Um adeus a John Updike

E o John Updike morreu.

Os jornais americanos estão repletos de elogios ao finado. “O escritor do sexo e do subúrbio”, diz um deles, e talvez seja essa a imagem que vai ficar do sujeito enquanto se lembrarem dele. Talvez não seja muito tempo.

Para mim Updike não significava muita coisa. Não gostava dele como ficcionista, e não conheço sua poesia. Eu o considerava uma espécie de John Cheever com menos talento, um escritor um tanto limitado com suas historinhas sobre a classe média alta do nordeste dos Estados Unidos. No entanto, os obituários o colocam no nível de um Norman Mailer e de outro cujo nome agora me escapa. Talvez ele fosse realmente tudo isso, e talvez eu esteja errado. Não me importo. Curiosamente, não falam do resenhista, e essa era a única qualidade que eu admirava dele. Sempre achei suas resenhas brilhantes, e sempre achei que esse era o seu maior talento: escrever com graça e elegância sobre as obras dos outros — às vezes com mais graça que o autor original.

Me bati com o sujeito uma vez, em Veneza, coisa de 10 anos atrás. Para mim, na verdade, não interessa se ele era um escritor bom ou ruim, porque é a lembrança desse dia que vai ficar dele em mim. Já escrevi sobre isso neste blog, mas agora escrevo de novo, porque um escritor com tamanho reconhecimento público como John Updike merece um obituário à sua altura.

Eu tinha perdido o avião em Roma. Embarquei algumas horas depois, mas o pessoal que deveria me receber, obviamente, já tinha ido embora. E foi então que cometi a minha grande estupidez.

Ao sair do aeroporto, eu poderia ter olhado em duas direções. Se olhasse para a esquerda, veria atracadas ali perto as lanchas que me levariam diretamente à porta dos fundos do hotel em que eu ficaria. Mas não, olhei para a direita, e vi um ponto de táxi. Claro que não sei por que não me perguntei como um automóvel iria me levar até Veneza. E não aceito que me façam essa pergunta, porque ela me envergonha ainda mais.

Lá fomos nós. Entramos no táxi e depois de um longo caminho pelo que pareceram ser todos os grotões da Itália ele nos deixou em um ponto de vaporetto. Ainda tivemos que fazer uma baldeação em uma estação no Grande Canal, e outro vaporetto nos deixaria diante de um longo beco pelo qual se chegava ao Campo Santa Maria del Giglio, onde fica o hotel onde nos hospedaríamos.

Foi naquela baldeação. Eu estava em pé, carregando uma porção de malas. Aquele brejo infindável, um frio de cortar os ossos — era abril e Veneza é mais fria aí pelos fins de março, talvez por causa das águas —, e eu carregando uma porção de malas. Minhas mãos estavam vermelhas, porque elas nasceram para fazer carinhos e digitar em um teclado de computador ou de máquinas de escrever, no máximo para ser erguido, dedo médio em riste, em direção a alguém de quem eu não goste. Eu não sou do tipo que nasceu para carregar malas. Não é que tal empreitada esteja acima ou abaixo de mim; é que essas coisas simplesmente não deveriam fazer parte do meu mundo. Na verdade, não sou sequer do tipo que deva ser incomodado com o destino delas; malas, para mim, deveriam ser coisas autônomas que se encaminhariam diretamente ao seu destino, bem-adestradas como os yorkshires das madames de Copacabana.

Obviamente nada disso importava naquele momento. Minhas mãos doíam por causa das malas. Ao meu lado, minha então mulher, visivelmente grávida e cansada. Olhamos em volta para ver se havia um lugar em que ela pudesse se sentar enquanto o vaporetto não chegava. Os lugares estavam ocupados. E em um deles, sentado com aquele ar fleumático de quem está muito à vontade em seu lugar, estava o tal John Updike. À vontade como maganão de historinha de Joaquim Manuel de Macedo, alheio ao drama de dois pobres brasileiros e às mais básicas regras da etiqueta. Ao seu lado, também sentada, estava uma mulher. Ela também era feia. Não tão feia quanto ele, porque isso era uma tarefa difícil, mas ainda assim muito feia.

De qualquer forma, mesmo feios eles estavam sentados, enquanto eu em pé carregava uma porção de malas e ao meu lado estava uma mulher grávida.

Há um mínimo de regras de educação que as pessoas devem seguir em público, não importa que em casa arrotem e peidem e comam com as mãos. Uma delas diz respeito ao hábito saudável e gentil de ceder o seu lugar a uma mulher grávida. Porque isso é até mais que etiqueta, é um símbolo de respeito à vida e à preservação da espécie. John Updike não era um homem educado, no entanto. Continuou sentado, rindo com o bacurau ao seu lado.

E nessas horas você começa a nutrir e cultivar um sentimento pouco nobre de indignação e revolta, cuida dele com carinho e zelo como se cuida de um bebê. Mesmo que ele fosse o escritor que eu nunca achei que fosse, ainda assim teria a obrigação moral de ceder seu lugar a uma mulher grávida — e ela sentaria ali, bela ao lado da trupizomba de meia-idade que o acompanhava; e se ele fosse mesmo bom escritor poderia refletir sobre como são as coisas neste mundo: por exemplo, que ele estivera confortavelmente sentado até então, mas estivera sentado ao lado de uma espanta-mosquitos, enquanto o pobre paraíba aqui podia até estar com as mãos esfoladas pelas malas que carregava, mas naquela noite iria dormir ao lado de uma mulher bonita enquanto ele, com aquele jeito de quem estava tão mais à vontade do que eu, ciente de ocupar o seu lugar justo no mundo, teria que se contentar com aquela coisinha do Cão vadiar. Seria uma reflexão importante e luminosa sobre a natureza vã das coisas neste mundo. Mas como eu disse, Updike não era um escritor tão bom assim.

O vaporetto chegou e fomos embora — em pé, novamente; eu só sentaria no meu quarto de hotel. Mas aquele escritor mal-educado não saía de minha mente.

Mais tarde eu teria uma vingança solitária que é um retrato mais que acurado da pequenez de minh’alma, ao lembrar que ele tinha psoríase e eu não, e não importava o quão mais à vontade ele parecesse estar naquela estação do Grande Canal. Um pensamento mesquinho, eu sei bem, mas mesmo tantos anos depois — o tempo passou, Veneza passou, a mulher passou — ainda acho um pensamento menos mofino que a recusa do sujeito em ceder o seu lugar a uma mulher grávida.

Isso foi há mais de dez anos. Agora Updike está morto. Que descanse em paz. E escrevo isso com sinceridade e com profunda paz de espírito. Porque agora tenho mais um motivo para olhar de cima para ele e reconhecer que o destino me compensou aquela pequena provação — ele está morto e eu estou vivo, e não existe consolo melhor que esse neste mundo tão grande de meu Deus.

