacional. Se é para não ler, que seja o melhor, e não o que, com boa vontade, se pode chamar de descartável.

Houve algum momento na história da educação nacional em que um grupo de gênios decidiu que tinham que facilitar as coisas para os alunos. Não acredito nisso. A melhor prova disso é que, há algum tempo, peguei um desses livrinhos de uma irmã. À medida que ia lendo o livro, tinha a sensação de que o conhecia de algum lugar. Só perto de terminar é que lembrei que tinha lido aquele livro na oitava série. Esqueci completamente. Mas não esqueci meu Brás Cubas, defunto autor.

Esse não é um caso isolado. Por exemplo, aprendi na escola que antes de P e B vem sempre um M; mas não aprendi a razão. (A quem interessar possa: P e B são bilabiais; a função do M é preparar a boca para esses dois fonemas.) Assim como eu, milhões de garotos saem da escola até sabendo algumas coisas, mas geralmente com um entendimento muito superficial das coisas.

A impressão que eu tenho é a de que os educadores esqueceram de uma coisa simples: é melhor ser analfabeto em Eça de Queiroz que analfabeto em sei-lá-qual-o-seu-nome.

Ode contra a SUIPA

Há muitos anos levei uma amiga ao pronto-socorro, costurar um baita corte na mão. Fiquei ao seu lado enquanto o médico remendava o talho. Olhava entre fascinado e enojado para as bolinhas de gordura que saíam corte afora.

O médico olhou para mim e disse: “Se quiser, pode olhar para o outro lado”. Achei engraçado e respondi: “Doutor, não é a minha mão que o senhor está costurando. Em mim não dói nada.”

Esse prólogo é para falar que acho os exageros em defesa dos direitos dos animais uma grande bobagem.

O que me impede de chutar um gato não é a dor dele; é o meu senso ético. Não acho certo chutar um animal que não me fez nada. O resultado pode ser o mesmo — o gato feliz e incólume — mas as razões são completamente diferentes. É por mim, não é por ele. Em mim o chute não dói.

Resumindo, minha visão do mundo é eminentemente antropocêntrica.

É por isso que acho engraçado que protestem contra o uso de animais como cobaias. Por exemplo, coelhinhos em testes de xampu. Cruel como possa parecer, tais testes são bem aceitáveis, desde que resultem em xampus que tornem determinadas cabeleiras sedosas e macias, onde eu possa afundar o rosto. Se os coelhinhos não são necessários para isso, ótimo. Vivam em paz e comam alfacinhas e cenourinhas. Mas se são, azar o deles. Eles se reproduzem rápido, de qualquer maneira; não vão entrar em extinção e desequilibrar o ecossistema.

Voltando à minha amiga: até hoje ela diz que a culpa do corte — decorrente de uma queda sobre uma garrafa — foi minha. Minhas lembranças são diferentes. Mas ainda que fosse, ele continuaria sem doer em mim.

Estatísticas

Segundo uma pesquisa da Perseus Development Corp., um blog tem uma média de 12 leitores.

Como se pode ver pelos comentários neste, alguns têm bem menos que isso.

A pesquisa diz mais. Mostra que a comunidade de webloggers é insular e auto-referente, quando apenas 9,9% coloca links para outra coisa que não outros blogs. Dois terços não são atualizados há 2 meses. Mulheres são mais fiéis aos seus blogs, mas também iniciam mais desses bichos. 92,4% dos blogs são de pessoas com menos de 30 anos, e 51,5% são de adolescentes.

Resumindo:

Blogging is many things, yet the typical blog is written by a teenage girl who uses it twice a month to update her friends and classmates on happenings in her life. It will be written very informally (often in “unicase”: long stretches of lowercase with ALL CAPS used for emphasis) with slang spellings, yet will not be as informal as instant messaging conversations (which are riddled with typos and abbreviations). Underneath the iceberg, blogging is a social phenomenon: persistent messaging for young adults.

O irmão do diabo não é tão mau

Mas para não dizer que todos os Bush são imprestáveis, eis que aparece o irmão do presidente, Neil Bush, para resgatar o bom nome da família.

Neil é conhecido por usar o nome dos Bush para descolar um trocado. Se mete em escândalos financeiros desde 1988. Entrou há pouco num negócio com o filho de Jiang Zemin, ex-presidente da China, que vai lhe render dois milhões de dólares. Tem complicações referentes à paternidade de uma criança. E admitiu que nas suas viagens à Ásia tem feito boas farras com as moças de vida fácil.

Seu depoimento é brilhante:

Ele admitiu no depoimento que fez sexo com várias outras mulheres em viagens anteriores para a Tailândia e Hong Kong, há pelo menos 5 anos.

As mulheres, disse ele, simplesmente batiam na porta do seu quarto de hotel, entravam e faziam sexo com ele.

Ele disse não saber se elas eram prostitutas porque nunca pediram dinheiro, e ele não pagou a elas.

“Sr. Bush, o senhor tem que admitir que é extremamente notável que um homem abra a porta de seu quarto de hotel e tenha uma mulher ali, em pé, e faça sexo com ela”, disse Brown.

“É, foi bastante incomum”, disse Bush.

A notícia completa está aqui.

Neil Bush para presidente. Pelo menos o mundo vai poder rir enquanto é triturado.