A esquecida arte do silêncio

Tem umas coisas que a gente só aprende com o desenrolar da vida, com a sabedoria e a experiência que apenas o esforço por viver pode ensinar. Uns, mais afortunados, descobrem o segredo da felicidade, o sentido da vida, vão fundo da filosofia e na compreensão dos mistérios do universo. A maioria de nós apenas aprende os rudimentos da arte de sobreviver, e mais que isso talvez não seja necessário.

Restam aqueles para os quais a vida é injusta e malvada, aqueles que sequer aprendem que de vez em quando a gente deve engolir uns sapos calado, feliz, fingindo um sorriso tranquilo e despreocupado.

Não interessa que por dentro você esteja se dilacerando em ódio, que da sua boca saia a mítica espuma branca da sede de vingança: em nome da sua própria dignidade é melhor aguentar o desaforo quieto, porque uma palavra a mais e ao desaforo se somará o deboche e o escárnio.

É um axioma importante, esse: tem horas que é melhor ficar calado, não importa o tamanho de sua mágoa.

O Isaac, por exemplo, devia ter ficado quieto.

Ele veio a este blog e deixou um comentário malcriado e ofensivo. Não era necessário. Opinião nenhuma lhe foi pedida, sua visita passaria despercebida, este post não seria escrito — e para isso bastaria que ele continuasse calado, encarasse o desaforo como o que ele realmente era: algo que não lhe era dirigido e que não precisava de suas manifestações de revolta.

Mas ele ainda não aprendeu a ficar calado, é um menino de sangue quente. Ao terminar de ler esse post, sua raiva era tão grande que ele não se controlou e mandou para cá um comentário malcriado que, obviamente, foi bloqueado:

Que desgraça!! seu gordo filho da puta! naum acredito que perdi meu tempo lendo isso, va se fuder!!! E só pra sua informação eu tnho 17 anos e tenho um pênis de 21 cm +/- ereto e o segredo e comer as putinhas do meu colégio

Deve doer, sim, digitar uma pergunta esperando uma resposta esclarecedora e receber em troca uma brincadeira bem-humorada; eu consigo imaginar o desgosto de uma pessoa na condição do Isaac vendo o canalha do Google trazendo-o para cá. É por isso que entendo a sua raiva. O que não entendo é o vacilo do menino em se expor dessa forma.

A informação que ele me oferece, obviamente, não me interessa. Não estou preocupado com os segredos do Isaac. Na verdade, agora que parei para pensar nisso, tenho algumas dúvidas de que alguém esteja. Mas quando a gente fala mais do que deve acaba se expondo em excesso, e é por isso que escrevo este post: eu gostaria de ensinar algumas coisas ao menino Isaac.

Diante do comentário que ele deixou é difícil resistir à tentação de fazer uma pequena análise. Por exemplo: se o Isaac tivesse mesmo a centimetragem que alega ter, provavelmente leria o texto e acharia graça. A gente acha graça do que não dói na gente. Então é fácil olhar para os 21 centímetros alegados pelo garoto e imaginar: não, não, isso é erro de digitação, são na verdade 12. E aí a gente pensa um pouco: se ele escreveu 12 é porque não verdade são 7, ele usou aqui de uma certa licença poética absolutamente compreensível, em caso tão grave como esse.

Se o Isacc ficasse calado a gente não descobria esse seu segredo terrível. Um pouquinho de implicância ortográfica e a gente pode achar que o pênis do Isaac fica mais ou menos ereto, e concluir que além de pequenininho ele é meio broxa, e olha, ser broxa é pior que ser maldotado.

A lista de tragédias que parecem acometer o Isaac não termina aí, no entanto. Quando um bobinho de 17 anos chama suas coleguinhas de colégio de “putinhas”, adjetivo que soa bem apenas em momentos e locais extremamente específicos, o mais provável é que essas meninas mal saibam que ele existe. Devem ser meninas maravilhosas, essas que ele chama por nome tão feio. Certamente mais maduras, e algumas delas já sabem o que podem esperar de um namorado — certamente bem mais que a mixaria que o menino lhes oferece. A única coisa que se deduz de uma frase como essa é: o Isaac não come ninguém, mas mente que é uma beleza.