As alegrias que o Google me dá (XXXVII)

seriam os galvão judeus
o galvão é judeu

Acho improvável que eu tenha alguma ascendência judaica por parte dos Galvão. Os Galvão só me deixaram dívidas e uma fidalguia vagabunda. É uma pena. Eu trocaria o Galvão por um Rothschild feliz da vida, e então não teria nunca mais que acordar cedo nem pechinchar nem ficar babando por algo que eu quero mas não posso comprar.

hemorroida pode levar alguma doenças mais grave eater matar
É, é um problema grave. Mas já viu a convalescença de uma operação de hemorróidas? O sujeito fica ali, deitado de bruços com as pernas abertas, durante um tempão. Isso é que mata. De vergonha.

capa mais feia de john lennon
A capa em que ele, não contente em mostrar a sua bunda, mostra a da mulher. Até hoje não me recuperei do trauma que foi ver a bunda de Yoko Ono na minha frente.

contos do meu avô velhinhos tarado que gosta de masturbar meninas da rua
Seu avô era gente boa, não é? Por isso não dá para culpar você. Com um avô assim, você tinha mesmo que sair desse jeito.

rapaz com a boca no penis do amigo
Porque amigo é para essas coisas.

exercicios para aumentar o penis gratis que menores de 18 anos possam comprar
E aqui eu vejo um grande progresso na enxurrada de moços de pinto pequeno que vêm dar neste blog. Geralmente, eles querem esse milagre de graça. Esse aí admite pagar. Pouco, porque adolescentes têm mesadas baixas. Mas já é um avanço significativo.

contos gay meu mineirinho de 10 anos – nakid
O mineirinho é a vítima perfeita para uma pedófila. Porque come calado.

a peesoa que mandou fazer uma amarraçao de amor consegue o amarrando de volta para ela
Aí já são outros quinhentos. Porque se você já estragou a vida do pobre coitado, não vai querer completar o serviço fazendo com que ele volte para alguém como você. Tenha um pouco de piedade.

sou lesbica e quero arruma uma gata quer morre em brasilia e que tenha açima de 50 anos
A lésbica você arranja. A lésbica que mora em Brasília você arranja. A lésbica gata que mora em Brasília você arranja. Agora, a lésbica gata com seus 60, 70 anos que mora em Brasília está meio difícil.

vc não me entende
Para ser sincero, nem quero.

como descobrir a sexualidade de periquitos australianos
Faça o seguinte: coloque um carro e uma boneca na gaiola. Os que se encaminharem para o carro são machos. Os que se encaminharem para a boneca são mulheres. Provavelmente deve sobrar alguns. Aí você toca I Will Survive. Os que dançarem são gays. Os que ficarem quietos são surdos.

fazer sexo todo dia fas mal para a mulher
E você acreditou mesmo no que o broxa do seu marido lhe falou, né?

onde baixar legendas dos curtas de charles chaplin
Em qualquer lugar. Os curtas de Chaplin são mudos.

jogo foda-se
como jogar foda se

É, fui eu que inventei o jogo. Mas inventei porque era fácil de jogar. O jogo não tem manual de instruções. Não deveria precisar. Mas eu devo aprender a jamais subestimar as necessidades alheias.

qual o nome do cara q morreu ao lado de jesus?
Blian — quer dizer, Brian.

rafael galvao é a favor ou contra a reforma ortográfica?
Ser contra ou a favor vai mudar alguma coisa?

a historia do velhinho e velhinha ele estava atrasado pra visita sua velhinha mesmo ela nao o reconhecendo mais
Que história bonita. Devia vir na bula de todo remédio para Alzheimer. Mas pensando bem, que mais o velhinho podia fazer? É melhor visitar a velhinha gagá do que ficar sentado numa cadeira de balanço esperando a morte chegar.

porque o adolescente sente tanta vontade de fazer sexo
Porque a grama do vizinho é sempre mais verde, e a gente deseja mais aquilo que não tem.

como sair com uma prostituta
Deixando de ser um idiota completo, que ainda precisa fazer essa pergunta.

quando me vi perdida confusa entre o céu e a terra você apareceu
Assim começava a carta de agradecimento de Mariazinha ao seu psiquiatra. Terminava assim: “Agora, graças a você, eu sei que sou um passarinho e o meu lugar é o céu infinito. Obrigada.”

desejo ver um video sobre um assunto relacionado a bunda
Veio ao lugar certo. Procure pelo filme “Como Vencer a Prisão de Ventre”.

dicas comendo o cuzinho da amiga com cachaça
Com cachaça? Com cachaça vai arder.

como cuidar dos seios grandes e caidos
Com um cirurgião plástico.

preconceito conte goianos
Este blog não tem preconceitos contra nada. Nem mesmo contra goianos. Eles não são assim porque querem. Foi Deus quem quis eles fossem assim, tadinhos.

qual a profissao que ganha mais dinheiro na espanha?
Pergunte às goianas de Uruaçu. Uma dica: é a mais antiga do mundo.

simpatia pro homem não fazer sexo com outra mulher
Passe Aids e herpes para ele. E espalhe isso para todo mundo.

musica que tem um homem que vai pedir as coisas mas quando a mulher pede pra ele trabalhar ele recusa evangelica
Gostei desse sujeito. Gostei mesmo. O maior momento do cinema nacional, para mim, é quando Vadinho toma o dinheiro da igreja de Dona Flor. Vadinho é um gênio incompreendido da alma brasileira.

vidio gratis porno alagoana grita
Ih, rapaz, alagoana? Alagoana é mulher braba. Se ela grita, deve ser algo mais ou menos assim: “Me come direito ou eu te enfio a peixeira, cabra mole!”

porque você mereçe ser o papai noel por um dia?
Porque eu faria o que o Papai Noel nunca teve coragem de fazer: ia sacanear aquele bando de crianças chatas e malcriadas que passam o ano infernizando a vida dos outros. Ia dar presentes absolutamente canalhas para eles. Ia dar um bocado de cascudos e um bocado de tapas no pé do ouvido de um monte de guri enjoado. Ia… Ah, me desculpe. Me empolguei demais.

por que a mente das pessoa so esplora mulher quase nua em qualquer lugar
Porque completamente nua só em ambientes fechados, senão é atentado ao pudor.

pultas que vão para festa para ser estrupada
Você tem sérios problemas mentais, amigo. Por favor, me dê seu endereço que eu conheço um bom psiquiatra para cuidar de você. Posso te recomendar também um bom professor de português. Mas esse, certamente, é o menor de seus problemas.

pastora fudedo
E com o carnaval que se aproxima, essas perguntas vão se tornando cada vez mais comuns. Pastorinhas, colombinas, arlequins, tudo pode nessa grande orgia da carne que é o carnaval. Iuhu.

onde encontrar curso de cabelereiro avançado em limeira
Tenta o Bia. Ele fez um curso, uma vez. Ele tinha uns 15 anos, estava meio perdido sobre o que fazer na vida e sobre suas preferências. Aí o Bia conheceu a Valdinete, manicure no mesmo salão onde ele estagiava. A Valdinete fez do Bia um homem. E aí, em vez de seguir a carreira de coiffeur, ele foi para o Tiro de Guerra.

cortaram o meu velox sem me avisar
Provavelmente porque você também deixou de pagar sem avisar.

se eu mandar um e-mail romantico para uma mulher casada é crime?
Não, não é. Mas tente dizer isso ao marido dela.

pode tomar 2 plazil de uma vez só?
O que você acha que eu tomo antes de encarar estas Alegrias?

qual é o significado desse famoso ditado melhor prevenir do que remediar
Significa que se sua mãe tivesse tomado as precauções necessárias, nào tinha dado à luz um burrinho como você. Agora ela fica aí, coitada, pagando escola cara para ver se você toma jeito. Até internet ela botou em casa. Não aidantou.

gay black dando o cu para outros negros
Black power ao extremo. Esse daí dá a bunda com o punho cerrado para cima, o gesto dos Panteras Negras, e gritando “Ai, meu Farrakhan, me chama de seu Malcolm X!”.

