Histórias

O tempo nunca passa de repente, passa com a regularidade que faz as noites sucederem os dias, a gente é que não percebe. As pessoas crescem aos poucos.

Dizem que quando se é adolescente, quando se tem 15 anos, você se acha imortal. Não é bem assim, nunca foi: você só considera algumas coisas tão distantes que não consegue pensar nelas, estão longe de você, não fazem parte do seu universo. E quando por acaso acontece um acidente, é só isso, um acidente.

Então você cresce, e quem cresceu antes de você envelhece. Também aos poucos, ninguém presta atenção a uma nova ruga em um rosto conhecido, a um novo fio de cabelo branco.

Sem que você perceba, sua imortalidade acaba. Não é na primeira morte de um amigo. Não é na segunda. Mas chega uma hora — é isso que vem de repente — em que você se vira para trás e a vida lhe aparece como uma seqüência de retratos de festa de reunião de turma, em que as pessoas que envelheceram antes de você vão sumindo aos poucos, e de cinqüenta restam trinta, e depois vinte, e então você olha para os quatro ou cinco miseráveis que sobraram e sabe que não foram esquecidos pelo tempo, e se pergunta quem vai ser o próximo.

A cada pessoa que some da foto é como se você fosse desaparecendo também, um pouco de cada vez. Porque você não é muito mais que isso, não é mais que as lembranças que deixa nas pessoas, os casos que contam de você vinte, trinta anos depois. É por isso que cada figura que desaparece representa um pedaço do seu próprio desaparecimento: porque elas levam consigo histórias suas, que agora não serão mais contadas e que sobrevivem apenas em você.

Um velório é isso, uma última celebração. É uma conversa em voz baixa em que as lembranças de alguém são evocadas coletivamente pela última vez, e isso acontece diante de círios, de velas, de flores que cheiram a morbidez, objetos que sequer pertencem ao cadáver deitado diante deles; talvez nem a isso, agora, ele tenha direito.

Isso acontece diante de jovens que ainda tentam entender o que é isso, que às vezes riem sob luzes mortiças porque, por sábios que pensem ser, ainda são inocentes, ainda não conseguem entender de verdade o que vêem, mesmo que uma sensação nova e ruim tenha se entranhado em suas almas. E acontece diante de velhos que já viram a mesma cena tantas vezes, e naquele momento talvez disfarcem o medo sob uma expressão de resignação; então você se pergunta se aqueles olhares vazios e aquelas vozes baixas e respeitosas são medo de um futuro cada vez mais próximo ou simples tristeza pelo que sabem que começou a se perder.

Depois as histórias se calarão, viverão por breves momentos quando um amigo encontrar o outro, ou em lembranças inventadas de netos que ainda não nasceram, e finalmente deixarão de existir, de uma vez por todas, e nada fará com que elas voltem.

Mas isso você pensa em casa, sozinho, mesmo depois de jurar a si mesmo nunca mais fumar na cama. Antes você não pensa isso, não pensa nada. Porque quando as figuras da sua foto de 20 anos atrás começam a sumir, fica apenas uma sensação de vazio.