Com umas poucas linhas a gente descobriu que o Isaac tem o pinto pequeno, é meio broxa, não come ninguém e é mentiroso. A análise do comentário deixado por ele neste blog de boa família e melhores intenções dá margem a apenas uma conclusão: infelizmente, sua raiva diante do post é muito maior que seu pinto.

Essa é uma lição inestimável, Isaac, e aos 17 anos você ainda tem tempo de aprendê-la: na vida, a gente deve aprender a manter a boca fechada.

A ilha do tesouro

Um comentário de um sujeito que se diz chamar Zé a este post me deixou com uma pulga atrás da orelha. O comentário:

A primeira tv na minha casa chegou em 1974. Eu não tinha muito acesso a séries de TV, por então lia. Li de tudo: Júlio Verne, Mark Twain, Joseph Conrad, Robert Louis Stevenson, Alexandre Dumas, etc… O que vocês falam quanto a reação dos filhos em relação aos seriados e filmes, eu enfrento com os meus em relação aos livros. Há algum tempo encontrei a Ilha do Tesouro e entreguei para que eles lessem, lembrando de como devorei o livro. Nem ligaram. Se não tem super-poderes, magia ou algum outro “efeito especial”, a gurizada nem toma conhecimento

Tendo a concordar com o Zé. Quando era criança, li boa parte daqueles livros para crianças que se tornaram clássicos: Stevenson, Verne, Dumas, Salgari. Mas eu fui criança nos anos 70, quando a TV, em Salvador com seus dois canais apenas, ainda não era tão onipresente quanto agora. Por causa dos livros e por causa da TV, meus referenciais estavam no oeste americano, na África ou no Mar das Caraíbas, mesmo na Europa medieval. Eu e a minha geração crescemos em um momento curioso, em que o século XIX e XVIII ainda eram extremamente presentes no imaginário das pessoas mas já se esgotavam como referenciais para os que viram depois. A produção cinematográfica que chegava à TV tinha 20, 40 anos de idade; a II Guerra Mundial ainda era tema importante no cinema e na teledramaturgia. Cresci vendo seriados como Zorro, lendo livros de piratas ou assistindo a Tarzan. Provavelmente, a minha foi a última geração que não se incomodava quando um filme era em preto e branco.

Essa análise saudosista, no entanto, não é totalmente correta. Porque nos anos 70 havia também uma infinidade de seriados, filmes, revistas que dialogavam com o futuro em vez do passado: Space Ghost, “Os Invasores”, “Perdidos no Espaço”, “Terra de Gigantes” — a lista é grande demais para continuar. A conquista do espaço era algo recente para nós. Ainda estávamos em plena Guerra Fria e o espaço era um dos elementos da propaganda americana, a única a que tínhamos acesso em um país sob ditadura. Esses elementos que agora parecem onipresentes já estavam lá (e gente como o ex-blogueiro Hermenauta certamente era mais afetada por eles do que eu, por exemplo).

O verdadeiro problema no argumento do Zé e de todos nós que o repetimos é que ele esquece um fator básico: o de que os tempos mudam.

Não é difícil imaginar uma criança londrina dos anos 1910 lendo uma história de Kipling e imaginando tudo aquilo como algo inatingível, matéria pura de sonho — em St. Albans devia ser difícil encontrar um Shere Khan, certamente. O mais próximo disso deviam ser os circos que eventualmente passavam por ali. É por isso que “A Ilha do Tesouro”, com seus piratas, com seus papagaios tarameleando “peças de oito!”, era algo tão distante de uma criança no século XIX quanto Júpiter de uma criança do século XXI.

Essencialmente, o que atraía crianças no livro de Stevenson era o mesmo que as atrai hoje em, digamos, Harry Potter ou em Watchmen: o novo, o distante, o diferente, o improvável. As crianças não mudaram nessas poucas décadas — para falar a verdade a humanidade não mudou em dois mil anos; o que mudou foi o universo de informações a que elas estão expostas.

O século XX encolheu o mundo de uma maneira que não teve precedentes e que provavelmente nunca mais será repetida novamente — e muita gente afirma que estamos vivendo agora o momento final de um processo de convergência global que teve início há uns dois mil anos. No final do século XIX Edgar Rice Burroughs podia contar uma fábula meio kiplingiana sobre um menino criado por macacos, e isso era novo, diferente. Era algo totalmente estranho ao ambiente em que seus leitores viviam — boa parte dos quais jamais viu um gorila em toda a sua vida. Eles podiam imaginar uma África misteriosa repleta de aventuras, um lugar onírico com perigos e prazeres inimagináveis e obviamente sem mosquitos; hoje, o mais provável é que ao pensar nela imaginem um lugar onde genocídios acontecem a três por quatro, e de onde, de vez em quando, sai um vírus mortal.