a praxis liberal no brasil sistema autoritarista
Então é isso que nossas unviersidades estão formando, não é? Gente que é exposta a conceitos como práxis (argh) liberal enquanto não aprendeu sequer a escrever decentemente o português.

video seduz a coroa e leva-a para casa fodendo
Esses vídeos de hoje são uns danadinhos. Na minha época os vídeos eram mais recatados, mais comportados. Menino, que coisa.

sites de sexo gratis com coroas sessentonas
Nossa, tem mesmo quem pague por isso?

texto – se o trafico negreiro não existisse?
A gente continuava escravizando os índios. Porque o importante é sacanear alguém.

simpatia pra acaba com a sarna no corpo de uma pessoa
Higiene e uma visita ao posto de saúde mais próximo de sua casa.

quais sao as mote mais feia que ja a conte sel no brazil
Meu orgulho é que eu não precisei de Champolion para decifrar isso aí. E a morte mais feia que já aconteceu no Brasil foi a do seu pai, filho desnaturado, desgostoso por ter um filho assim.

palavras de consolo para um amigo que acaba de perder o pai
“Olha, eu nunca quis te dizer isso, mas… Ele era viado.”

gostaria de saber o nome de um remedio que faca ficar com tesao a flor da pele
Testosterona, esse hormônio de que você tem uma séria deficiência.

simpatia para separar o namorado da filha
Simples: seja macho e bote o rapaz para correr. Mas como você não é, é por isso que sua filha lhe afronta assim. Bem feito.

que roupa usar no carnaval de neopolis
Nenhuma. Você já está fodido, mesmo, pelo menos facilite a vida dos outros.

as vezes tenho umas idéias loucas mas acho que todo mundo tem um pouco de loucura
Todo mundo, não. É você que é maluco e fica achando que todo mundo é também. Procura um psiquiatra.

me procure no google
Deus que me livre. Eu, sem procurar, já tenho que me ver às voltas com gente como você, imagine se eu sair atrás. Credo em cruz.

como eu fasso para aumentar o meu penis
Amigo, há uma razoável porcentagem de mulheres que está disposta a relevar sua pequena deficiência se você se mostrar interessante e inteligente o suficiente. Faça um curso de português e tente ser feliz.

amigo de corno es corno tbm
Ou: diga-me com quem andas que te direi quem és. É, faz sentido.

meu irmao viu meu penis
Até aí, nada demais. O problema é que ele espalhou para todo mundo, e agora você não pode mais andar na rua porque é objeto de galhofa e zombaria.

foto de homem fazendo sexo e dando ocu vestido de anjinho
Depois de uma gargalhada que durou uns 15 minutos — o moço vestido de anjinho, imagine só — eu fiquei pensando no velho senhor, provavelmente com a barba cerrada por fazer e um charuto no canto da boca, levantando o camisolão branco, imaculadamente branco, e empinando a bunda num convite ao homem vestindo de diabinnho, que traz um sorriso lúbrico nos lábios. O amor é divino. E o moço está vestido de anjinho.

quais as maneiras de um homem fazer sexu com outro homem sem que o cu due
Pague um boquete e seja feliz. Sabe, eu fico puto com essas perguntas idiotas.

blog rafael galvão aracaju
Eles estão chegando cada vez mais perto. E meu psiquatra continua não acreditando em mim.

Sobre os comentários a Dilma

Os comentaristas do post anterior têm, todos, um mérito: as críticas a Dilma Rousseff são basicamente as mesmas que seriam feitas a um Mercadante. De modo geral são críticas ideológicas, e não sexistas. É um bom começo.

Isso não quer dizer que sejam todos merecedores de muita atenção. O comentário do Rogério beira o ridículo: “é também patético vcs agora quererem impor a candidatura de dilma goela abaixo da população brasileira”. Até ontem, pelo menos, este era um país livre. Qualquer pessoa que queira ser candidata a presidente pode ser. Isso não é empurrar nada goela abaixo de ninguém; é simplesmente fazer uso de um direito. Quem não gosta da Dilma, do Serra, do Aécio ou do Maluf, faça o seguinte: não vote. Confundir um direito individual e de um partido com imposição é uma das maiores bobagens que já li. Mas gente como o Rogério não tem lá muito apreço à democracia nem consegue apreender corretamente o seu significado.

A hipótese levantada pelo Navegador, na minha opinião, é um equívoco. Achar que dar de mão beijada o governo ao PSDB/DEM significaria uma volta mais fácil de Lula em 2014 é bobagem. Porque isso simplesmente não existe. Nunca. Em lugar nenhum do mundo. Não se entrega o poder a um adversário. Curiosamente, é o mesmo argumento que eu vi dirigido a Fernando Henrique Cardoso em 2002. Não era verdade, e Serra perdeu por seus deméritos (e pelos de Fernando Henrique). Mas se fosse, bastaria olhar para o governo Lula para ver que FH teria feito uma grande bobagem.

Não é por outra razão que Serra está unificando o PSDB paulista, comprando Alckmin com a promessa do governo de São Paulo em 2010 e isolando cada vez mais Aécio Neves. Não importa o que se diz hoje: Aécio não vai marchar ao lado do PT em 2010, aconteça o que acontecer. Porque ele sabe que essas coisas não existem.

O João Neto, meu troll de estimação, falou em “queima de amigos” por Lula. É um pensamento meio torto e, na minha opinião, meio ingênuo. Primeiro, por julgar que política (ainda mais política feita pelo PT paulista, aquele ninho de anjos do céu) é feita como uma reunião de amigos. A princípio, eu não tenho nenhuma simpatia ou antipatia por Dilma Rousseff. Na verdade, até há alguns meses eu defendia uma candidatura de Ciro Gomes e Pedro Simon, mesmo sabendo que o Simon não é mais o que era antigamente. De qualquer forma, minha simpatia é pelo projeto de governo que hoje Lula capitaneia — mais que simpático, eu sou parte indireta dele. Se Dilma Rousseff for o nome que vai conseguir aglutinar as forças de esquerda e manter esse modelo de governo, e melhorá-lo, então estamos com ela. E não me interessa se fulano ou sicrano ficou pelo caminho. Isso interessa apenas à oposição, que na falta de argumento melhor tenta reviver o mensalão — como se a derrota vergonhosa de 2006 não os tivesse feito aprender. Uma consultoria em marketing político não lhes faria mal.

Em segundo lugar, o João Neto tenta minimizar o que foi uma ascensão absolutamente natural e espontânea de Dilma Rousseff. E negar um fato simples: ela se afirmou como pré-candidata por seu próprio mérito, por sua competência.

O Roberto Procópio está enganado ao comparar Dilma a Lula. Porque os dois desempenham papéis diferentes; o de Dilma é o de fazer as coisas andarem. (E a Marina Silva é mais palatável a quem? Só se for à oposição. Pessoalmente, acho a Marina fascinante. Me bati com ela uma vez no aeroporto de Salvador — e ela tem um quê de verdadeira superioridade humana que me impressiona e me fascina. Mas eleição não é concurso de miss simpatia. A Marina passa, além de uma certa “limitação temática”, fraqueza e doçura excessivas para quem deve comandar um país, e provavelmente seria massacrada nas urnas por um Aécio ou um Serra. Além disso, em termos de percepção eleitoral, o país em questão precisa mais de um discurso consistente, pragmático e crível de justiça social e desenvolvimento do que de defesa da Amazônia. Esse é um tema caro às classes médias e altas que moram em cidades grandes. Mas tente dizer isso ao nordestino que passava fome em Cabrobó ou ao empresário agrícola ou industrial que precisa de incentivos à exportação. Pode-se dizer que a Marina Silva é a Cristovam Buarque do ambientalismo.)

