Uma estreia na vida

Em 2009 eu estava numa cidadezinha perto de Londres, St. Albans. Visitava uns primos de minha então mulher. Cidadezinha simpática, aquela: tem umas casinhas em estilo Tudor, uma torre onde um rei francês qualquer ficou preso, umas ruínas romanas, um pub interessante que se diz o mais antigo da Inglaterra, o Ye Olde Fighting Cock, e a catedral onde João Sem Terra assinou a Carta Magna.

Eles tinham um casal de amigos, também brasileiros, que apareceu por lá. Eram os típicos emigrantes brasileiros: vindos do sul ou sudeste, jovens de classe média, tinham ido para Europa fazer serviços que jamais fariam aqui: ela era babá e ele entregador, acho.

Enquanto conversavam, eu olhava para eles e ficava pensando num passado que já era distante, mas não tão distante quanto agora. Foi naquele momento que percebi que talvez devesse ter feito as coisas de maneira diferente.

20 anos antes, finzinho de adolescência, o que eu mais queria era ir para a Europa, o centro do mundo, o lugar dos museus, das bibliotecas, dos escritores, dos cafés, das moças com um je ne sais quoi. Passar um ou dois anos conhecendo o que podia, vivendo a vida cosmopolita de um jovem despreocupado com o futuro.

Só não fui porque, além de frouxo, eu sentia que não podia largar as tantas responsabilidades. Tinha trabalho, faculdade, família. Não podia abrir mão de nada daquilo.

Foi ali em St. Albans, olhando aquele casal, que finalmente entendi que podia ter ido. A água que tinha passado embaixo daqueles 20 anos de ponte tinha me mostrado que não havia nada que eu não pudesse recuperar depois. Que minha família viveria sem mim, que eu poderia retomar a faculdade depois, que sempre haveria trabalho para eu fazer. Mais importante: talvez até tivesse voltado melhor, mais disciplinado, mais adulto, menos arrogante.

Naquele momento me arrependi de não ter feito o que quis ter feito um dia.

No fim das contas aquilo apenas se juntava a uns tantos arrependimentos que eu sempre tive, e a mesma água debaixo da ponte que tinha me mostrado isso tinha me feito não me preocupar com o que deixei de fazer na vida.

Porque sempre achei que a coisa mais idiota que alguém pode dizer é que só se arrepende do que não fez. É gente que não aprendeu nada na vida. Nunca me arrependi dessas coisas imaginárias, só das bobagens tantas e tantas que fiz ao longo da vida. Mas daquela vez fiquei pensando que tinha tomado a decisão errada. Anotei e deixei para lá, que o que não tem remédio, remediado está.

Mas St. Albans é longe demais, no espaço e agora no tempo. Lembrei disso porque, conversando com o Bia dia desses, ele me disse que devia ter feito isso e aquilo. O Bia é mais velho, mas lá no fundo é mais jovem que eu. Não fico penndo nessas coisas. Até porque essa ânsia de cosmopolitismo, que eu já tive, embora talvez de maneira mais difusa, é coisa de jovem. Hoje o que eu realmente gosto é de ficar deitado na rede, lendo no silêncio, sem sinal de celular e olhando os cachorros, beber vinho nas noites mais frias enquanto converso sobre o passado com essa mesma família que eu não pude abandonar por um ou dois anos.

Claro que não sei se se fiz o melhor que podia. Mas sei também de outra coisa: não importa. Talvez isso seja o melhor de envelhecer. É ficar em paz com o seu passado e fizer: eu fiz o que pude. Tá bom assim.

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