Mas para crianças e adolescentes, a essência das coisas não mudou. Os arquétipos são os mesmos: ideais de heroísmo e coragem, de romance e amizade em ambientes inalcançáveis para o comum dos mortais. A diferença é que esses ideais hoje são realizados em outros cenários, utilizando outras ferramentas. É um processo acelerado, e talvez definido, pelo fato de que o cinema e seu derivado, a TV, se transformaram no principal meio de criação de dramaturgia. Mais que isso, conseguem transformar em imagens cada vez mais verossímeis aquilo que conseguíamos apenas imaginar, e geralmente de forma imperfeita. Depois de um século em que parece que não restaram muitos desafios para vencer, nos quais ser o primeiro é cada vez mais difícil, a realidade parece ter menos apelo. Até porque a imaginação pode parecer ser mais real do que a realidade, e o cinema e o CGI são um indício disso. Se antigamente podíamos assistir a um filme de Tarzan e não ligar para as imperfeições técnicas ou para as incongruências geográficas — Em “Tarzan e a Fonte Mágica”, por exemplo, Chita bebe água de uma fonte da juventude e de chimpanzé se torna um macaquinho sul-americano, com rabo e tudo —, a exposição constante a 100 anos de produção audiovisual nos tornou mais exigentes do ponto de vista formal.

Ao longo do século passado o cinema explorou ao máximo a herança dos milhares de anos anteriores. Não é à toa que existe um filme impagável chamado “Robin Hood e os Piratas”, em que se misturam duas tradições veneráveis, mas historicamente incompatíveis, desses tempos idos. Um século de excesso de exposição à informação fez a sua parte no esgotamento desse manancial de possibilidades dramáticas.

A África Negra e os Mares do Sul se tornaram acessíveis através do cinema; mesmo quando recriados em estúdio — e eu recomendaria a qualquer um assistir aos filmes de Tarzan com Johnny Weissmüller e Lex Barker — eram algo totalmente diferente do que se tinha à sua volta. E embora qualquer psicanalista possa adiantar que uma coisa é a expectativa que você tem diante de uma nova experiência e outra, totalmente diferente, é a realidade dessa experiência, para as pessoas boquiabertas num cinema isso importa pouco ou nada. Por isso, por essa banalização de experiências não vividas, a maior parte das pessoas hoje não vêm nenhum apelo em contos que há 100 anos faziam a imaginação de crianças e adolescentes. Ficamos mais exigentes, não nos contentamos mais com o chitão de temas seculares. Nossa imaginação precisa de mais para ser estimulada; precisa cada vez mais da pirotecnia que apenas o CGI pode oferecer, precisa do impossível.

Ou melhor: o que era impossível antigamente deixou de parecer impossível. O mais engraçado em tudo isso é que embora esses referenciais tenham se esgotado no imaginário das pessoas, isso não quer dizer que ficaram mais acessíveis. As pessoas continuam distantes dos Mares do Sul de Stevenson, e a jângal kiplingiana é tão inacessível para um garoto de Cabrobó — e para praticamente todo mundo — como um planeta em Andrômeda. O que mudou foi o espaço que eles ocupam nas mentes das pessoas. É como se passássemos direto da quinta para a sétima série, sem ter aprendido o que precisávamos da sexta. Ou seja: eu posso não ter vivido uma aventura com Balu e Baguera, mas sinto que tudo isso me é familiar, até comum. Resta o que agora parece verdadeiramente impossível: a magia, as viagens no tempo, a troca de dimensões, as explosões monumentais e a destruição cotidiana do mundo.

Mas que isso não pareça uma apologia desses tempos modernos. Porque não é. Eu consigo pensar em um roteiro de filme melhor, por exemplo, que “Piratas do Caribe”.