Mas ao mesmo tempo discordo do Gui Losilla quando ele diz que o problema do governo Lula não foi o mensalão, e sim a imprensa. Na verdade, foram os dois. Não dá para negar os desvios éticos de gente como aquele rapaz do Land Rover. Mas também não dá para deixar passar em branco a hipocrisia e a canalhice de grande parte da imprensa, que juntou no mesmo balaio alhos e bugalhos — o caso da Angela Guadagnin, para mim, foi exemplar –, e que desde o início perseguiu o governo Lula com uma ferocidade inaudita mesmo nos primeiros tempos da última ditadura militar. A questão ética, por sinal, é um tema que precisa ser visitado e encarado de frente.

É também em reconhecimento ao caso do mensalão que a candidatura da Dilma se torna mais forte. Não fosse isso, é provável que o candidato mais forte hoje fosse José Dirceu. Mas os escorregões éticos do PT fizeram com que, pelo menos por enquanto, a melhor candidata à sucessão de Lula seja uma mulher que há 8 anos ninguém conhecia. De qualquer forma, isso não interessa. A história das eleições brasileiras é pródiga em candidatos fortíssimos que a vida deixou para trás em menos de quatro anos: Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, o próprio Lula em 1994. Em 1997, o candidato provável do PSDB/DEM à presidência em 2002 era Luís Eduardo Magalhães; mas política não se faz com antedência.

É bom lembrar que, nesta eleição, uma das principais qualidades do candidato da esquerda deverá ser a capacidade de receber os votos de Lula. Sozinho, ele é o maior eleitor do país. Serra, que hoje tem 41% das intenções de voto, sabe disso. É por isso que um ponto do post anterior devia ser visto com atenção. Se referia ao desgaste que se deveria esperar de um governo em fim de segundo mandato. É praticamente uma lei da política a presunção de que um segundo mandato é sempre inferior ao primeiro, e mais desgastante. Foi o que aconteceu com Fernando Henrique, por exemplo. E José Sarney nem mesmo precisou de um segundo mandato para ser execrado. No entanto, o que se vê até agora — e lembrando que ainda é cedo para tomar tais coisas como garantidas — é um governo cada vez mais sólido, algo inédito neste país, e a melhor prova possível de sua competência. É contra esse governo atípico que a oposição vai ter que encontrar alternativas e críticas suficientes.

Mas novamente, a oposição comete os erros de sempre. Talvez por não poder evitá-los. Em vez de discutir o modelo de governo que a Dilma vai defender, fica na periferia dos argumentos. Ninguém apresenta uma alternativa de desenvolvimento social ao Bolsa Família que tanto criticam. Ninguém apresenta um modelo diferente de política cultural. Ninguém discute se as obras do PAC são necessárias ou não, ou como se pode melhorar.

Diante desse quadro é justo imaginar: não apresentam alternativas porque não têm.

Começa a campanha contra Dilma Rousseff

A revista Época desta semana traz uma matéria com chamada de capa sobre as cirurgias plásticas a que a ministra Dilma Rousseff teria se submetido. Faz um detalhamento das operações, além de investigar suas razões e possíveis conseqüências políticas, e se justifica dessa forma:

Num comportamento inapropriado, já que todo evento que tem implicações com a saúde de um ministro deve ser tratado com transparência, sua assessoria nem sequer confirmava a realização da cirurgia.

Essa afirmação da Época é um exemplo claro de hipocrisia e de segundas intenções. A diverticulite do presidente Tancredo Neves era de interesse público. A saúde frágil do vice-presidente José Alencar, também. Cirurgias plásticas de ordem meramente estética, como as feitas por Dilma, não são questão de saúde e não interessam a ninguém.

Não se costuma ver na mídia perguntas sobre os cabelos tingidos de José Sarney, ou mesmo a retirada das bolsas sob os olhos de José Serra e de Fernando Henrique Cardoso — a não ser quando servem para justificar ataques como esse. O passado de Dilma Rousseff como guerrilheira e opositora da ditadura militar, ainda que remoto e pouco relevante hoje, é uma informação importante para o cidadão brasileiro. Se ela levantou ou não uma pálpebra, é no máximo assunto de tablóides de fofocas de novela. É a esse nível que a Época se rebaixa quando explora esse assunto.

Mas a investida contra Dilma tem razão de ser: hoje, ela é reconhecida como a sucessora potencial de Lula.

A grande esperança da oposição, até agora, tinha sido a aposta na ausência de um candidato forte para suceder Lula. Finalmente reconhecendo que, mais que um político ou estadista, Lula é um dos maiores heróis nacionais na história, costumava ver como vantagem a idéia de que tinha candidatos mas não tinha programa, enquanto o governo tinha programa mas não tinha candidatos. (A propósito, este blog sempre achou que é mais fácil arranjar um candidato do que desenvolver um programa.)

O cenário era ainda mais promissor para a oposição porque, ao final das eleições de 2008, analistas políticos se apressaram em afirmar que o tão temido poder de transferência de votos de Lula era muito menor que o imaginado, já que o governo perdeu as eleições em várias capitais.

Mas uma eleição municipal não é a mesma coisa que uma eleição presidencial em termos de capacidade de transferência de votos do presidente em exercício. Cada dia mais atento, o eleitor brasileiro sabe diferenciar essas esferas. Uma eleição municipal é basicamente dominada por temas e interesses locais. Uma eleição presidencial tem forçosamente como referencial o atual mandatário e a avaliação que se faz do seu governo.

É por isso que na eleição presidencial de 2010 nós teremos Lula dizendo ao povo brasileiro: “A Dilma sou eu na presidência”. E por Lula na presidência entenda-se o cada vez mais forte e eficiente sistema de distribuição de renda simbolizado pelo Bolsa Família. A condução firme da política econômica. Uma posição internacional cada vez mais visível, sólida e influente. O Brasil que Lula vai deixar em 2011 é um país melhor do que aquele que o elegeu. Seus índices de popularidade alarmantes — para a oposição, ao menos — são o melhor exemplo disso. Em 2010, o que se terá será a disputa entre o modo de governo capitaneado por Lula e as alternativas pouco simpáticas às classes mais baixas representadas pelo PSDB e pelo PFL.

Hoje a oposição deposita suas fichas em José Serra e Aécio Neves, governadores de dois dos mais importantes (e eleitoralmente densos) Estados brasileiros. Guardadas as devidas proporções e diferenças, esperam em Aécio um novo Collor para bater Brizola, como em 1989, e em Serra um novo Fernando Henrique para vencer um Lula, como em 1994. Seria o bastante, caso o governo continuasse sem um candidato forte e sofresse o que normalmente é um desgaste natural depois de 6, 7 anos de governo.

Mas o fortalecimento crescente de Dilma começa a mudar esse panorama.

Primeiro, Dilma foi levada na conta de boi de piranha, uma pré-candidata destinada a servir de alvo da oposição enquanto o governo preparava seu candidato real. Essa era, por exemplo, a opinião deste blog. Talvez fosse uma opinião equivocada. Porque intencionalmente ou não, Dilma Rousseff se consolidou de maneira surpreendente. Tem cada vez mais pontos positivos a seu favor, e se firma a cada dia como uma boa receptora dos votos do presidente Lula. Como possível candidata, vai se mostrando um nome ao mesmo tempo leve e sólido, sem as resistências que, por exemplo, um Ciro Gomes encontraria.