Início do século XVIII. O filme teria como personagem Anne Cormac, irlandesa que emigra para a Carolina do Sul. Conhece um pirata americano, James Bonny, e foge com ele. Bonny vira dedo-duro de piratas para o governador de Nassau, e uma Anne desiludida passa seus dias bebendo e se divertindo nas tavernas com outros piratas. Conhece outro pirata, John Rackham, e então temos nossas cenas ardentes de amor. O marido, revoltado com os chifres, denuncia-os e o governador os prende. Anne Bonny e John Rackham fogem, roubam uma corveta, juntam uma tripulação e se lançam ao maravilhoso mundo do saque e da pilhagem. Em pouco tempo Rackham e Anne Bonny se tornam conhecidos no mundo inteiro como piratas perigosos.

Enquanto isso, outra personagem é introduzida, a principal: Mary Read. Em alguns minutos ficamos sabendo que ela é uma inglesa criada como menino pela mãe. No momento em que ela nos é apresentada mudou o nome para Mark Read, e está lutando ao lado dos ingleses na guerra contra a França. Se apaixona por um soldado e se torna Mary novamente. Ele morre pouco depois e ela volta a ser Mark. A caminho do Caribe, seu barco é atacado pelos piratas liderados por John Rackham e Anne Bonny. Mas Read se empolga e se torna pirata também. Anne Bonny se apaixona por Mark Read, sem saber que ele é ela. Dentro de um triângulo indesejável, ela acaba tendo que revelar seu segredo aos dois piratas. Para complicar as coisas e adicionar mais tempero ao nosso filme, ela se apaixona por outro marujo. Esse marujo, ainda jovem, é desafiado a um duelo por outro pirata depois de uma briga. Sabendo que o marujo vai para a morte certa, Mary Read desafia o pirata para outro duelo antes. Na hora fatídica, Mary mostra os peitos para o pirata, que se assusta e vacila: acaba morto — e o outro marujo não precisa mais duelar com ele. Com o segredo revelado diante de todos, Mary Read e Anne Bonny se tornam as mulheres mais famosas da história da pirataria.

Daria um bom filme? Provavelmente. O mais interessante é que tudo isso é verdade. Rackham, Bonny e Read são piratas famosos — não tanto quanto Henry Morgan ou Barba Negra, ou ainda o Duguay-Trouin que invadiu o Rio de Janeiro, mas ainda assim famosos. Era dessa realidade que a dramaturgia infanto-juvenil bebia — uma realidade muitas vezes mais rica que a ficção. E a riqueza de histórias que se encontram nesses livros ultrapassados — eu posso citar alguns que tiraram elementos dessa história, como “Capitão Tormenta” e “Os Três Mosqueteiros” — ainda não conseguiu ser superada pelos novos queridinhos da criançada.

Se bem que no fundo isso seja apenas uma confissão de velhice. E ninguém precisa disso, porque já estamos velhos o bastante, e o tempo passou e, o que é pior, a gente viu.

<a href=”http://ohermenauta.wordpress.com/” title=”Ele se foi, tadinho…” target=”_blank”>Hermenauta</a>

Deixai vir a mim as criancinhas

L’Osservatore Romano, o jornal do Vaticano, elegeu os 10 melhores discos de todos os tempos.

Os vencedores foram os Beatles, com o álbum Revolver. Na lista estão ainda o Dark Side of the Moon, também uns discos menos importantes — até o Oasis marca presença. Mas não é isso que impressiona.

O sexto colocado é o Thriller, de Michael Jackson.

Não deixa de ser comovente ver os padres homenageando o seu igual, e mantendo viva a chama do amor excessivo aos infantes.

As alegrias que o MSN me dá

Mônica says:
acabo de receber um e-mail que fala que o que a mulher não deve fazer em casa , para que o homem se sinta poderoso.
rapaz, se eu for seguir isso sei como vai ser não

Mônica says:
1- Não troque lampada, ele se sente o maximo fazendo isso.
2- Não mate barata, ele tem que ser seu “heroi”
3- Deixe que ele pague o jantar, faz ele se sentir seu dono

Mônica says:
Que vc acha?
(já estou me preparando pra cair na gargalhada, responda todas as observações, please)

Rafael says:
1 – Não troque lâmpada. Viver no escuro ajuda a economizar energia e combate o aquecimento global.
2 – Não mate barata. Respeite a ecologia. A barata é nossa amiga e nossa irmã.
3 – Não desonre um século de conquistas femininas. Faça questão de pagar o seu jantar e mostrar que você não tem dono.

Mônica says:
Minha Nossa Senhora, onde eu fui me meter?

Rafael says:
Alguma coisa boa na vida você fez, minha frô.  🙂