Dilma é uma mulher, o que por si só já representa um sopro importante de renovação. É uma política com ampla experiência administrativa e comprovadamente competente. Atravessou incólume o escândalo do mensalão, e não paira nenhuma suspeita sobre sua honestidade — mesmo no comando de um orçamento gigantesco, como o do PAC. Ou seja, a cada dia se consolida mais como o nome ideal para substituir o governo mais bem-sucedido da história democrática do país. É infensa até ao mais idiota dos argumentos contra Lula:ela tem mestrado em economia.

A matéria da Época é apenas uma das primeiras das muitas que virão por aí. Logo depois, na última página da revista, assinada pela Ruth Aquino — uma espécie de Lya Luft da Época, uma boa tradução daquele pensamento de classe média do Leblon — a matéria mostra indiretamente a que veio:

Para salvar vidas, as estradas federais precisam de uma plástica radical com a da Dilma.

Vem mais por aí. A partir de agora, Dilma Rousseff vai ser alvo de chumbo grosso. As eleições de 2010 estão começando.

Rafael Galvão, agora especialista em Nostradamus

Parece brincadeira.

Há alguns anos, o Marcus repassou por e-mail — e por sacanagem — uns trechos de Nostradamus como uma profecia sobre a tsunami que tinha acabado de assolar uma parte do Índico. Eu fiz um post brincando com as centúrias do grande apotecário e picareta francês. E ainda procurei mais algumas para provar que com boa vontade, elas podem significar o que quiser.

Entre as centúrias que achei e que achei interessantes, estava uma que eu podia “interpretar” facilmente:

To an old leader will be born an idiot heir,
weak both in knowledge and in war.
The leader of France is feared by his sister,
battlefields divided, conceded to the soldiers.

Meu comentário na época foi esse: “É Bush. Quer apostar que é Bush?” Podia ter dito também que os soldados eram a Halliburton ou a Blackwater.

Agora eu acho que talvez Nostradamus estivesse certo. E se estava, agora me intitulo o mais novo hermeneuta no sujeito, vigarista de séculos atrás mas que, ao menos e sem saber, definiu antecipadamente George W. Bush.

Os que defendem o genocídio palestino

A coluna da Cora Rónai em O Globo, também publicada em seu blog, é um insulto à memória dos palestinos assassinados por Israel e uma ofensa a quem tem algum respeito pela humanidade.

É uma das mais claras e veementes defesas de Israel na atual crise — e nisso é preciso admirar a senhora, porque é preciso coragem para tentar justificar o indefensável, fechar os olhos para a carnificina e mentir descaradamente. Abaixo seguem alguns trechos comentados dessa coluna/post. O texto integral está no blog da Cora Rónai.

No momento, nada que se diga ou se mostre em favor de Israel terá qualquer efeito. Para além da presente guerra propriamente dita, há outra que, há tempos, foi perdida pelo país — cuja capacidade de fazer propaganda, ao contrário do que acredita tanta gente, é inversamente proporcional ao seu poderio militar.

A Cora Rónai está falando de algum país que não conhecemos. Há 40 anos Israel é um país opressor. Poucos países contaram com tamanha boa vontade quanto Israel — e para isso inverteram valores, chamaram de “luta pela existência” o que era apenas opressão. Foi necessário que anos de abusos, de invasões, de limpeza étnica passassem para que uma parte do mundo se conscientizasse do crime contra a humanidade que Israel vem cometendo há décadas. E se isso não é boa propaganda, eu não sei o que é.

Além da amizade com os Estados Unidos, vilão preferido de meio mundo, e do questionável rótulo de “direita” que lhe foi pespegado, há uma série de fatores culturais e políticos que atuam permanentemente contra Israel. Para ficar apenas num ponto de óbvio apelo emocional, seus mortos e feridos nunca são filmados ou fotografados, salvo em hospitais ou caixões e, ocasionalmente, pela imprensa estrangeira. Os mortos tampouco são exibidos em procissões; eles tem sido, atentado após atentado, guerra após guerra, mortos que se contam em números – mas o que é um número diante da foto de uma criança morta?!

Se as fotos de crianças assassinadas por Israel não sensibilizam a Cora Rónai, talvez os números sensibilizem.

Até ontem pela manhã, eram 1054 palestinos mortos desde o início da chacina. Desses, 100 eram mulheres. 255 eram crianças. Outros 4870 ficaram feridos.

13 israelenses morreram até agora. 10 militares, 3 civis.

É um insulto à inteligência de qualquer pessoa sequer pensar comparar as duas situações.

(Mais dados e análises excelentes podem ser encontrados no Idelber, que vem fazendo uma cobertura brilhante do genocídio perpetrado por Israel na Palestina.)

Ao mesmo tempo, ao longo dos últimos anos, quando foguetes do Hamas eram lançados sobre o sul de Israel, as crianças iam para abrigos subterrâneos, e não para o meio da rua, providencialmente armadas com estilingues. Ora, a foto de uma escola (vazia) destruída por um “míssil caseiro” (seja isso lá o que for) não tem uma fração do impacto da foto de um garoto de estilingue diante de um cenário de destruição.

A Cora Rónai deve saber, por exemplo, que o Hamas voltou a lançar foguetes depois que Israel, mais uma vez, quebrou o cessar-fogo.

Mas não interessa a ninguém que se preste ao papelão de defender Israel, neste momento, lembrar da história da região. Em vez disso, a torção de fatos, os sofismas primários, as imagens fáceis.

Isso não justifica matança alguma, seja de um lado, seja de outro; mas o fato é que criou-se, assim, a singular percepção de um povo intrinsecamente mau e sanguinário, que ataca criancinhas por pura maldade, contra um povo intrinsecamente bom e coitado, que só explode civis por falta de escolha.

O último argumento dos defensores dos crimes de Israel é esse: o maniqueísmo bobo, piegas, e um eterno colocar-se no papel de vítima. Mas a Cora está errada. A máquina de propaganda isralense criou justamente a imagem contrária: eles eram um país vítima enquanto os palestinos eram terroristas — embora falar em “matança de um lado e de outro”, dados os números, seja um despautério. Uma frase de Golda Meir não em sai da cabeça: “Depois do que os nazistas fizeram conosco, podemos tudo”. Agora Israel mostrou o que acha que pode.

Por ser um país desenvolvido cercado de vizinhos em diferentes estágios de “civilização”, Israel paga, guardadas as devidas proporções, o preço que a classe média paga, no Brasil, em relação à criminalidade nas comunidades carentes: para uma certa visão míope, é sempre a culpada, porque, em tese, nessa forma enviesada de análise, os bandidos são sempre inocentes – são apenas pobres reagindo à desigualdade social (o que, claro está, é uma baita ofensa à imensa maioria dos pobres, que sofrem na miséria sem nunca pensar em delinqüir). Enquanto isso, os verdadeiros culpados pelas desigualdades, lá como cá, não são mencionados nem en passant – e, ainda que o fossem, continuariam onde sempre estiveram, ou seja, nem aí.

Esse parágrafo é tão podre que dá vergonha de comentar. Ela define Israel como uma ilha de civilização em meio a um mar de barbárie; é a inveja do desenvolvimento de Israel a causa de todo esse caos. E a isso junta os seus próprios preconceitos de classe, o esnobismo profundo de certa elite — ela diria intelligentsia, talvez — brasileira. O Abundacanalha já falou sobre esse trecho. Não é preciso dizer mais nada.

Já os líderes mundiais que não perderam tempo em se declarar contra a “reação desproporcional” de Israel pouco estão se lixando para o sofrimento das vítimas. Se a sua preocupação fosse realmente humanitária, o Sudão, por exemplo, não sairia das manchetes; só que as vítimas do Sudão não dão ibope. Quando a China entrou de sola no Tibete, ainda outro dia, ouviram-se, no máximo, ligeiros resmungos protocolares – e, ainda assim, só porque o Dalai Lama é um véinho carismático, com bom transito em Hollywood.

Dá para justificar um erro com outro? Eu acho que não. Tentar desviar a atenção para o Sudão é uma atitude covarde e suja. E mais que isso, mostra a impossibilidade de justificar os atos de Israel. É o homicida falando do latrocida.

Isso sem falar no antissemitismo que, invariavelmente, aproveita para dar as caras quando tem a ótima desculpa de uma guerra para acobertá-lo. “Israelense” e “judeu” não são sinônimos; há incontáveis cidadãos israelenses que não são judeus, como há milhões de judeus que não são israelenses. Ainda assim, os dois termos se equivalem para efeitos de noticiário, de artigos, de posts enraivecidos em blogs. Seria até compreensível se a mesma equivalência servisse para “palestinos” e “muçulmanos”, mas esta é sempre cuidadosamente evitada. Às vezes, o uso (ou a omissão) das palavras revela muito mais do que o seu significado.

Qualquer pessoa que já tenha questionado as atitudes de Israel já foi chamado de anti-semita (ou antissemita, como querem os novos). A Cora apenas repete os mesmos argumentos de sempre. Mas esquece de dizer que os termos “judeu” e “israelense” parecem muitas vezes equivalentes porque Israel é um Estado formado sob a premissa judaica.

Apoiar os palestinos, o Hamas, o Hezbollah e os países árabes de modo geral, é chique, é bacana e é uma garantia de popularidade com a soi disant “esquerda”. Israel não terá o apoio da intelligentsia – que em geral é de uma extrema covardia e ignorantsia – nem se for completamente aniquilado, como quer o Hamas. Aí ainda vamos ouvir o “fizeram por onde” que tanto se disse em relação ao ataque ao WTC; as Nações Unidas vão fazer tsk, tsk, o Papa vai condenar vagamente o exagero – e estaremos conversados.

Até agora, não vi ninguém apoiando o Hamas ou o Hezbollah. No máximo, o que se tenta é compreender como a opressão israelense levou uma parcela do povo palestino à radicalização e à resistência. O Hamas não é simpático a ninguém; mas queira a Cora Rónai ou não, a sua luta é hoje a luta de todo um povo. É uma resistência legítima — assim como era legítima a resistência judaica anterior à fundação de Israel. Mas os judeus que explodiam hotéis eram heróis, como Ben Gurion; os palestinos que tentam resistir à ocupação por um país que pode chegar ao nível de genocídio a que Israel chegou são terroristas.

Mas a verdade é que eu nem devia estar falando sobre isso. Minha opinião é descartada de saída em qualquer discussão a respeito do Oriente Médio: como venho de uma família dizimada pelo Holocausto, sou suspeita e, portanto, não posso me manifestar. Cansei de ouvir isso até de pessoas supostamente inteligentes – e, de cansada, não discuto mais. Se o que você diz não vale nada a priori, o mais sensato é seguir os conselhos do professor Higgins, e falar apenas sobre o tempo e a saúde.

Então a Cora Rónai não pode falar? Mentira. Tanto pode que está falando. E pode muito mais que a “internet” da qual ela reclama, porque fala do alto de uma coluna em um dos maiores jornais brasileiros. Ela pode e faz. Isto aqui vai ter algumas centenas de leitores. A Cora Rónai tem centenas de milhares. Se há um tipo de pessoa que não pode posar de vítima é uma jornalista tarimbada e com anos de experiência.

E ela fala apelando para o velho argumento do Holocausto, lugar comum para todos que tentam justificar as atrocidades israelenses. Mas o Holocausto já não justifica Israel. Deixou de justificar, na verdade, há muitos anos, quando Israel violou o acordo que possibilitou a sua criação.

Como é, tem feito muito calor por aí?

Tem, dona Cora. Mas um calor menor que o das bombas explodindo na Palestina.

Manual do Bem Foder

Recebi há algum tempo, por e-mail, uma listinha anônima em que uma moça — é uma moça, deveras — enumera “30 erros que os homens cometem na cama”.

É uma definição tão acurada e taxativa de certo e errado nas lides da carne que eu chamei a lista de “Manual do Bem Foder”.

Gente chata costuma cometer um erro: achar que o que vale para si vale para todo mundo. No mundo real a gente chama essas pessoas de “caga-regras”, e elas são a melhor definição de chatice que se pode encontrar. Por exemplo, segundo o manual, ele tem que fazer a barba, mas ela não precisa se depilar. Ela insiste que ele faça sexo oral, mas se ele insistir que ela faça, é desagradável.

Além da incomparável inconveniência que é deitar regras para algo que, a princípio e por definição, não as admite, há um fato que parece preocupante: algo que parece ser um certo egoísmo inerente à moça, ao utilizar padrões diversos para os diversos papéis que ela atribui durante a saliência.

Por isso, em vez de chamar seu opúsculo de “30 erros que os homens cometem na cama”, ela poderia chamá-lo de “30 coisas que fizeram comigo e que eu não gostei, e que portanto ninguém vai gostar”. Poderia chamar também de “30 coisas que fizeram comigo mas que eu não gostei porque não estava sendo suficientemente bem comida, ou simplesmente não estava a fim, ou a lua não estava na casa certa”.

Cada pessoa tem direito a suas preferências, e ao contrário do que essa moça aí parece pensar, isso é bom. O problema começa quando as pessoas começam a cagar regras. Essa moça deve ter se achado a Marta Suplicy do século XXI ao escrever esse monte de obviedades ou, o que é pior, estabelecer como regra geral e aplicável a todos e todas as suas preferências pessoais. É o que faz dela uma chata. E eu, se fosse o caso, quereria distância dessa moça.

Abaixo segue a lista feita pela moça, com os devidos comentários feitos por este seu criado onde julgado necessário.

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Ainda sobre o faroeste e sobre a ficção científica

Nos comentários à lista dos melhores westerns, o Roberto Procópio fez um comentário curioso:

acho que o espírito por detrás do western acabou quando começou a conquista do espaço, a nova fronteira, já que, comparativamente, não tinha mais sentido de valor a conquista de territórios na terra vis-à-vis a conquista espacial ou mesmo a inquitação com o futuro. Quem trocaria uma pela outra? Provavelmente o sentido de busca por alguma coisa desconhecida que o western propiciava deve ter sido descarregada em filmes como Aliens, ET, Jornada nas Estrelas, O Exterminador do Futuro, Planeta dos Macacos,etc. Ou seja, a conquista espacial e o próprio futuro forneceram material para a imaginação da indústria cinematográfica.

Um pouco depois, o André Egg fez outro bom comentário em alguns aspectos semelhante. Embora sob ângulos diferentes, os dois relacionavam o fim do faroeste à corrida espacial.

A princípio fiquei encantado com o argumento do Roberto, porque ele tem uma poesia que me fascina: a idéia da sucessão de tempos e de gêneros, do faroeste passando o cetro para a ficção científica. Mas pensando mais sobre o assunto, passei a achar que talvez não seja isso, por algumas razões.

Em que pese H. G. Wells, ou eventos como a transmissão da versão de Orson Welles de “A Guerra dos Mundos”, eu sempre tive a impressão de que os principais responsáveis pela introdução da ficção científica no mainstream da produção cinematográfica americana foram a Feira Mundial de 1939 e a explosão da bomba atômica.

É difícil hoje aquilatar a importância da Feira Mundial em sua época. Seu impacto no cotidiano de Nova York está bem representada num bom livro de E. L. Doctorow, “A Grande Feira”. Mas muito mais importante que isso foi o seu papel na definição de uma imagem clara de futuro para toda a nação. Alguém já disse que aquele foi o último momento de fé absoluta da humanidade na tecnologia. As visões de futuro apresentadas ali (pode-se ver um dos seus últimos vestígios no primeiro “Homens de Preto”), devidamente popularizadas pela comunicação de massas, foram fundamentais na formatação do imaginário americano — e conseqüentemente mundial — acerca do que deveria ser o futuro, de robôs a espaçonaves. O mundo saía da Grande Depressão, Hitler ainda não havia invadido a Polônia e o futuro se apresentava maravilhoso.

Seis anos depois, o futuro e a tecnologia apresentariam outra face, menos agradável: o surgimento das bombas voadoras V-2 e da bomba atômica mostrou que nem sempre a tecnologia vem para melhorar a vida das pessoas. Além disso, em 1947 começou a febre dos objetos voadores não-identificados — e embora mundos extraterrenos e misturas insalubres de urânio e plutônio não pareçam, a princípio, complementares, são algo intimamente ligado à percepção de um mundo gigantesco de possibilidades abertas pela fissão do átomo. Essa sensação é definida com perfeição em “O Incrível Homem que Encolheu”, de 1957: a de que confrontado com esses novos desafios, o homem se tornava cada vez menor.

Mais do que a idéia de conquista de uma nova fronteira, essa dualidade entre bom e mau tornou, para aquela época, o espaço algo fascinante. Finalmente, a era espantosa de prosperidade vivida pelos Estados Unidos nos anos 50, a sensação de que a maior potência do mundo capitalista tudo podia e estava destinada a definir o futuro, tornavam mais próxima a noção do espaço. Além disso, os anos 50 pareciam estar a caminho de materializar as visões de futuro que tinham se cristalizado nas crianças dos anos 30. Era quase uma certeza, para muita gente, que era daquele jeito prateado, espacial, nuclear que seria a nossa vida no ano 2000. Tudo isso junto fez com que o espaço e viagens planetárias se tornassem algo em que as pessoas pensavam, e esse novo nicho foi devidamente aproveitado por Hollywood. Isso deu coisas boas e ruins — basta lembrar de bisonhices como Plan 9 From Outer Space, de 1959.

(Vale a pena olhar esta galeria de telas de aberturas de filmes B. Os títulos são deliciosos — Devil Girl From Mars e Fire Maidens of Outer Space são apenas alguns deles. Além disso, mostram que foi nos anos 50 que o gênero desbundou totalmente.)

Tudo isso enquanto John Wayne enchia índios de bala. O auge comercial dos dois gêneros foi justamente os anos 50, simultaneamente. Naquela década, e no começo dos anos 60, meninos brincavam com pistolas espaciais de raios laser tanto quanto brincavam revólveres de espoleta.

Mas além dessa simultaneidade, há outra razão para que eu não concorde com essa idéia de “sucessão”. Não existiu, em nenhum momento, um antagonismo entre eles. Não são fronteiras que se sobrepõem. O faroeste reinventa um passado conhecido, enquanto a ficção científica olha para o futuro imaginado, e essas percepções podem conviver sem problemas.

O importante, aqui, talvez não seja tanto a conquista da fronteira, a verdadeira essência do faroeste. É, de um lado, a sedimentação da história americana, contada sob um prisma que mistura heroísmo, violência e um bocado de mentira. Do outro, sim — “o sentido de busca por alguma coisa desconhecida”, como disse perfeitamente o Roberto. Quando o cinema apareceu a grande marcha para o oeste já tinha acabado. A fronteira estava conquistada — e a cidade que se especializou naquela nova indústria estava justamente à beira do Pacífico.

O faroeste caiu em desuso, digamos assim, não porque a Apollo XI chegou à lua ou porque os russos lançaram o Sputnik. Acabou porque foi ordenhado até a exaustão. Porque nos anos 50 as pessoas cansaram de tantos westerns, sempre com a mesma estrutura narrativa e, principalmente, moral; as pessoas simplesmente cansaram — quem ainda agüentava ver Glenn Ford fazendo sempre o mesmo papel, ou mesmo Audie Murphy? No fim das contas, foram feitos tantos westerns, bons e medíocres, que o gênero simplesmente saturou o público e foi obrigado a migrar para a televisão, encontrando uma sobrevida em seriados como “Bonanza”, “O Homem de Virgínia” e “Chaparral” nos anos 60. Novas idéias (sem contar Sam Peckimpah, que é mais estilo do que realmente um novo olhar) teriam que vir de outro lugar. Vieram da Itália.

Basicamente, o faroeste não morreu porque um novo rei tomou o seu lugar. Ele morreu sozinho no seu canto, velho e esclerosado, lembrando de glórias passadas. Assim como a ficção científica acabou perdendo vapor porque, afinal de contas, aquele futuro demorava muito a chegar.

A guerra dos clones

Há um surto de doppelgängers por aí, afetando blogueiros da velha guarda. Foi o Bia quem me mostrou as evidências, desesperado, arrancando os poucos fios de cabelo que ainda restam. Uma epidemia de clones ameaça alguns blogueiros que ainda não desistiram de escrever blogs.

O Nelson Moraes tem um. É espírita. E espírita reconhecido, com livro e tudo. Um de seus livros se chama “Os Talentos do Tonhão e do Luizinho“. Os talentos do Tonhão eu imagino bem quais sejam, que ninguém é Tonhão à toa. Fico, no entanto, intrigado em relação ao Luizinho. O que um sujeito chamado Luizinho pode fazer, afinal? Luizinho, em tese, não tem talento para nada — só para ouvir “Luizinho, meu filho, vai ali na venda comprar um laxante que sua tia tá com aquele problema de novo!” Ninguém percebeu que o Bia, por exemplo, só assina o sobrenome?

Conviver com um doppelgänger desses deve ser duro para o Nelson de cá. Porque para ele é fácil fazer o que faz. Não há honra em escrever o que o Nelson escreve, porque seus textos só conseguem elogios, sempre. É como um peixe dizer que nadar é coisa do outro mundo, quando é tudo o que ele sabe fazer. Difícil mesmo é escrever livros com os títulos que o outro Nelson Moraes escolhe. É preciso muita coragem, uma valentia sobre-humana para escrever um livro chamado “Para onde iremos após a morte?”. “Pra casa do caralho!”, responde alguém, e outro gaiato grita “Pra puta que pariu!”, e então a gritaria sai de controle, alguém começa a jogar rolos de papel higiênico na sala, e como levar alguém a sério dessa forma?

Como não admirar, por exemplo, um livro como “Autista do Além”, um dos títulos mais fantásticos que eu já vi em toda a minha vida? Você já imaginou um autista no Além? Você sabe o que é isso? Tente falar isso em voz alta sem rir. Viu? É impossível.

O Nelson de cá que me desculpe, mas macho mesmo é o Nelson de lá. Aquilo é que é coragem. Tivesse o Nelson de cá nascido em Goiás e eu relativizaria tudo isso — porque é preciso fibra para dizer em alto e bom som, “Eu sou goiano!”. Mas o Nelson nasceu em outro lugar. (Descobrir que o Nelson não nasceu em Goiás me faz perder metade das possibilidades de sacanagem com ele. Por isso, exijo que a Assembléia Legislativa dê ao Nelson o título de cidadão goiano. É justo. Ele é um goiano melhor que o Iris Rezende e, além de tudo, melhoraria consideravelmente a reputação duvidosa dos goianos.)

O caso do Nelson é triste, mas não é o pior. Veja o Alex, por exemplo.

O Alex tem um bocado de alter egos. Não é para menos: com um nome desses, devem nascer clones às pencas mundo afora. Eu sempre achei que Alex Castro é nome de decorador de festa de subúrbio, mas a verdade é que esse é um típico nome latino. Bata no Google: sob o nome Alex Castro aparece de tudo: de DJ brasileiro a traficante colombiano.

Um dos tantos clones do Alex é um lutador cubano com cara de michê de atriz velhinha da Globo. Tem a mesma boca do Alex, então eu presumo que é filho do seu pai com uma jinetera cubana. Essas coisas acontecem nas melhores famílias. Uma noite, uma garrafa de Havana Club, o esquecimento conveniente e temerário da camisinha: e eis no mundo mais um Castro. Além disso, o pai do Alex é baiano — o que explica uma porção de coisas.

O Alex de lá é o Caim do Alex/Abel de cá. É mau enquanto Alex é doce. Dá a cara para bater enquanto o Alex não deve ter entrado em uma única briga na vida. É o protótipo do macho latino enquanto o Alex se envergonha de ser heterossexual. O Alex Castro cubano é o nosso Alex no espelho. E por saber disso, a partir de agora nada vai tirar de mim a certeza de que o Alex foi para Cuba e se envolveu em todas aquelas aventuras, ano passado, em busca do seu irmão, o elo familiar perdido. Há meses venho lutando contra a vontade de escrever uma novela narrando as aventuras do Alex em Cuba; talvez o surgimento do seu irmão esquecido seja um sinal me dizendo que eu devo finalmente escrever essa joça.

A desgraça do Bia é ainda maior. O seu nome é um erro de tabelião analfabeto, como tantos por aí — e o seu pai provavelmente estava bêbado como o pai do Alex, e esqueceu de corrigir o equívoco. O nome do resto da família é Biagioni, nome bem mais comum, e essa deveria ser a garantia de que ninguém ia se meter a besta em arranjar um clone onomástico. O Bia se julgava a salvo — bobo, não sabe ele que ninguém está a salvo neste mundo? Ninguém pode imaginar a satisfação com que o Bia fazia ego searchs no Google e só via referências ao seu próprio nome. O Bia era único.

Não mais. Porque contra todas as chances um católico também chamado Biajoni deu as caras na blogoseira. Seu blog se chama “O Brasil Avivado“. O Brasil eu não sei, mas todas as beatas na sacristia da Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda têm um orgulho danado do blog do outro Biajoni. O sujeito é católico-mas-católico-mesmo, com retrato de Bento XVI na parede, provavelmente.

Isso é uma ironia impressionante. Quando bebe, o Bia fica provocando a ira de Deus, falando besteiras que fazem sua avó macumbeira se persignar freneticamente. Mas o Bia é sub-reptício, não vai para o confronto direto como, por exemplo, o Alex (que só deixa de ser ateu no dia que provarem que Deus é preto). Por isso, Deus resolveu fazer com ele a mesma sacanagem sutil que o ímpio do Bia faz com Ele: pôs no seu caminho um homônimo improvável. Tão improvável que o blog do sujetio está na Canção Nova. É o troco de um Deus debochado. O Bia entende tão pouco dessas coisas de Deus que chegou a achar que o Carlos Biajoni é evangélico — e lá está o Senhor em seu trono rindo da cara do Bia, dizendo “toma nas fuças, cachorro!”.

Era aqui que eu queria terminar este post, sacaneando o Nelson, o Alex e o Bia. Mas agora fico sabendo que apareceu mais um clone para mim. Eu já tinha que me ver às voltas com um homônimo aqui na minha terrinha de cajueiros e papagaios; agora me vejo às voltas com outro Rafael Galvão. Há uma inflação de rafaéis por aí, e essa inflação diminui o valor do meu nome e achata o meu capital onomástico. Longe vão os tempos em que eu encostava numa Maria qualquer e ela dizia: “Rafael? Mas que nome lindo!” Agora, se eu fosse fazer isso, a resposta seria diferente: “Ah, Rafael é o nome do cachorro de minha tia. Mas você não é Galvão, não, né?”

Piorando as coisas para mim, o sujeito é poeta. Dorme, o desgraçado, com a minha inimiga. Dá vontade de dizer para o Amaral: olha, poeta, um Rafael melhorado!, mas eu ainda continuo com a minha política de dar rasteiras nas musas, aquelas vadias, e andar para a poesia. É por isso que não posso então gostar do novo Rafael que me apareceu. Se fosse só blogueiro, tudo bem, que ser blogueiro é desgraça pouca. Mas o sujeito é poeta. Vai arruinar minha reputação de homem sem poesia e sem beleza interior; o poeta Rafael Galvão pode fazer com que pessoas que eu não conheço digam: “ah, o Rafael Galvão? Ele tem uns poemas excelentes.” (Ou, pior, podem dizer: “Rafael, aquele poeta de merda? O sujeito é ruim demais.” Alea jacta est.)

É por isso que eu fico com inveja do Idelber. Segundo o Bia, o Idelber tem um nome tão desgraçado que ninguém teve coragem de copiar. Tem um vidraceiro por aí chamado Idelber Paganoto, mas não é mesma coisa — Rafael Oliveira, Rafael da Silva não me incomodam, esse Idelber não deve incomodar o Avelar. O problema é nome e sobrenome juntos, de uma só vez, o pacote completo. Roubem o meu nome, eu não ligo — na verdade esse meu também foi roubado — mas não roubem o patronímico. Porque eu achava que era essa combinação que me fazia único; essa combinação e a doçura que mamãe me deu. Agora só me resta a doçura.

Olhando esses clones todos, eu fortaleço a minha teoria que um doppelgänger é uma sacanagem da natureza, destinada a a baixar nossa auto-estima. E sim, estou dizendo aqui, com todas as letras, que sou melhor que o meu homônimo. Acho isso com sinceridade, do fundo do coração e com pureza d’alma. Mas, honestamente, tenho que admitir que é exatamente o que eles podem também dizer, com a mesmíssima razão: que são melhores que eu. O clone do Bia, por exemplo, pode olhar para ele e dizer: “Eu com o mesmo sobrenome dessa titica, Senhor? Ah, as provações pelas quais Satanás nos faz passar…” O Rafael Galvão que é poeta pode estar pensando: “Puta que pariu, eu aqui dando duro para para achar o alexandrino perfeito e lá vem esse babaca botar o meu nome na lama.”

É a minha vingança e o meu consolo. Os clones vão ter que passar pelas mesmas agruras pelas quais nós passamos. O Carlos Biajoni deve ter a mesma vergonha queo Bia sente ao olhar para ele, ex-viciado em Viagra e fã do Lou Reed. O Nelson Moraes médium pode pensar “Porra, tinha que ser goiano? Só pode ser um obsessor! Valha-me, meu Bezerra de Menezes!” E eu, bem, eu me contento em saber que envergonho o outro Rafael Galvão com a minha mera existência.